Yuka: O pensamento conservador e cruel saiu do armário

Um dos melhores programas da tevê brasileira certamente é o Espelho, de Lázaro Ramos.  Debates interessantes, quase sempre sobre questões sociais.  A questão racial é ponto central.

Ontem vi, gravadas que estavam na Sky HDTV, as duas partes da entrevista de Lázaro com Marcelo Yuka.  Há dez anos, Yuka ficou paraplégico após ser baleado na coluna.  Um dos fundadores do Rappa, seu baterista e compositor, deu ao país letras de grande percepção social e política - como Minha Alma (A paz que eu não quero), Tribunal de Rua ou O que sobrou do céu.  

Yuka, que disse na entrevista ter começado a superar a depressão advinda da violência sofrida e conseqüente paralisia apenas há quatro anos, lidera a banda F.U.R.T.O. (Frente Urbana de Trabalhos Organizados) e a ONG B.O.C.A (Brigada Organizada de Cultura Ativista).  Ele diz gostar de trabalhar em lugares em que ninguém trabalha - como as carceragens das delegacias, onde os presos ainda têm menos direitos garantidos que nos presídios.
Na entrevista, que me emocionou, Marcelo diz coisas impactantes - ainda mais sabendo-se o que aconteceu a ele:  Eu não acredito que as coisas vão mudar com as armas, disse Yuka. Não quero acreditar que isso [a UPP] possa chamar de paz.  Eu não acredito em paz armada, diz

Em seguida ele lembrou que o custo de vida e da moradia nos morros do Rio, mesmo os não pacificados, está subindo.  As UPPs estão sendo ótimas para o mercado imobiliário.  As pessoas estão assentadas em sua maneira de viver, seu estilo de vida.  Isso tem que ter peso.  E é muito mais que algumas lajes virarem espaços sociais, disse.  Sua preocupação social com essas comunidades deriva de uma constatação pessoal:  Por mais que eu nunca tenha sido favelado, aquilo ali se parece mais comigo que uma cobertura em Ipanema.

Para ele, um grande problema, que justifica UPPs e tomadas espetaculares de morros, como o Alemão, além de outras violências que vemos no dia-a-dia, se dá porque nos últimos cinco anos, o pensamento conservador e cruel de como lidar com a violência saiu do armário.  Manifestações até artísticas contribuíram.  Ajudou a fazer as pessoas poderem dizer: Por que não matou?  [se referindo àqueles que criticaram a polícia por não fuzilarem os traficantes que fugiam da Vila Cruzeiro para o Alemão, mostrados ao vivo pela tevê].

Para ele, confunde-se vingança com  justiça.  Um país justo não é um país que se vinga.  Isso é tremendamento perigoso.

Yuka continua: Dá medo porque esse tipo de pensamento pouco teve enfrentamento por parte do acadêmicos, professores.  Parece que o sucesso das UPPs tem uma aura que não lhe permite ser discutido, questionado.  Acho isso muito perigoso.

Ele é um alvo da violência.  Não fala sem conhecimento de causa.  Não pode ser acusado de militar na causa de direitos humanos porque não sabe o que é ser vítima de violência.  O cara que ficou paraplégico por tomar um tiro diz: Se eu pudesse matar ou lesionar quem fez isso comigo [deixado paraplégico] não alcançaria justiça.  A barbárie parece ter lógica.  Não para mim.

Depois Yuka falou sobre cultura, morro, periferia e negritude:  A cultura negra é uma cultura do convite.  Você é convidado sempre a entrar na roda, não ficar somente olhando.  Gentileza que atenua o preconceito presente em nosso povo.  Essa gentileza aqui convive com o massacre econômico.  

Há uma lógica econômica no preconceito e no racismo: Você diminui aquele para quem vai pagar menos pela mão de obra. É por isso, destacou Yuka, que um índio favelado no Rio pôde dizer que é insistente, porque nesse lugar quem chegou primeiro fui eu.  Não há lugar em que não possa ir.

Há uma denúncia e um alerta nas palavras de Marcelo Yuka.  Sua conclusão do medo do conservadorismo é que ninguém fala - ou se fala, não tem espaço - as percepções dos riscos do pensamento conservador que coloca em risco o desenvolvimento de nossa civilização.

Faltou luz mas era dia, o sol invadiu a sala
Fez da TV um espelho refletindo o que a gente esquecia

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