#EjectJobim: Dilma Rousseff não suporta a última afronta

Por Leandro Fortes, na Carta Capital:

Foi, por fim, irônico. Ao desfazer uma situação nonsense em seu governo, definida de forma precisa por um experiente jornalista de Brasília (“O Brasil deve ser o único país do mundo que tem um ministro de oposição”), Dilma Rousseff usou uma só e certeira estocada contra as frenéticas canivetadas do subordinado. No lugar de Nelson Jobim na Defesa entra Celso Amorim, chanceler no governo Lula, colunista de Carta Capital e um dos principais alvos das futricas do antecessor. Conforme revelou documento da diplomacia dos Estados Unidos vazados pelo Wikileaks, Jobim reunia-se com representantes da embaixada norte-americana no Brasil para falar mal da política externa conduzida pelo então colega de governo. O hábito da fofoca, como se vê, nunca abandonou o ministro recém-exonerado, vide a entrevista à revista Piauí, que selou sua demissão na quinta-feira 4.Dilma estava disposta a manter Jobim no cargo, ao menos até 2012. Mas mudou de ideia no briefing matinal de rotina, no quarto andar do Palácio do Planalto, na quinta 4. Bem-disposta, sentou-se à mesa para discutir assuntos do dia com seus assessores mais diretos, os ministros Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral, Helena Chagas, da Comunicação, Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, e o seu chefe de gabinete Giles Azevedo. Lá pelas tantas, recebeu a notícia de Helena Chagas: Jobim aprontara mais uma, dessa vez em uma entrevista à Piauí. Detalhes da entrevista haviam sido antecipados pela colunista Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo: o então titular da Defesa classificara a colega Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, de “fraquinha” e teria dito que Gleisi “sequer conhecia Brasília”, em alusão à falta de experiência parlamentar da chefe da Casa Civil.


“Vou demiti-lo”, limitou-se a dizer a presidenta, ruborizada de raiva. Em seguida mandou sua secretária localizar Jobim em Tabatinga (AM), fronteira com a Colômbia, onde o ministro assinava atos de cooperação mútua. A primeira conversa foi rápida e seca. Dilma pediu que o subordinado voltasse imediatamente a Brasília e comunicou o envio de um avião da Força Aérea para buscá-lo. Em missão oficial ao lado do vice-presidente Michel Temer, e do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, Jobim tentou um último ato para se preservar. Convocou uma rápida coletiva de imprensa para dizer que não havia dito o que a Piauí disse que ele disse: “As frases foram retiradas de contexto”. Saiu sem dizer mais nada, ciente de que, desta feita, as provocações não ficariam baratas.


O ministro chegou ao Palácio do Planalto por volta das 8 da noite. A conversa com a presidenta não durou três minutos. Não houve briga ou discussão, muito menos sermão de Dilma. Ao entrar no gabinete da chefe, Jobim carregava sua carta de demissão, prontamente aceita. Agradeceu pela confiança, levantou-se e foi embora. Mal o demitido deixou a sala, Dilma ligou para o ex-chanceler Celso Amorim e o convidou para o cargo. Colunista de Carta Capital desde o início do ano, Amorim aceitou o convite de pronto. E assim se consolida uma nomeação há muito desejada pela presidenta. Não fosse a insistência de Lula, Dilma teria preferido convidar o ex-ministro das Relações Exteriores a manter Jobim na Defesa. Será o segundo diplomata a ocupar o cargo. José Viegas Filho foi titular da pasta no primeiro mandato de Lula.


Enquanto esperava o retorno de Jobim da Amazônia, a presidenta fez diversas reuniões em separado com assessores próximos para decidir a transição. Mas o que mais a exasperava era o arrependimento. Dilma cogitou demitir o ministro no fim de julho, após ele ter declarado que votara no tucano José Serra, de quem é amigo pessoal, nas eleições do ano passado. Embora não fosse segredo a roupagem tucana do auxiliar, a exposição pública do voto, em um momento no qual o governo enfrenta vários problemas na sua base de apoio, constrangeu Dilma profundamente. Além de ter atiçado, na mídia e nas redes sociais, a turma que ainda não curou as feridas da derrota eleitoral de 2010.


