@cfialho: Eu era feio. Agora eu tenho carro.


Por Carlos Fialho
No Blog O Fiasco

Dentre os muitos mistérios natalenses, os segredos inescrutáveis e as confidências jamais reveladas, uma grande curiosidade povoa as conversas da classe média e elite da cidade: “quem é@gadelhajunio?”
No sítio de relacionamentos www.twitter.com , uma febre na província desde 2009, têm surgido diversos personagens curiosos. Alguns são fictícios, como é o caso do perfil criado para o personagem Gadelha Júnio. Outros até são verdadeiros, apesar de suas características tragicômicas nos levarem, por vezes, a torcer para que fossem de mentirinha, como o ex-vereador Renato Dantas ou a seiláquemzinhaTalita Moema, uma espécie de miniThaísa Galvão pra chamar de nossa.

Gadelha Júnio é uma sátira a muitos jovens natalenses que representam a um só tempo um modo de vida fortemente provinciano, certamente fruto das nossas raízes interioranas, juntamente com a prosperidade econômica percebida na capital potiguar nos últimos anos. Esses rapazes, aos quais já me referi em crônica anteriormente, são os chamados “raqueiros”. Carregam consigo um forte sotaque a ponto de trocar a maioria das letras J por Rs: “raquejada”, “carralo”, “rarei-te!”. São extremamente ignorantes e preconceituosos, além de vagabundos assumidos e parasitas do dinheiro dos pais. Ostentam o quanto podem, andam de camionetes 4×4 importadas, equipadas com “paredões” de som, idolatram artistas como Wesley Safadão, não abrem mão de seus BlackBerrys e tratam os demais pela alcunha de “majó”. Nutrem um profundo desprezo pelos mais pobres, os que pensam diferente ou qualquer um que não faça parte do seu muitíssimo restrito universo. Contam vantagem de suas façanhas etílicas e consomem uísque importado com a mesma frequência que a maioria de nós bebe água.
Mesmo demonstrando-se totalmente desprovidos de talento, inteligência ou, em muitos casos, beleza, tais jovens são muito populares entre a elite da cidade e costumam ser irresistíveis para as mulheres locais. É que os valores cultuados pela nossa sociedade, e isso não é privilégio da juventude, de maneira alguma, são os mesmos que os do raqueiro. Somos uma cidade materialista e adepta dos prazeres intensos, presentes na embriaguez, no entretenimento pouco elaborado e em tudo que é de fácil assimilação, já que há muito abrimos mão do laborioso esforço de raciocinar. Uma realidade como esta se converte no caldo germinal perfeito para surgirem raqueiros em profusão, dirigindo seus carrões e tornando-se belos e bem interessantes aos olhos das nossas belas natalenses em flor, sempre ávidas por admirarem a beleza interior presente em um bom estofado de couro.
Ao perceberem este quadro particular e a existência de um tipo humano tão rico e promissor em nossa sociedade, o autor por trás de Gadelha Júnio criou um personagem de enorme potencial cômico. Suas histórias vêm sendo lidas por mais de 2000 pessoas, inclusive por muitos que poderiam ser apontados como bastante identificados com o perfil. Esse fenômeno se deve ao fato de os textos serem curtinhos, encaixados nos irrisórios 140 caracteres do Twitter, permitindo que boa parte da nossa juventude carnatalesca, sabidamente analfabeta funcional, possa acompanhar as hilariantes tiradas do jovem fanfarrão.
Gadelha Júnio dirige uma Hilux pela qual declara constantemente todo o seu apreço, uma vez que a camionete é a responsável direta por todas as suas conquistas amorosas. Uma vez, ele disse: “Ontem um prisiarca veio me pidí carona. Olhei pra ele i falei: majó, minha Hilux é igual geladêra, só entra o qui eu rô cumê.” Em contraposição à Hilux, Gadelha tem ódio mortal de quem dirige Uno. “Uma reiz, um motorixta de Uno mi ofereceu uma carona. Eu disse: majó, corte logo minha mão fora, mar num mi peça pra intra aí não.” A burrice do tipo também está estampada em declarações como “orrí dizê qui um tal de Abílio Diniz é mair rico qui eu só porque é dono do pão di açúcar. Rô mandar painho comprá u morro Du careca”. Uma das falas que mais arrancou gargalhadas do personagem foi a respeito de um churrasco para o qual acorreria num fim de semana: “Majores, manhã Rô num aniversário qui é mais fácil faltá areia qui priquito. E olhe qui é na praia!”
Alguns personagens e termos característicos começam a surgir em suas histórias, animando ainda mais os enredos. Wesley (nome provavelmente inspirado no vocalista da Banda Garota) é o caseiro da fazenda do pai de Gadelha Júnio: “Wesley é o fí do caseiro que me ajuda a puxá os boi na raquejada”. Fábio é o carralo. Seu nome deve ser uma homenagem ao Deputado Federal Fábio Faria, um ícone pop da touperice jovial que traz consigo todas as características de um típico raqueiro carnatalesco natalense. E tem o Rô Gadelha que é “tão grosso que uma rez perguntaram si ele tinha cortado o cabelo e ele respondeu: não. Foi minha cabeça qui cresceu!” O termo #BBE (Bem bestinha eu) também já se espalhou pela rede e tem ganho notoriedade de tanto que é repetida em seu perfil.
Resolvi tratar sobre este divertido personagem da web local por causa de um grande sucesso musical dos últimos meses que deverá continuar bombando no carnaval. Uma canção, aliás, que tem tudo a ver com a gente, tudo a ver com Natal. No refrão, um homem fala como mudou o conceito estético que as outras pessoas tinham dele a partir da aquisição de um automóvel. Tirando o tom jocoso e o espírito galhofeiro da canção, o episódio descrito por ela resume bem a maneira como as pessoas passam a ser vistas de maneira diferente, podendo ser aceitas ou rejeitadas de acordo com seus bens.
É como se o natalense precisasse de um atestado de posses, uma espécie de título de nobreza que talvez remeta a nossa herança coronelista que nos mantém em uma situação de atraso político, social e cultural de tal forma arraigada que crescimento econômico nenhum conseguirá superar. E é num ambiente propício como este que pululam os Gadelhas Júnios de verdade, povoando nossas ruas e o litoral, desrespeitando todos a um raio de quilômetros com seu poderoso paredão de som no embalo de “Eu era feio. Agora eu tenho carro. Eu era feio. Agora eu tenho carro.” É não o quê, majó?!

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