@casadaribeira e a polêmica da Lei Câmara Cascudo

Li e reli o polêmico projeto do Cena Aberta Formação, apresentado à Lei Câmara Cascudo pela Casa da Ribeira.   Publiquei aqui.  Confesso não encontrei nada que justificasse as palavras usadas no parecer e na imprensa pela conselheira Daniele Brito.
Danielle disse ao Diário de Natal que o projeto era superfaturado e que o Ministério Público fecharia a Casa.  No parecer, que publiquei aqui, alguns raciocínios enviesados.  Chamo enviesados porque eles têm impacto a se basear em um determinado ponto de vista.  Explico.

As diferenças de ponto de vista constroem verdades parciais.  Se digo que a bolsa destinada a artistas custará R$ 24 mil, chegando a um total de R$ 60 mil (ou R$ 12 mil para cada ator escolhido), evidentemente os números parecem absurdos.  O mesmo fato, no entanto, contado de forma diferente provoca um efeito distinto.  A bolsa para cada ator, a ser selecionado por edital público, será de R$ 1,2 mil durante quatro meses de preparação.  E, para cada apresentação, o cachê de cada ator será de míseros R$ 100.  O total do item chega ao mesmo valor do argumento apresentado pela conselheira.  No entanto, dito dessa forma, parece muito pouco dinheiro para quem pretenda viver de arte.
Ainda assim, da forma como foi dito no parecer, o fato de o valor gasto com os atores ser menor que o gasto com ônibus parecia absurdo.  Quer dizer, o valor gasto com os atores é exorbitante, na opinião do Conselho, mas é absurdo também gastarem mais com ônibus - o valor devia, então, ser mais alto?
Agora, quando eu olho a planilha e os objetivos explicitados pelo projeto, percebo que há uma ênfase nítida na formação de público.  Por isso, das 72 apresentações previstas no projeto, 64 serão gratuitas para alunos de escolas públicas - que ainda terão acompanhamento pedagógico para que a peça não fique desassociada das suas práticas escolares.  Em cada uma das 64 sessões serão oferecidos três ônibus para que o público possa ir à Casa.  Mais uma vez, a depender do ponto de vista um valor absurdo fica menos horrível.
O projeto planeja "empregar", com valores "salariais" sem nenhum exagero, diversos profissionais diferentes de arte e cultura.  Os valores variam de R$ 1,2 mil a R$ 5 mil, sendo que a maior parte dos valores serão pagos uma vez só.  Ou seja, o iluminador vai receber R$ 2,5 mil para trabalhar durante todo o projeto.
O ponto mais polêmico talvez tenha sido o valor da pauta da Casa.  Danielle comparou ao TAM.  Comparação inequivocamente esdrúxula, uma vez que a pauta do TAM não serve para cobrir os custos do teatro.  Ou alguém acha que R$ 400,00 serve para pagar o salário de algum dos servidores da FJA?  Algumas pessoas me disseram que o projeto não deixava claro que o valor da pauta serviria para cobrir os custos da Casa da Ribeira.  Mas isso está explícito no projeto.  É o item 5 dos objetivos apresentados ("Otimização do uso da Casa da Ribeira, instituição sem fins lucrativos, possibilitando a manutenção e continuidade de suas atividades, bem como a visitação continuada do bairro histórico da Ribeira, que é tombado pelo IPHAN") e mais adiante, na justificativa ("Assim, o Cena Aberta continua a mobilizar a cadeia produtiva de cultura no Estado, pois ganha o artista com estrutura de palco, ajuda de custo, formação e oportunidade de participar de um processo profissional de montagem de uma peça teatral; a Casa da Ribeira sua sustentabilidade e continuidade de atividades; e principalmente os educando com uma experiência cultura rica e o público em geral com facilidade no acesso através de ingressos com valores subsidiados de R$ 10,00").
Os custos da Casa giram em torno de R$ 16 mil por mês.  Durante os meses de execução, o Cena Aberta Formação será responsável por pouco mais de R$ 11 mil desse montante.  Questionar a veracidade desse cálculo é duvidar, por exemplo, da experiência de minha esposa que algumas vezes, quando esteve no ArteAção, teve dificuldade no trabalho pela necessidade que a Casa tinha de desligar o ar condicionado por falta de recursos.  Ou você nunca foi à Casa da Ribeira com alguns dos aparelhos desligados?  Você achava que estavam quebrados?  Não, era economia mesmo.
Perguntei a um amigo com quem conversava sobre o assunto hoje, que me disse que muita gente no mundo cultural do RN apoiou a decisão de Danielle Brito e do Conselho da Lei Câmara Cascudo: "Quantos desses apoiadores vai permanecer ou aparecer ao lado dela se o projeto da Casa da Ribeira for inviabilizado e a instituição fechada?".   Meu amigo deixou claro que ele mesmo ficaria de fora.  Ninguém quer levar a pecha de ser contra a cultura.  Ótimo começo.
Um complemento: Não existe discurso desinteressado.  Toda fala é interessada e enviesada ideologicamente.  Valorada em algum grau.  Por isso, pontos de vista não são simples escolhas pessoais mas são, também, escolhas ideológicas.
Quando abordei as diferenças de abordagem do projeto, a depender do ponto de vista, foi para dizer que todo posicionamento que foi tomado nessa discussão é político.  Plenamente político.  Há uma intencionalidade político-discursivo em se enfatizar dados por um lado - que poderiam ser mostrados de outra maneira.  Quer dizer, o parecer de Danielle foi amplamente político.  Assim como meu post aqui.
A troco de quê a conselheira fez política a partir de seu parecer?  Eu não sei.