Ainda assim. não foram poucos a clamar pela permanência do ministro, entre eles Lula e o ex-ministros das Comunicações Franklin Martins. Foi o jornalista Martins quem, em 2007, convenceu Jobim a aceitar o convite para assumir a Defesa, em pleno “caos aéreo”. Espertamente, Jobim foi, em seguida à crise desencadeada pela declaração de voto em Serra, participar do programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, comandada pelos tucanos. Para quem parecia ter optado por uma estratégia camicase, o ministro pareceu recuar. Cercada por uma bancada ávida por ouvi-lo afrontar o governo, preferiu elogiar a chefe e se declarar satisfeito na função. “Quero continuar”, afirmou, entre tantas outras.


Após os pedidos dos amigos e da entrevistas ao Roda Viva, Dilma reconsiderou a demissão, até porque a Defesa continua a ser um abacaxi difícil de descascar. Desde janeiro, ela colocou no ministério, como “assessor especial” da pasta, o ex-deputado José Genoino, do PT (na Piauí, Jobim tentou fazer uma intriga: jactou-se de ter nomeado Genoino, apesar das dúvidas da presidenta). Sabe-se, no entanto, e Carta Capital já relatou, que o petista só não assumiu o ministério por ser réu no processo do chamado mensalão que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal e que só deve ser julgado em 2012. Apesar de ser ex-guerrilheiro, Genoino tem bom trânsito nas Forças Armadas.


Ninguém no governo sabe precisar ao certo quando Jobim decidiu sair do ministério ou o motivo de ele ter escolhido a estratégia de falar mal do governo em doses homeopáticas e contínuas na mídia. Há quem aponte machismo, pois a administração de Dilma não difere nas linhas gerais daquela de Lula, líder em relação ao qual o ex-ministro só diz mesuras, embora os elogios à sua verdadeira paixão, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sejam insuperáveis, e até comoventes em sua amplitude.


Há quem diga que enxergou um esvaziamento do seu poder e não se conformou. A presença de Genoino na Defesa e a redução gradativa de sua influência em assuntos sensíveis, como a criação da Comissão da Verdade para investigar os crimes da ditadura, o teriam deixado amuado. Próximo a Lula, passou a ter uma relação distante com Dilma. De qualquer forma, nos últimos dois meses, Jobim passou do ressentimento ao deboche. Ao que tudo indica, para ser demitido e se credenciar a líder da oposição depois de “martirizado” no governo do PT. Jobim sempre sonhou ser candidato a presidente da República ou, no mínimo, a vice.


No PMDB, Jobim não deverá ter, porém, vida fácil. Embora seja do partido, nem foi mantido na Defesa na cota da sigla nem conta com a simpatia de Temer, que chegou a ser cotado para substitui-lo. Toda a força do ministro vinha de Lula, que, antes as atuais circunstâncias, não teve mais como insistir por sua permanência. Na transição de governo, Lula disse a Dilma que ela não deveria abrir mão de Jobim, em nome da estabilidade. Deu como motivo principal não o “caos aéreo”, mas um fato de julho de 2007, o malfadado Movimento Cansei, lançado pela elite paulistana contra o governo, no embalo da confusão nos aeroportos e do acidente com o avião da TAM. Lula considera que a presença de Jobim no governo, além da sua ação no ministério, ajudou a aplacar a crise, muito por causa da sua ligação com o PSDB e, por tabela, com a elite “cansada”. Seria uma forma de não deixar a direita muito isolada, de forma a não torná-la um inimigo extremado e perigoso.


