Da Folha de São Paulo
e da Folha.com
Livre há quase três meses, Cesare Battisti, o italiano cujo asilo político no Brasil criou um estremecimento diplomático com a Itália e galvanizou a opinião pública dos dois países, vive como se fosse um clandestino.
Não que o ex-integrante do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos ocorridos nos anos 1970 na Itália, tenha problema com a lei brasileira -já tirou até RG e CPF.
Mas, temendo ser alvo de grupos paramilitares de direita, preocupado com o assédio da imprensa e "machucado", como diz, por quatro anos e dois meses de confinamento e exposição pública, ele resolveu se isolar em Cananeia, pequena cidade do litoral sul de São Paulo.
Há dois meses mora sozinho num sobrado simples, cedido por um apoiador brasileiro, onde dorme num beliche velho em um quarto do tamanho de sua antiga cela.
Apresentou-se a quem conheceu como "César", um escritor mexicano que buscava refúgio para terminar um livro, e fez amigos entre os pescadores e em bares. Nada falou de sua história real.
No cotidiano tedioso de uma cidade praiana no inverno, Battisti não perdeu o hábito de ex-fugitivo de sentir-se monitorado.
Reconhece em rostos na rua as mesmas pessoas que participaram de protestos contra seu asilo. "Você acha que me deixariam assim, sem saber o que estou fazendo? Mas o perigo maior virá quando o caso esfriar", diz.
Entre pescarias, cervejas em botecos e suspeitas persecutórias, Battisti tenta sair da pele de um personagem público no qual afirma não se reconhecer.
"As pessoas me falam: "Cesare, e a revolução?" Que revolução? Isso hoje é uma piada. Eu tinha 16 anos quando entrei no ativismo, não sou mais essa pessoa. Se eu continuasse um revolucionário hoje, seria um idiota", afirma, aos 56 anos.
O italiano diz ter sido usado como bode expiatório de todo um período histórico turbulento na Itália. Colegas de PAC também receberam asilo, sem nenhuma repercussão, argumenta.
Assume ter participado de assaltos e brigas pela causa, mas não ter matado.
"Era quase uma guerra civil. Se tivessem me mandado, eu teria matado. Mas felizmente isso nunca aconteceu, eu nunca acreditei que essa fosse uma saída."
Ainda assim, é esse "personagem do passado" a origem de parte do apoio e de quase todo o seu dinheiro.
O celular não para de tocar: são pedidos para que conte sua história em entrevistas e eventos.
O que Battisti gasta (entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por mês, basicamente para comer e colocar créditos no celular pré-pago) vem do fundo de doações gerido por um apoiador na França, onde se exilou antes do Brasil.
Battisti, dono de oito camisas, três calças e dois pares de sapato, se aflige com o que fará para sobreviver, uma vez que sua liberdade também é o fim da causa que mobilizava as doações.
Pensa em levar a literatura para comunidades carentes.
E quer voltar a escrever -no cárcere terminou seu 18º romance. A pouca exposição na mídia que aceitou desde que saiu da prisão faz parte da estratégia para alavancar a vendagem de seus livros.
Mesmo que nenhuma publicação tenha dito aonde mora, a informação corre nas redes sociais e em jornais locais. Antes, os moradores "sabiam, mas fingiam não saber". Agora, eles começam a interpelá-lo na rua.
Nesses reconhecimentos, conforme a Folha observou ao acompanhá-lo por dois dias, os moradores são amigáveis e o tratam mais como uma celebridade do que como um exilado político.
Numa noite da semana passada, um rapaz de 19 anos, que se disse um membro arrependido do PCC (Primeiro Comando da Capital) recomeçando sua vida, o viu num restaurante, depois de ler um post no Facebook sobre sua presença na cidade.
