Que modelo político?

Efraim Neto, jornalista ambiental e meu ex-estagiário, me perguntou algo no twitter hoje que me pôs para pensar:

 O nosso modelo político é falho e ñ atende às demandas da sociedade. O que vc pensa sobre isso?

Minha reflexão, eu acho, foi numa direção diferente daquela que provavelmente Efraim esperava.  
Falei nos debates da semana passada algumas coisas bastante óbvias acerca dos movimentos sociais que explodem no planeta potencializados pelo uso das redes sociais.  Evidentemente a gente não tem ainda o distanciamento histórico nem os resultados concretos definitivos dos movimentos, por exemplo, no Egito (que segue governado por uma junta militar) ou na Inglaterra e Espanha.  Mas a gente sabe que a história está sendo escrita e o processo histórico está sendo impactado.
Há um espírito do tempo circulando no meio das sociedades humanas de hoje.  O espectro não é o mesmo que rondava a Europa em 1848.  O que está circulando em nosso meio é a demanda por uma nova forma de organização social e de Estado - provavelmente potencializada pela emergência dos meios de comunicação social Internéticos da cibercultura.  Não é exatamente uma bandeira ideológica, mas os sujeitos foram colocados em um novo patamar nos meios sociais.  Confesso que até recentemente odiava chamar o sujeito de usuário - mas a noção de usuário é fundamental para entender o processo.
O usuário não é um leitor passivo nem simplesmente um agente nos meios em que se manifesta.  Ele é alguém que, ativo, modifica os ambientes em que navega, reconstrói vínculos (links e hipertextos) de acordo com os seus interesses.  É o sujeito em uma autonomia que somente a Internet podia possibilitar.
Essa autonomia é ainda mais poderosa porque ela vem associada a uma certa forma de anonimato coletivo que é característico das novas redes sociais que surgem sob a égide da cibercultura.  Eu não preciso ser muito poderoso em palavras ou ações na frente de ninguém, mas posso me esconder na minha trincheira virtual e ter a ousadia que eu quiser, confrontando poderosos, e reconfigurando o espaço informativo a fim de construir alternativas de representação e discussão que se adequem aos meus interesses e da coletividade em que me encontro.
Penso que é daí que surgem movimentos como o #ForaMicarla.  Postar uma tag assim em blog ou twitter não me exige muita coragem porque eu não preciso me expor.  À medida que as minhas postagens agregam novos seguidores ou outras pessoas em que a maior parte dos interesses se iguala aos meus nesse assunto, a minha postagem e manifestação deixa de ser individual.  É coletiva e social.  Dezenas repercutem.  Fatalmente vamos reconhecer que o protesto somente se efetivará quando for às ruas.  E eu irei.  Mas irei protegido num anonimato semelhante àquele que a Internet proporciona.  Vou escondido sob o anonimato das massas.  
Esse processo aponta a necessidade de começarmos a viver um século XXI com novas formas de organização social, política e do Estado.  Por exemplo: os partidos políticos não são e nem conseguirão ser donos dessas manifestações.  No #ForaMicarla nós víamos de Democratas a Comunistas caminhando juntos - mesmo que houvesse predominância absoluta de militantes de esquerda.  Mas em todos os lugares onde explodem essas manifestações modificadoras de tudo os partidos estão em segundo plano.
A Inglaterra também contribuiu para demonstrar que não podemos nos organizar, como Estado e sociedade, nos moldes da Idade Moderna.  Para tentar explicar e conter a revolta dos jovens da periferia, David Cameron e o Estado britânico adotaram posturas que soam extremamente radicais no contexto contemporâneo.  Além da proposta de cortar a Internet para evitar as mobilizações feita pelo primeiro ministro, a justiça está punindo "exemplarmente"os "baderneiros".  Ontem a notícia era da condenação de uma criança de 11 anos a uma reclusão em uma instituição por um ano de meio.  O menino roubará um cesto de lixo.  Parece que é preciso voltar à era medieval para que o Estado se encontre novamente consigo mesmo.
A cibercultura nasceu num caldo de cultura contestatório e contracultural.  O ano de 2011 pode ter começado a devolver esse caráter às vivências da cibercultura - no mundo on e off line.  E desse modo, com uma amplitude genérica e global, contribuirá para rupturas e para a construção de novos modelos e formas democráticas.
Por isso, não penso que é o nosso modelo político que é falho, Efraim.  Ele nem chegou a se modernizar e já se tornou obsoleto.  O próprio modelo e proposta democráticos do Ocidente se esgotaram e precisam se adequar ao novo mundo.  Evidente que num mundo diverso, plural e horizontal, não haverá um único modelo possível a ser formatado para todos.  Cada nação deverá construir seu novo modelo de democracia e Estado, tomando em consideração as características ciberculturais de nosso povo - seu caráter de usuário, de contestação instantânea e contracultura.  Novos modelos não podem se deixar esquecer o pano de fundo das mudanças - ainda não muito explicadas e definidas - dos modelos democráticos em que nos constituiremos como nações de um novo tempo.

Comentários