Um desabafo nas trevas

Era 4 de abril de 2004.  Eu editava o Jornal União, veículo evangélico que circulava semanalmente nos sábados, encartado no Diário de Natal.


Esse texto é de 2004 e não me lembrava dele.  Mas vários elementos dele se repetiram em minhas falas e textos recentes.  Publiquei este editorial porque não havia conseguido, por oposição de algumas lideranças evangélicas e dificuldade dos nossos repórteres, fazer uma pauta em referência aos 40 anos do Golpe Militar, que fazia aniversário naquela semana.


Este texto é muito pessoal. É um desabafo. Tentei, como editor do Jornal União, de toda forma, fazer uma pauta que cobrisse os 40 anos do Golpe de 64, acontecidos esta semana. Trinta e um de março ou primeiro de abril? Isso não importava. De todo jeito, não foi possível. Queria tornar conhecida à minha geração a brutalidade daquela ação militar. Queria rememorar aos que viveram tudo que naquele tempo ocorreu. Inquietei-me para que isso se concretizasse. Não foi possível e agora acredito que Deus possa ter construído a oportunidade de que minha refência ao Golpe saísse do fundo da alma.

Perguntei-me, quase como um eco, o porquê disso ser tão importante e precioso para mim. Ano passado pautamos o AI-5. E eu queria relembrar o período de vitória das trevas sobre esta nação. E não entendia porque isso é tão forte em mim: o desejo de que o Brasil não esqueça a crueza de seu passado. E me lembrei que essa história corre no meu sangue. Sou filho da clandestinidade, do amor pela Revolução de um homem de lutas que sofreu por seu amor nos porões do DOI-CODI.

O DOI-CODI é elemento fundador na minha vida. A minha genética se inicia ali. Rubens Lemos era o meu pai. Não oficial, como não oficial foi grande parte de sua vida e sua luta nos anos de trevas. Mas ele estava presente em cada ponto da minha caminhada, muito mais como um mito, um ídolo, um formador de minha intelectualidade, do que simplesmente como meu pai. Eu sei que o seu amor pela Revolução e as marcas da tortura na sua alma geraram a maneira pela qual o DNA do homem de lutas entrou em minha composição.

Esse é um texto pessoal. Um desabafo para recordar os 40 anos de uma história inglória. Financiada pelos interesses dos EUA a fim de calar e subverter a sociedade desse país, o povo e suas lutas e gerar uma situação da qual ainda hoje temos resquícios.

Esse é um desabafo para homenagear os heróis da resistência e os mártires da luta pela liberdade. E para que essa geração atual não se deixe jamais surpreender por qualquer golpe que lhe roube a luz do sol.

Esse é um desabafo para homenagear aquele que foi vencido em suas lutas há quase cinco anos. Mas que viveu a plenitude dos seus sonhos. Alguém a quem a Igreja não teve muito tempo em suas fileiras, mas que se tranquilizava, apesar do comunismo ateu, ao som de “Com Tua mão segura bem,/ pois eu tão frágil sou, ó Salvador, / que não me atrevo a dar jamais um passo/ sem Teu amparo, meu Jesus, Senhor!” Alguém que me formou, à distância e talvez sem saber, como jornalista e sonhador. Uma homenagema uma das inúmeras vítimas do Regime que começou há 40 anos e durou duas décadas: Rubens Lemos, meu pai.




Jornal União, encartado no Diário de Natal de 3 de abril de 2004.

Comentários