Militares, insubordinação e ideologia

Com todo o respeito que porventura eu precise ter aos militares, gostaria de entender o sentido de algumas coisas que eles falam.  Ou seus porta-vozes informais.
Diz Josias de Sousa que o general Augusto Heleno mandou um recado ao seu novo chefe, Celso Amorim:  Lembro ao [novo] ministro que as Forças Armadas são instituições de Estado, apolíticas e apartidárias… Comprometimento ideológico tem repercussão altamente negativa no meio militar.
É de deixar boquiaberto a incapacidade crítica de Josias de Sousa diante da leviandade do que disse o general: nenhuma crítica, nenhuma análise.  Parece que tem sentido um general soltar uma frase assim, especialmente esse general.

Quem quer fazer crer que as Forças Armadas são apolíticas, apartidárias e sem comprometimento ideológico tem, em primeiro lugar, um sério problema com a história.  É evidente que quando Augusto Heleno fala em comprometimento ideológico ele fala de esquerda - afinal é típico do pensamento eivado de ideologia não se compreender dessa forma.  Porque se compreendesse, não poderia jamais emitir uma frase assim - digo, com o mínimo de honestidade intelectual.   Em que pese que quem manda recados cifrados à superiores como fez Heleno não tenha realmente nenhuma pretensão de ter honestidade intelectual.  Quero dizer: é de duvidar que um homem bem formado nas Forças Armadas e sua ideologia não seja capaz de saber que fala de um lugar ideológico.  O recado aos superiores é claro: não toleramos a esquerda.  
Há uma desonestidade intelectual aí presente também no trabalho do repórter que contribui no reforço à posição de Heleno: ele não avaliou, criticou, comparou - fez crer que realmente é assim: nossos militares são apolíticos, não-ideológicos e tudo o mais.
Sem precisar ainda sair do âmbito da história recente, o próprio Heleno é prova que desmente o que diz.  Será que alguém, fora Heleno e Josias, acredita que expressar crítica à política de governo sobre a Amazônia como lamentável para não dizer caótica é emitir uma opinião não-ideológica?  Será que alguém acredita que o Clube Militar do Rio de Janeiro, fora seus membros, não vê suas manifestações e ações como alinhadas a uma direita reacionária que tem saudades da ditadura?  Será que não é claro que as manifestações de Heleno e seus colegas de Clube se ligam à oposição no discurso de Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi - e de representantes da diplomacia de guerra da direita de outros tempos?
E se saíssemos da história recente, veríamos em quantos momentos os militares apolíticos e sem comprometimentos ideológicos intervieram - desde o golpe de Deodoro da Fonseca até o de 1964 e a sangrenta ditadura sob a qual vivemos 21 anos.  
Talvez Josias não seja capaz de avaliar a fala dos militares - que inclusive no que representa de insubordinação à presidenta e ao seu ministro da defesa - porque o jornal a que serve, a Folha, apoiador de primeira hora da ditadura, teve a ousadia de classificá-la de ditabranda em editorial.  Maior alinhamento ideológico com os militares impossível.

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