"Achava que era lenda. Mas tudo bem, eu errei, todo mundo erra", disse o rapaz a ele. "Erro, que erro?", respondeu Battisti.
e da Folha.com
Livre há quase três meses, Cesare Battisti, o italiano cujo asilo político no Brasil criou um estremecimento diplomático com a Itália e galvanizou a opinião pública dos dois países, vive como se fosse um clandestino.
Não que o ex-integrante do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), condenado à prisão perpétua por quatro assassinatos ocorridos nos anos 1970 na Itália, tenha problema com a lei brasileira -já tirou até RG e CPF.
Mas, temendo ser alvo de grupos paramilitares de direita, preocupado com o assédio da imprensa e "machucado", como diz, por quatro anos e dois meses de confinamento e exposição pública, ele resolveu se isolar em Cananeia, pequena cidade do litoral sul de São Paulo.
Há dois meses mora sozinho num sobrado simples, cedido por um apoiador brasileiro, onde dorme num beliche velho em um quarto do tamanho de sua antiga cela.
Apresentou-se a quem conheceu como "César", um escritor mexicano que buscava refúgio para terminar um livro, e fez amigos entre os pescadores e em bares. Nada falou de sua história real.
No cotidiano tedioso de uma cidade praiana no inverno, Battisti não perdeu o hábito de ex-fugitivo de sentir-se monitorado.
Reconhece em rostos na rua as mesmas pessoas que participaram de protestos contra seu asilo. "Você acha que me deixariam assim, sem saber o que estou fazendo? Mas o perigo maior virá quando o caso esfriar", diz.
Entre pescarias, cervejas em botecos e suspeitas persecutórias, Battisti tenta sair da pele de um personagem público no qual afirma não se reconhecer.
"As pessoas me falam: "Cesare, e a revolução?" Que revolução? Isso hoje é uma piada. Eu tinha 16 anos quando entrei no ativismo, não sou mais essa pessoa. Se eu continuasse um revolucionário hoje, seria um idiota", afirma, aos 56 anos.
O italiano diz ter sido usado como bode expiatório de todo um período histórico turbulento na Itália. Colegas de PAC também receberam asilo, sem nenhuma repercussão, argumenta.
Assume ter participado de assaltos e brigas pela causa, mas não ter matado.
"Era quase uma guerra civil. Se tivessem me mandado, eu teria matado. Mas felizmente isso nunca aconteceu, eu nunca acreditei que essa fosse uma saída."
Ainda assim, é esse "personagem do passado" a origem de parte do apoio e de quase todo o seu dinheiro.
O celular não para de tocar: são pedidos para que conte sua história em entrevistas e eventos.
O que Battisti gasta (entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por mês, basicamente para comer e colocar créditos no celular pré-pago) vem do fundo de doações gerido por um apoiador na França, onde se exilou antes do Brasil.
Battisti, dono de oito camisas, três calças e dois pares de sapato, se aflige com o que fará para sobreviver, uma vez que sua liberdade também é o fim da causa que mobilizava as doações.
Pensa em levar a literatura para comunidades carentes.
E quer voltar a escrever -no cárcere terminou seu 18º romance. A pouca exposição na mídia que aceitou desde que saiu da prisão faz parte da estratégia para alavancar a vendagem de seus livros.
Mesmo que nenhuma publicação tenha dito aonde mora, a informação corre nas redes sociais e em jornais locais. Antes, os moradores "sabiam, mas fingiam não saber". Agora, eles começam a interpelá-lo na rua.
Nesses reconhecimentos, conforme a Folha observou ao acompanhá-lo por dois dias, os moradores são amigáveis e o tratam mais como uma celebridade do que como um exilado político.
Numa noite da semana passada, um rapaz de 19 anos, que se disse um membro arrependido do PCC (Primeiro Comando da Capital) recomeçando sua vida, o viu num restaurante, depois de ler um post no Facebook sobre sua presença na cidade.
"Achava que era lenda. Mas tudo bem, eu errei, todo mundo erra", disse o rapaz a ele. "Erro, que erro?", respondeu Battisti.
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