OCCUPY WORLD : Por que o capitalismo não é a resposta (Uma visão humana)

Daqui
http://temalguemaifora.wordpress.com/2011/10/19/occupy-world-por-que-o-capitalismo-nao-e-a-resposta-uma-visao-humana/

Este artigo não apresentará números. Não discorrerei sobre as falácias do estado ao adotar o aumento de juros como unica forma de conter a inflação, nem apresentarei evidencias ou dados concretos para embasar a insustentabilidade do capitalismo neoliberal. Neste mesmo blog há outros textos para isso.

Escrevi esse artigo para convidá-los à uma reflexão muito maior do qualquer uma capaz de ser provocada pela apresentação de dados quantitativos:

“Qual é o defeito mortal do sistema capitalista quando lançamos sobre ele um olhar puramente humano ?”

Para dissertar a respeito devo inicialmente evocar um fato recente que me ocorreu:

No começo desse ano, quando aconteceu o trágico terremoto no Japão e a subsequente tragédia de Fukushima, lembro de ter lido no Estadão um artigo tão absurdo que me fez rir em desespero.

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,apesar-da-dor-um-futuro-brilhante-espera-pelo-japao,693105,0.htm

O artigo basicamente discorria sobre os beneficios da destruição causada por aquele terremoto para a economia japonesa, já que o país havia chegado em um nível de desenvolvimento tão grande que a economia estava desaquecida. A destruição deu à nação nipônica pontes para erguer e buracos para tapar. O velho Keynesianismo. A destruição estava criando novas oportunidades para negócio, a economia se aqueceria novamente. Celebremos.

O mais terrível é que o autor do artigo não estava errado e o raciocínio dele não era absurdo. Sua linha de raciocinio era perfeitamente coerente. Incoerente é vivermos em um mundo onde a tragédia e a destruição pode representar tanta oportunidade de lucro para alguém.

Não me admira que milênios de história nao tenham nos ensinado a viver em paz. Não me admira que com toda a nossa literatura e filosofia acumulada de séculos não estejamos nem perto da evolução espiritual atingida por certos povos que precederam a sociedade ocidental dois mil anos atrás. Paz, tranquilidade e plenitude não giram a economia.

Como isso é possível ? Afinal estamos rodando em círculos ou caminhando para a frente ?

O escritor inglês George Orwell é famoso por suas pertinentes críticas ao sistema socialista e ao totalitarismo do estado em obras como “1984” e “A Revolução dos Bichos”. Menos conhecida é sua célebre critica ao capitalismo empreendida no genial “Caminho para Wigan Pier”. Deixando as metáforas de seus romances de lado, e se embrenhando em uma reflexão não-ficcional, Orwell respondeu minha questão com maestria : Estamos caminhando para a frente, mas não para a direção correta.

No livro ele afirma de forma veemente que todo o desenvolvimento tecnológico para o qual caminha a humanidade capitalista é norteado apenas por uma lógica de mercado. A inovação busca a lucratividade, e não a utilidade. Ela busca o que é mercadologicamente interessante, não o que trará bem estar, ou felicidade.

Orwell previu que o desenvolvimento tecnologico da sociedade capitalista ofereceria no futuro cada vez mais “tranqueiras inúteis” que seriam compulsivamente consumidas por uma sociedade crescentemente insatisfeita.
Em contraponto, previu que soluções de problemas reais de nossa sociedade, como a fome ou a devastação ambiental, jamais seriam levadas a sério por dois motivos:

1-Não são lucrativas.

2-Sabotam um modelo já estabelecido e lucrativo para pessoas poderosas demais.

O manifesto de Orwell foi escrito em 1937, e o que temos hoje ? Bom, digamos que sob os olhos de nossa sociedade consumidora o recentemente falecido Steve Jobs (Hail !) é algum tipo de santo do Ipod, então pelo menos no que se refere às “tranqueiras inúteis” George Orwell acertou.

Falando sério. Usemos um exemplo classico da industria automobilistica para ilustrar melhor a situação: 

• Novos modelos de carro com design inovador, bluetooth, televisor e câmera traseira são lançados todo ano, desvalorizando seu modelo velhaco na velocidade da luz.

Em contraponto:

• Essas mesmas montadoras são completamente incapazes de oferecer um carro elétrico que preste, quem sabe reduzindo um pouco a poluição da atmosfera e a necessidade dos EUA de invadir um país com petróleo por década para se sustentar.
—-

Em verdade as montadoras terão custos imensos para alterar toda sua linha de produção para fabricar carros elétricos, só que as metas que seus dirigentes precisam atingir são ANUAIS. Seus bonus de final de ano estão atrelados a isso, os balanços que eles apresentam aos acionistas estão atrelados a isso. Então a inovação que realmente importa é empurrada com a barriga, em detrimento da que traz mais resultado a curto prazo. 

O mesmo vale para quase tudo. Vamos lá:

Todo ano são lançados modelos de televisor ou lap top mais finos que uma folha de papel, com acesso a internet em 2G, 3G, 3Gs (etc) e definição maior que a do olho humano. Mas nenhum desses produtos dura mais que dois anos antes de quebrar e ser substitutido por um novo.

