@s_vilar: Artes e Traquinagens com a cultura

A despeito dos apoios dados ao Ministério de Louvor Diante do Trono, Sérgio Vilar destaca como o poder público, acostumado a não liberar sequer cachês, está tratando a cultura potiguar:

Ironia: o grupo se chama Artes e Traquinagens. Mas quem aprontou das suas foi a Fundação José Augusto. Uma das companhias de teatro de rua mais atuantes da cidade, contemplada com o título de Ponto de Cultura, está parada. O motivo: atraso de um ano no pagamento de mais de R$ 30 mil do Governo do Estado. A maior parte do dinheiro é referente ao Agosto de Teatro, realizado em 2010. Outros 23 grupos e artistas também esperam receber seus cachês, além de empresas que prestaram serviço e juntas somam uma dívida de R$ 220 mil.

Sem dinheiro para quitar débitos de aluguel e manutenção da sede do Artes e Traquinagens, no Alecrim, o ator João Pinheiro tem vendido títulos de capitalização diariamente no calçadão da João Pessoa, na Cidade Alta. Foi a maneira encontrada para o Ponto de Cultura Mãos nas Artes – administrado pelo grupo – não cair no limbo. E junto com ele, oficinas de figurinos e adereços, malabares, palhaço, teatro de bonecos e de rua. Tudo oferecido de graça à comunidade. “São dez anos de estrada. Queremos manter o grupo sem cobrar pelas oficinas”.

As dificuldades começaram quando o Artes e Traquinagens e outros artistas precisaram sair do República das Artes, há quase dois anos. O prédio foi reformado para abrigar a nova unidade do IFRN. O Governo do Estado e o IFRN se comprometeram em doar um galpão localizado na Ribeira para receber os artistas sobreviventes ao fim da velha sede de tantas artes. Mas o prazo para regularizar a doação demorou e o local foi tomado pela CBTU. O grupo se viu sem teto e resolveu alugar o atual ponto no Alecrim.

No primeiro ano de nova sede, o Artes e Traquinagens funcionou de forma sustentável: contratos firmados, shows agendados em projetos do governo e verba do Ponto de Cultura liberada: os sonhados R$ 60 mil da primeira parcela. Um sonho que virou pesadelo. O grupo recebeu o montante revertido em equipamentos (som, máquinas de costura, tablado…), conforme previsto no regulamento. Mas precisaram pagar em dinheiro mais de 30% de impostos imprevistos no orçamento enviado ao Ministério da Cultura.

As atividades até então dinâmicas começaram a reduzir o ritmo. E vieram as contratações sem pegamento. Apenas do Agosto de Teatro são R$ 2,5 mil. Mais quatro apresentações em eventos somam R$ 4,5 mil. E somados ao Prêmio de Circulação de Espetáculos Chico Vila e o Edital Lula Medeiros de Teatro de Rua, com R$ 23 mil, a dívida se aproxima dos R$ 30 mil, afora o boneco gigante da dengue, confeccionado a pedido da prefeitura, também sem o pagamento de R$ 1,3 mil. “Para levarmos nosso espetáculo há um custo. E só gastar sem receber, não dá”.

Para sanar dívidas de manutenção da sede e das apresentações, João Pinheiro, já garoto propaganda da Natal Cap com o personagem Zé da Sorte, agora também vende os títulos na rua. Se o grupo atrasar mais aluguéis e perder a sede no Alecrim, perderão por tabela o título de Ponto de Cultura – que exige uma sede para o envio dos equipamentos e as outras duas parcelas no valor de R$ 120 mil em equipamentos.

A gosto de Deus
A secretária extraordinária de Cultura, Isaura Rosado, prometeu pagar ou anunciar a data de pagamento da dívida de R$ 220 mil, referente ao Agosto de Teatro, em 4 de setembro. Desse montante, R$ 60 mil são de cachês (prêmios) aos artistas e grupos, e R$ 160 mil destinados à infraestrutura do evento, montada pela empresa KMJ Produções e Eventos, vencedora da licitação. A empresa em questão, pertence a João Pinheiro, o “Zé da Sorte”. Em dívida com fornecedores que prestaram serviços sob a promessa da liberação do dinheiro, a empresa está impossibilitada de emitir notas fiscais desde então.

Segundo João Pinheiro, o evento foi realizado enquanto o processo de empenho da verba era realizado. Finalizado o evento, a verba estava empenhada, mas o dinheiro não foi liberado. “Saímos da Controladoria no dia limite, em 30 de dezembro, e nos certificamos que o dinheiro estava liquidado. Saímos relativamente tranquilos porque cairia no ‘restos a pagar’ e o governo que assumisse pagaria a dívida”, disse a coordenadora do Agosto de Teatro, Ivonete Albano. Mas em fevereiro o processo foi cancelado.

“Cancelaram um evento que aconteceu. Nunca vi isso”, lamentou João Pinheiro, endividado com empresas de turismo responsáveis pelas passagens dos grupos de fora; gráficas que confeccionaram camisetas; fotógrafos; empresas de audiovisual, etc. Apesar da dívida contraída na gestão passada, a atual administração lançou o projeto Agosto da Alegria, num total aproximado de R$ 600 mil investidos em mais de 30 dias de programação cultural.

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