De acordo com um dos assessores de Dilma, justamente por ter vindo do STF, Jobim conseguiu dar uma estrutura civil à Defesa, que até 2007 era considerada um “não ministério”. Além disso, nem Lula nem Dilma tinham pretensões de trocar com frequência o titular da pasta, por conta da complexidade da área militar.


O mais provável é que Jobim volte aos braços de seu mentor, FHC, e se aninhe no PSDB. Foi, aliás, na festa dos 80 anos do ex-presidente que Jobim começou a dar declarações públicas som o objetivo de constranger o governo. Na ocasião, ele aproveitou a festa para atribuir sua carreira ao amigo: “S estou aqui, foi por tua casa”. O que levou muita gente a se perguntar se teriam sido os tucanos a indicá-lo para um governo petista.


Naquele momento, o estranhamento tomou conta do Palácio do Planalto, sobretudo porque, em meio à festa, Jobim fez comparações pouco sutis entre FHC e Dilma. “Nunca o presidente (Fernando Henrique) levantou a voz para ninguém”, afirmou. E insinuou que os governos Lula e Dilma teriam demolido o que ele chamou de “processo político de tolerância, compreensão e criação”. E arrematou com uma citação de Nelson Rodrigues. “Ele dizia que, no seu tempo, os idiotas chegavam devagar e ficavam quietos. O que se percebe hoje, Fernando, é que os idiotas perderam a modéstia.” Mais tarde, enrolado na própria língua, tentou convencer Dilma de que se referia a jornalistas. Passou, mas não colou.


O fel destilado durante a festa de FHC foi motivado, sobretudo, por ele ter sido obrigado pela presidenta a voltar atrás e apoiar o projeto de criação da Comissão da Verdade. Em 2009, Jobim chegou a anunciar que iria se demitir, em companhia de comandantes militares, caso o texto da terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos não fosse modificado. Para evitar a crise, Lula retirou do documento o termo “repressão política” para se referir à atuação dos quartéis na tortura, assassinato e desaparecimento forçado de presos políticos.


O motim contra o PNDH-3 no fim do governo Lula foi, contudo o canto do cisne de Jobim, ministro civil que nunca dispensou o uso de uniformes militares. Já sob a administração Dilma, foi obrigado a engolir a nomeação de Genoino e perdeu quase todas as atribuições de relevância da pasta, inclusive o controle sobre as operações militares. No caso da Comissão da Verdade, acabou informalmente subordinado à ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, com quem tinha claras divergências de métodos e ideias.


O estilo Jobim pode até ter ficado mais nítido nas últimas semanas, mas não é novo. Ao tomar posse na Defesa, em substituição a Waldir Pires, fez questão de ser indelicado com o antecessor. “Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe. Aja ou saia. Faça ou vá embora”, discursou. Pires havia enquadrado os militares ao proibir que se referissem à ditadura como “revolução”. Em consequência, passou a ser hostilizado e não resistiu aos problemas nos aeroportos, o caos aéreo, no verão de 2007.


Em setembro de 2008, Jobim iria se aliar ao ministro Gilmar Mendes, então presidente do STF, para enrolar Lula e provocar o afastamento de delegado Paulo Lacerda da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O ministro acusou Lacerda de ter comprado, sorrateiramente, equipamentos de escuta telefônica que seriam usados nas escutas não autorizadas. Diante de Lula e de outros seis ministros, brandiu uma lista de compras da Abin, feita em conjunto com o Exército, como prova da participação da agência em um suposto grampo feito nos telefones de Mendes e do senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Restou provado mais tarde que os equipamentos comprados pela Abin não podiam fazer grampos. O fuzuê serviu, porém, ao seu propósito: desmoralizar a Operação Satiagraha. Neste ano, o Superior Tribunal de Justiça invalidou a ação policial com base na tese de que houve a participação ilegal de funcionários da agência.


*Colaboraram Sergio Lírio e Soraya Aggege.

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