Os covardes que agridem os fracos




Imagens repugnantes de moradores de rua sendo agredidos pela guarda municipal vêm sendo mostradas em imagens corajosas de determinado canal de televisão.
Os fatos referem-se a práticas reiteradas de agentes estatais que vão desde o lançamento de água contra pessoas dormindo nas calçadas, por funcionários de regionais, a espancamento de grupos abrigados sob marquise e viadutos.Muito embora esse tipo de ação tenha sempre se verificado em todas as administrações municipais, porque refletem a intolerância da própria sociedade que clama pela ação higienista do poder municipal, apenas na gestão de Andrea Matarazzo à frente da Secretaria das Subprefeituras é que adquiriu caráter de política pública oficiosa.
Andrea Matarazzo colocou à frente da Coordenadoria da Guarda Municipal na Subprefeitura da Sé Daniel Salati, ex-diretor da CESP e professor aposentado da UNESP, que com muito “gusto” e à mando de Andrea comandava rondas noturnas para expulsar de modo violento moradores de rua da região central da cidade.
A narrativa que vem a seguir foi reproduzida do relato de um dos soldados de Salatti e refere-se a uma noite em que, depois de lançar rojões contra indivíduos abrigados sob um viaduto e ato continuo agredi-los a golpes de porrete, uma mulher grávida projeta-se das trevas, arranca as roupas e desafia o chefe covarde. O texto foi escrito sob o forte impulso da emoção que o relato invocou.
“Num dia qualquer num beco qualquer de uma São Paulo escura, uma moradora de rua a quem a vida conduzira a sarjeta, portando no ventre o herdeiro da sua desgraça, viu-se cercada por homens fortes saídos da madrugada. Traziam na mão o insensível porrete e no peito as insígnias de autoridade. Agiam nas trevas porque não lhes permitia o disfarce de agentes públicos que a missão indigna fosse executada à luz do dia.
Diz-se que a mulher subitamente despertada do abandono por estampidos de rojão, testemunhava qual animal acuado o espancamento impiedoso de seus pares pelos homens que as sobram traziam. Os pedidos de clemência se chegavam a sair das gargantas logo não sobreviviam ao cimento frio.
A frente dos agressores, o chefe. Olhos coalhados de perversão, comandava com íris ensandecidas a precipitação dos porretes sobre as ossadas andrajosas. Então o impensável sucedeu: a mulher avançando entre os demais desvalidos postou-se diante do comandante dos algozes.
Fitando a alma que a fera não tinha arrancou as poucas que vestia para expor ao selvagem o último trunfo da sua miserável existência, a barriga de mãe vinda a lume pela última estrela sextante daquela madrugada imunda.
Carregando em si o filho ainda não vindo confrontou a criatura noturna e conclamou-o com o fio de voz firme a perpetrar o ato de suprema afronta, ao mesmo tempo sacrifício e prêmio derradeiro de uma vida perdida.
Mate-me! Mate-me! Gritava a mulher nua como se divisasse no ofensor os próprios deuses que, ao invés da ajuda na maternidade desassistida enviavam-lhe a incompreensível punição por meio de soturna figura.
...E o monstro, que talvez um dia tivera mãe ou quem sabe até filhas, viu-se perpassado em único e breve segundo por aquele sentimento de piedade que é dado experimentar até aos mais miseráveis nesta vida. Mas que por tratar-se de algo que lhes é antinatural escapa aos seus corações como sangue ao rosto dos agonizantes.
Dissipado o estupor o algoz passou a ganir a ordem patética : Vista-se! Vista-se!
Então, como num milagre, da sarjeta o esquálido corpo materno ergueu-se gigante diante do algoz, reduzido à força da covardia ao mais insignificante nanismo. Assim foi que a dor venceu.
Sublime, a dor venceu... mesmo que ninguém tenha notado seu uivo no breu da noite nem seus espasmos no corpo tenso .
Mas eis que por ironia ou divina justiça o halo da anônima virtude, em confronto solitário com a ignomia, teve o condão de lembrar-nos no curto instante da frase lida o quanto damos nós mesmos abrigo à injustiça e à covardia.
Peçamos então nós, em cujos peitos se distende uma última fibra de humanidade perdão a toda gente ofendida: perdoa mãe querida, eles não sabem o que fazem”

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