Comentários

MUITO ALÉM DO BECO...


PITACO DO “MEDIOCRIDADE PLURAL”:
Há alguns anos atrás, no Beco da Lama virtual – à época sob a regência do babalorixá Dunga (Eduardo Alexandre) -, surgiu um cu-de-boi por conta de um desses projetos da Lei Câmara Cascudo. Civone Medeiros, mulher de fibra e muito honesta, botou a boca no trombone e acusou, com muita valentia e brio, dois “produtores culturais” da SAMBA que haviam, cinicamente, enchido a proposta de “gordurinhas” (leia-se super valorizações de gastos). Aquela velha estória de exigir recibos às custas de troco, assinaturas com o pé esquerdo, mão sinistra, grana correndo “por fora”, etc.
No caso presente – mesmo longe de Natal e sem conhecer detalhadamente os números -, por conhecer o ramo, dou o maior valor à negativa da Fundação José Augusto, relativamente às “gorduras” no projeto da Casa da Ribeira.
Mas, a meu ver e sob outro importante ângulo, no processo, existem contrafações na atuação da Sra. DANIELLE BRITO:
a) É, em primeiro lugar, servidora do Estado (Coordenadora não sei de que), com cargo comissionado, da Fundação José Augusto;
b) É, também, por eleição, pareceirista (Conselheira) do Conselho da Lei Câmara Cascudo, da mesmíssima entidade;
c) É “produtora cultural” independente há, pelo menos, uns dez anos em Natal e no Rio Grande do Norte;
d) Acumula, ainda (eleita?) a atividade de Conselheira da Lei Djalma Maranhão, no âmbito da Prefeitura Municipal de Natal; e
e) Pelo que se sabe, integra uma das diretorias da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências, sociedade civil dirigida pelo marido, o cineasta Augusto Lula.
Finalmente – bem sei que a patota é desunida -, fica a perguntinha inocente:
HOUVE, OU NÃO, SUPERPOSIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES E/OU INTERESSES NO PARECER DA CONSELHEIRA?

Poi é!

lAÉLIO fERREIRA in mediocridade-plural