USP homenageia vítimas da "Revolução de 64"?

Por Conceição Lemes


Alunos, professores e funcionários administrativos da USP estão sem entender. Como num verdadeiro abracadabra, um “Monumento em Homenagem e Cassados na Revolução de 1964” começou a ser feito na Cidade Universitária. É na Praça do Relógio, em frente ao anfiteatro, ao lado do bloco A do CRUSP.

Ninguém sabe de onde veio a ordem para fazê-lo. Ninguém debateu. Ninguém opinou sobre a sua construção. Nem mesmo professores que trabalham com direitos humanos têm ciência do que realmente se trata. Não se tem ideia do que simbolizará nem como será o seu desenho.

Seria uma obra de “geração espontânea”? Como se aprova um “monumento” desse na Cidade Universitária e a comunidade uspiana não é ouvida?

Serão gastos 89 mil reais e a obra está a cargo da Scopus Construtora e Incorporadora, como se lê na placa.Atua no ramo da construção civil:
A Scopus é uma velha conhecida do governo do estado e da prefeitura de São Paulo.


Como não se conhece o projeto do “monumento”, não dá para aferir se a Scopus tem expertise na área. Uma coisa é certa: entre as principais listadas da Scopus não consta nenhum monumento.

A propósito, quem está pagando a Scopus? Houve licitação?
Pela placa seria um projeto da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. Será que a ministra Mário do Rosário sabe disso? Aprova os dizeres? E a Petrobras, que teoricamente patrocina o projeto, concorda? Curiosamente não há na placa logotipo do governo federal.

“A placa foi feita casualmente por um burocrata ou os termos que nela constam serão os do próprio monumento?”, questiona o professor Lincoln Secco, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. “Se o monumento é para as vitimas da ‘revolução’, então ele não é da esquerda, e sim de eventuais torturadores que morreram, como o Fleury [delegado Sérgio Paranhos Fleury].”

“É tudo muito estranho, especialmente num momento delicado como este em que se aprova a criação da Comissão da Verdade”, observa a cientista social Maria Fernanda Pinto. “Como instituições de Direitos Humanos propõem um monumento aos que foram mortos pela ditadura com esse nome de ‘Revolução de 64’? Revolução de 64 é a pauta da direita. Para nós, foi um golpe militar-civil. E por que pontuar 1964? É como os 20 anos da ditadura não tivessem existido. Só que existiram e muitos tombaram.”

“O que todos nós esperamos é que haja um monumento em memória das vítimas do Golpe de 64 na nossa universidade”, observa o professor Lincoln Secco. “Proporcionalmente, a USP foi uma das instituições que mais perdeu alunos e professores assassinados.”

“O Crusp foi um dos últimos bastiões do movimento estudantil”, defende Maria Fernanda. “Nós queremos também renomear os blocos do Crusp. Hoje, são A, B, C… Nós queremos que tenham o nome dos alunos e professores da USP que tombaram na ditadura.”

Com a palavra a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e o reitor da USP, João Grandino Rodas.

Recentemente Rodas foi declarado persona non grata no Largo São Francisco pela Congregação da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor. A Congregação é a instância máxima de uma faculdade, nela votam representantes de alunos, funcionários e professores (são a maioria). Essa declaração foi aprovada por unanimidade.

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