#ForaMicarla: Convênio entre a Secretaria de Turismo do Natal e a Fundação Oásis (Banda Diante do Trono): uma aberração jurídica


O Município do Natal fez publicar no seu Diário Oficial, na data de 26 de julho de 2011, um extrato de convênio firmado entre a Secretaria Municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico (SETURDE) e a Fundação Oásis, no valor de R$ 250.000,00, com o objetivo de “proporcionar a divulgação turística da Cidade do Natal, por intermédio da divulgação e realização do evento” de gravação do DVD do show ao vivo da banda gospel Diante do Trono.
Tal evento teve recursos oriundos da Emenda Parlamentar nº 57 à Lei Orçamentária Anual, de autoria do vereador evangélico e integrante da base de sustentação política da prefeita do Natal Sr. Albert Dickson (PP).
Além de qualquer discussão moral e ética sobre a destinação de recursos públicos para a realização de um show de uma banda que tem como missão “vivenciar e incentivar a adoração a deus nas nações do mundo, influenciando a sociedade e a nova geração de adoradores com excelência, santidade e amor”, o que se vê é que o aludido convênio é uma completa aberração jurídica, uma verdadeira afronta à Constituição da República e à legislação administrativa, como a seguir demonstraremos.

A Constituição da República evidencia o caráter laico do Estado Brasileiro em seu artigo 19, inciso I, ao dispor que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Ao se debruçar sobre o dispositivo constitucional supracitado, Pontes de Miranda, que é considerado um dos maiores juristas brasileiros, interpreta que “Subvencionar está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens de entidade estatal, para que se exerça a atividade religiosa".
Apesar de a despesa decorrente do convênio firmado ter sido classificada como para “fortalecimento do fluxo turístico”, o que se observa, na verdade, é que ocorreu subvencionamento de uma atividade intrinsecamente religiosa, conduta que é vedada pelo texto constitucional.
Como se não bastasse a inconstitucionalidade flagrante, a conduta do município também feriu a legislação infraconstitucional.
O Decreto Federal nº 6.170/07, que regulamenta, dentre outras coisas, os convênios celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal define, em seu artigo 1º, § 1º, inciso I, o convênio como sendo o “acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros (...) visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação”.
O professor Marçal Justen Filho, em sua obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, define convênio como sendo “um acordo de vontades, em que pelo menos uma das partes integra a Administração Pública, por meio do qual são conjugados esforços e(ou) recursos, visando disciplinar a atuação harmônica e sem intuito lucrativo das partes, para o desempenho de competências administrativas.”
Já a lei 8.666/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências, considera para seus fins como sendo contratotodo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
Portanto, temos que convênio é um acordo, mas difere de contrato, já que neste as partes têm interesses diversos e opostos, sendo claro o objetivo de lucro e naquele os convenentes têm, necessariamente, interesses comuns e coincidentes. Ou seja, quando se celebra um contrato existem sempre duas partes em lados opostos: uma anseia o objeto do ajuste e a outra espera a contraprestação correspondente. Já nos casos de celebração de convênio, não há partes, mas tão somente partícipes com idênticas pretensões.
No caso em apreço, é difícil caracterizarmos, como quis fazer parecer a Administração Municipal, que a Seturde e a Fundação Oásis estejam de um mesmo lado, que tenham as mesmas pretensões. É evidente que ambas não pretendiam o “fortalecimento do fluxo turístico” em Natal, até pelo fato de que não consta nos objetivos da fundação esse tipo de atividade.
Independentemente do que tenha sido colocado no papel, o que de fato ocorreu foi uma subvenção do Município do Natal à realização de um show. Logo, temos duas partes nessa relação jurídica: de um lado está a Seturde que contratou a apresentação da banda Diante do Trono (ao arrepio de vivermos em um Estado laico, como já afirmamos) e de outro está a Fundação Oásis, que se obrigou à realização do show, mediante recebimento da contraprestação financeira (lucro).
Ao classificar o que de fato é um contrato administrativo como sendo um convênio, o que pretendeu o Município do Natal foi esquivar-se do dever de licitar ou enquadrar tal contratação em uma das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, previstas na Lei de Licitações e Contratos (8.666/93) e, assim, submeter-se às suas formalidades.
Assim, concluímos que a celebração do suposto convênio é inconstitucional, por ir de encontro à laicidade do Estado Brasileiro e é ilegal por atentar contra a Lei de Licitações e Contratos, devendo, portanto, ser apurada a responsabilidade dos gestores.

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