Vicente de Carvalho: A má notícia veio pelo Diário Oficial

Por Manuela Azenha
No Vi o Mundo

Vicente de Carvalho é um bairro da zona Norte do Rio de Janeiro. Fica entre o aeroporto internacional do Galeão e a Barra da Tijuca, que sediará a maior parte das competições dos Jogos Olímpicos de 2016.
Transformar a avenida Vicente de Carvalho, que corta o bairro, em via expressa é um projeto antigo.
Pensando nos megaeventos que a cidade vai sediar — a Copa do Mundo de 2014 terá no Maracanã seu palco mais importante –, a Prefeitura tratou de agilizar a construção do BRT Transcarioca. BRT é a sigla que, em inglês, define os corredores de ônibus, Bus Rapid Transit. Os moradores de Vicente de Carvalho foram notificados de que o BRT passaria pelo bairro em 2009. O corredor incluiria um trecho elevado.
Em outubro de 2010 os planos foram modificados. Uma publicação no Diário Oficial informou que o BRT seria transferido da avenida principal para uma pequena rua residencial. Não houve aviso da Prefeitura, nem por carta, nem pessoalmente. André ficou sabendo pelo DO que as cem casas da rua em que mora há 34 anos seriam desapropriadas num prazo de seis meses. Nenhum morador foi informado sobre o motivo da alteração do projeto.
É um padrão que tem se repetido no Rio de Janeiro. Moradores da comunidade Arroio Pavuna também reclamaram da falta de informações. A relatora das Nações Unidas, Raquel Rolnik, já denunciou oficialmente que os moradores são os últimos a saber.

Com isso, surgem todos os tipos de dúvidas.
“É fisicamente impossível construir a via nessa rua. Ninguém se deu ao trabalho de vir conhecer o bairro, eles só têm mapeamento aéreo e não mostraram nenhum estudo de viabilidade. Tanto é que, na lista de desapropriações, constam imóveis que sequer existem”, comenta Elisabete, integrante da comissão de moradores formada para lidar com a obra.
Em busca de informações, os integrantes da comissão foram encaminhados à 5a. gerência de obras da Prefeitura, onde conversaram com o engenheiro-chefe Eduardo Fagundes de Carvalho. “Ele disse que o prefeito havia vetado a construção do trecho elevado por dois motivos. Para não destruir duas pracinhas e porque a construção ficaria muito alta e esteticamente feia”, conta André.
Funcionários de uma empresa terceirizada vieram às casas do bairro para fazer a avaliação dos imóveis e dar início ao processo de desapropriação.
Os moradores formaram um comitê para negociar em conjunto
Nem todos os moradores permitiram que os avaliadores entrassem em suas casas.
Elisabete se recusou a receber o funcionário sem a devida identificação da Prefeitura. Dias depois, ele voltou acompanhado, mas ela pediu um mandado judicial. Na terceira visita o funcionário trouxe uma explicação por escrito, em papel sem timbre. Elisabete queria uma cópia para enviar ao advogado. Mas o funcionário só tinha o original e alegou que precisava dele para mostrar a outros moradores. Não houve acordo.
“O prefeito está infernizando a minha vida, então vou infernizar a dele também. Só saio daqui quando forem colocar minha casa abaixo”, afirma ela.
“Até o funcionário que veio fazer a topografia me perguntou como poderia dar certo”, diz André, se referindo à transferência da obra da avenida para a rua mais estreita.
“Eu não sou engenheiro, mas não faz o menor sentido! A avenida comporta a obra e a maior parte das casas já foi construída com recuo suficiente para isso”, afirma André.
Ele trancou matrícula no curso de Direito e agora se dedica exclusivamente à comissão de moradores.
Uma reclamação recorrente é de que as avaliações estão abaixo do valor de mercado.
Como os processos de indenização na Justiça são demorados, a tentação de fazer um acordo é grande.
Em casos envolvendo o Poder Público, os procuradores que representam a Prefeitura são obrigados por lei a recorrer, garantindo assim vida longa aos processos nas quatro instâncias. Além disso, em caso de vitória, o morador terá de entrar na fila das dívidas judiciais, os precatórios, para receber o dinheiro.
Uma fila que pode consumir mais tempo que todo o processo judicial.
Trocando em miúdos, o Poder Público que desapropria tem a faca e o queijo nas mãos.
“Eu guardei dinheiro durante 16 anos para conseguir comprar uma casa. Criei meus dois filhos e planejei viver aqui com meu marido até o fim da vida. Com a indenização que a Prefeitura oferece, simplesmente não tem como comprar outra casa assim”, resume uma das integrantes do comitê.
“Eles avaliam por metro construído. Se tiver um terraço ou uma garagem, não vale nada. A localização do imóvel também não faz diferença, se for aqui no bairro ou lá no topo do morro, é a mesma coisa. Dizem que é de acordo com o valor de mercado, mas aqui isso não existe”, diz outra.
As contrapropostas apresentadas pelos moradores não foram aceitas pela Prefeitura.
José Marci, de 78 anos de idade, mora no bairro há mais de 30 anos. Foi um dos que enviaram uma contraproposta. Resiste em aceitar os termos da Prefeitura. Recebe de seis a sete ligações por dia da Procuradoria Geral do Município. “Seo José contou uma mentirinha, disse que estava internado para não ter de atender mais telefonema nenhum”, conta Elizabete. Mentirinha mais ou menos, já que seo José de fato teve de passar por um hospital para tratar de um problema pulmonar.
Não é exagero imaginar que uma notícia súbita de desapropriação cause stress a ponto de fazer adoecer.
Roberto Gonçalves, que montou uma academia de ginástica no bairro, é um dos mais surpresos. O alvará de funcionamento de seu novo negócio saiu três dias depois da desapropriação do imóvel.
“Não dá para entender como a Prefeitura concede autorização depois de o imóvel entrar na lista de desapropriações. É tudo uma bagunça”, diz ele.
Elisabete resume o pensamento dos moradores: “Não somos contra a obra em si e entendemos que terão de remover casas para isso. Mas queremos ser informados e consultados sobre o processo, como cidadãos. São as nossas vidas que estão em jogo”

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