Crescem os indícios da execução de Gaddafi

Do Estadão

Novas imagens de cinegrafistas amadores líbios, somadas aos ferimentos dos corpos de Muamar Kadafi e de seu filho, Mutassim, reforçaram nesta sexta-feira, 21, os indícios de que ambos foram executados por rebeldes horas após a captura, na quinta-feira, em Sirte.

Os indícios de crimes de guerra na revolução da Líbia causaram mal-estar no Conselho Nacional de Transição (CNT), que não consegue explicar as circunstâncias da morte e deve ser forçado a investigar o caso. Em Misrata, porém, nada abala a euforia da população com o violento fim do ditador, cujo corpo virou atração turística.


Os indicativos de que o ditador e seu filho foram assassinados de forma sumária, sem direito a julgamento, ficaram ainda mais claros ontem, quando um vídeo de Mutassim detido circulava nas mãos de insurgentes em Misrata. Logo de manhã, rebeldes da cidade entregaram ao Estado imagens em que ele aparece em duas situações distintas. Primeiro, preso e ferido, mas relaxado, fumando e aparentando bom estado de saúde. Depois, morto, com uma perfuração no tórax, cercado de rebeldes.

O segundo vídeo revela ainda uma multidão de revolucionários celebrando em uma sala fechada em torno dos dois corpos. O Estado apurou que as imagens foram gravadas em um dos pavilhões do Mercado Tunisiano, região dedicada ao comércio popular e afastada do centro de Misrata, entre a noite de quinta-feira e a madrugada de sexta.

Depois de negociar com representantes do CNT durante três horas, a reportagem foi levada às câmaras frias onde estão corpos de Kadafi e Mutassim. O corpo do coronel está bastante ferido, com um tiro na cabeça.

Seria impossível saber, sem a ajuda de um legista, o número de disparos que o vitimou. Em entrevista à TV Al-Arabiya, Ibrahim Tika, médico que examinou os corpos a pedido do CNT, foi inconclusivo.

"Kadafi foi preso enquanto estava vivo, mas foi morto depois. Há uma bala que penetrou seu intestino e foi a primeira razão de sua morte", disse. "Além disso, há outra bala que entra e sai de sua cabeça." Tika, porém, não sabe dizer de que armas partiram os tiros.

Já as agressões em Mutassim são evidentes. Em um dos vídeos, ele aparece deitado e tateando os próprios ferimentos, pouco ensanguentado e levando os braços à testa, em posição de descanso. Depois de morto, o estado de seu corpo é diferente.

Uma grande perfuração no tórax, logo abaixo do pescoço, explica tudo. "Mutassim tem um ferimento, uma grande abertura na área superior de seu peito e inferior a seu pescoço", disse Tika, que relata ainda outros ferimentos nas pernas.

Confrontado com as críticas crescentes sobre as dúvidas a respeito das circunstâncias das mortes, o premiê do CNT, Mahmoud Jibril, visitou Misrata e foi ao local onde está o corpo do ditador. Após a vistoria, ele reafirmou a versão de que um confronto após a captura explica a morte de Kadafi.

Nos bastidores, porém, o Estado apurou que Jibril vem sendo pressionado a abrir uma investigação sobre as circunstâncias da execução. O mesmo pedido também foi feito pela ONU e pelas ONGs Human Rights Watch e Anistia Internacional.

O corpo do coronel segue insepulto em razão de divergências entre as direções do CNT. Em Misrata, os rebeldes afirmaram à reportagem que não tolerarão que o corpo seja enterrado na cidade, o que ofenderia seus habitantes, massacrados em 2011.

O impasse fez com que a câmara fria na qual o corpo de Kadafi era preservado se transformasse em um circo de líbios, que fazem longas filas e se acotovelam para conferir o corpo do ditador, tirar fotos e produzir vídeos amadores. "As pessoas estão felizes com sua morte. Misrata sofreu demais com a guerra", afirmou Ahmed Salam, membro do CNT.

"Estou surpreso. Ficamos oito meses sob o domínio de armas. Estou feliz com sua morte", disse o engenheiro Gerged Hamed, de 37 anos. "Enfim tudo acabou. Agora podemos pensar em uma Líbia democrática."

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