O risco do cristianismo

Por favor, não confundam o movimento de Jesus com o cristinianismo.
Não pretendo discutir aqui as questões de fundo histórico que justificam tal fato.  Mas me chamou atenção a reação de alguns atores da direita local a partir da constatação de que o ato cometido na Noruega foi feito em nome da cristandade.  Esses atores, em blogs, artigos, redes sociais, começaram a ironizar, como se houvesse uma campanha orquestrada pela esquerda para demonizar e perseguir os cristãos.  Aí, nesse contexto, alguém falou que os esquerdistas consideram Jesus um perigo.
O perigo maior é o cristianismo.  Ao longo dos séculos, o cristianismo calou a voz dos discordantes, matou em nome da fé, nesse nome promoveu guerra, fez destruições, fogueiras, consumiu livros, culpou povos, afirmou a não-humanidade de raças, serviu ao poder, às estruturas ideológicas de manutenção do mundo social, cumpriu o papel de mantenedor do status quo.
Temo o cristianismo porque ele matou na Noruega e tem matado muito no Brasil - quando afirma o seu discurso à direita com força, que prega a intolerância, o desamor, a afirmação da verdade em detrimento da amizada.  Temo o cristianismo porque me parece, cada vez mais, que ele tem sido um instrumento do mal e dor.  O cristianismo representa um risco.
Jesus não é um risco ao que crê.  Ele deixou muito claro que andava às margens - especialmente do status quo e dos sistemas religiosos.  Jesus é um risco às estruturas ideológicas, às fontes de poder, à manutenção do status quo, às crenças transformadas em verdade absoluta.  O sábado existe por causa do homem, a misericórdia triunfa sobre o juízo, não restara pedra sobre pedra, raça de víboras, cambada de raposas.
O movimento de Jesus não se confunde com o cristianismo, mesmo que viva imerso nele e com ele compartilhe diversos elementos, sobretudo os simbólicos e os discursivos.  Jesus era judeu - que teologicamente se associava profundamente com a doutrina dos fariseus.  Mas Jesus não se aliou ao judaísmo nem ao farisaísmo - entre outras coisas, porque contribuíam para manter as prisões geradas em discursos e ações religiosas vinculadas ao poder em Jerusalém e em Roma.
Jesus funda um movimento que finda se convertendo em uma religião e uma cultura.  Diante da cultura da cristandade, Jesus representa um risco.  Ele andava com aqueles que o sistema rejeitava porque os doentes precisam de médico - e os doentes sabem que nada podem senão depender de seu médico.  Ele rejeitava o sistema - e fez isso de modo simbólico ao rejeitar ser transformado em rei, conforme relata João, ou quando expulsa os vendilhões de dentro do templo.
Não consigo ver Jesus andando nos templos frequentados por alguns dos pastores de pensamento desumano e direitista deste país.  Não consigo ver Jesus diante de um trono da teologia da prosperidade, que explora e mata viúvas.  Não consigo crer num Jesus que a coaduna com as relações de poder fortalecidas no seio do cristianismo.  Não consigo vê-lo ao lado de gente que pensa como Anders Behring Breivik.  Ele é um risco para essas pessoas, porque as desafia constantemente a ver o exemplo das prostitutas, publicanos, pecadores - homossexuais, drogados, por exemplo - , que os antecederão no Reino dos Céus.  
Estar na cristandade e afirmar conhecer a Jesus não é garantia de um futuro seguro, sem os desafios que Ele impõe.  Se estamos na religião, que se submete à situação de um simples aparelho ideológico do estado, Jesus é um risco real.  À vida, ao futuro, ao presente.  Jesus não é um risco ao que crê e converte o coração à Sua luta, mas será sempre um desafio à religião como instituição.

Comentários

Lênin Tierra disse…
Obrigado pela leitura do texto!!E um dos melhores que ja li.Com uma coerencia fantastica!!!PARABENS!PARABENS!...
Coerente e realista. Interessante o histórico do cristianismo que você apresentou.
Parabéns pelo texto.