A Monsanto desenvolveu uma soja capaz de se auto-destruir depois da primeira colheita, e de se espalhar pelos campos e plantações alterando as características genéticas da soja normal, mas ninguém conseguiu criar uma soja capaz de crescer nos áridos solos da Etiópia ou Somália por exemplo, e desenvolver um projeto sério para reduzir a fome na Africa.

Bom, você ja entendeu.

Pode parecer óbvio que o objetivo final de qualquer empresa no mundo seja “Buscar valor para os acionistas”. “Empresa não é ONG, isso aqui é um negócio”. OK. Ouvimos esse mantra desde que nascemos.

O que não é tão obvio assim é essas empresas terem se tornado tão poderosas, que o próprio objetivo dos dirigentes do PLANETA (em TEORIA os governantes, em TEORIA representantes dos povos de seus paises) parece ter se tornado “Buscar valor para os acionistas”. No caso, os acionistas seriam os patrocinadores desses governantes. Os Bancos. As mega-corporações. Esses 1% dos quais o Occupy Wall Street fala.

O resto do mundo é descartável. O resto das pessoas é bucha de canhão. É importante que exista a miséria, a fome e a guerra, elas representam oportunidades de negócio, garantia de mão de obra barata, competitividade.

Mas se o principal norteador dos caminhos da nossa grande sociedade global é a busca pelo lucro, e não o bem estar da nossa própria espécie, que esperança nós temos ? Que ilusão é essa que alimentamos de que tudo “vai acabar bem” ?

O grande perigo disso tudo é que a empresa, no objetivo final de buscar valor ao acionista acima de tudo, não pode se dar ao luxo de trivialidades como “valor moral”. Ética ou moral são conceitos inerentemente humanos, não são aplicáveis ao principio da “pessoa jurídica”, não importa o que as campanhas de marketing digam.

Mas não são as empresas dirigidas por pessoas? Nesse caso, não serão as empresas tão éticas quanto as pessoas que estiverem segurando o leme?

Adoraria acreditar nisso, mas a propria composição de uma corporação colabora para que o peso das decisões de seus dirigentes seja o mais distribuido possível sobre centenas de ombros. Comitês e mais comitês, para aprovar projetos destrutivos do outro lado do mundo, e todos podem ir para casa no final do dia com as consciências tranquilas.

Você se sente responsável pelo trabalho escravo boliviano nas empresas de tecelagem do Bom Retiro quando compra um agasalho no Shopping ? Pois é, os gerentes da Zara também não. Eles dão uma pressionadinha nos fornecedores de vez em quanto e não perdem muito tempo tentando descobrir como eles vão se virar para reduzir os custos, só isso.

Retomando o terremoto no Japão citado no inicio desse texto, onde o ser humano em nós se comove com as mortes e se compadece com o sofrimento, o “Homos Mercadologicus” em nós vê oportunidade.

É clássica a história da Coca Cola, que durante o regime nazista na Alemanha criou a Fanta, para continuar fazendo negócios com o inimigo em vez de desfazer suas operações.

Quando a Segunda Guerra terminou, os oficiais nazistas foram julgados em Nuremberg e seus apelos por clemência, por estarem apenas “seguindo ordens” foram corretamente ignorados, e eles foram condenados. Alguém pensou em condenar a Coca Cola por ter feito negócios com os nazistas ? Eles estavam apenas “buscando o lucro para o acionista”. Qual a diferença ?

Mas se fossemos julgar a Coca Cola… quem nós julgariamos ? Os seus milhares de acionistas ? Eles seriam presos ? Pagariam uma multa?

A impunidade das corporações hoje se deve a dois fatores principais:

1 – Seus dirigentes não podem ser criminalmente responsabilizados, o risco é dividido entre dezenas de acionistas ou diretores e a punição geralmente vem na forma de multas já previstas nos orçamentos .

2 – Elas estão espalhadas pelo planeta de tal forma que as decisões tomadas em suas matrizes transcendem as leis de seus países de origem. É por isso que a Apple pode ter chineses menores de idade trabalhando em sua linha de produção em Shangai e ninguém pode fazer nada a respeito.

Pensem comigo: Os maiores atores globais do mundo, cujas decisões tem o maior poder de impacto (positivo ou negativo) no planeta e em nossas vidas não são seres humanos. São “pessoas juridicas”. Coisas, amorais, insensíveis, sem rosto, sem nome, difusas. Impunes. Impuníveis. Movidas por anseios alheios ao que a emoção humana é capaz de perceber, cuja responsabilidade por tudo de ruim que fazem é distribuida entre tantas consciencias que todas se mantém leves o bastante para garantir o sono noturno.

Não tinha como dar certo não é mesmo ?

Não alimentemos ilusões de que o capitalismo se auto-regulará até um estágio de “wellfare state” para todos. Essa é só a mentira que quem está no poder se acostumou a contar para manter o próprio status quo.

O ser humano saiu do centro de seu próprio universo faz tempo, e foi substituido por uma coisa inumana, e faminta, uma máquina que não pode parar de girar. O capitalismo não é mais uma forma do ser humano se organizar, ele se tornou um fim em si mesmo.

Não chegaremos em um estado de “wellfare state” pois ele não é lucrativo. O sistema capitalista atual depende da desigualdade, da miséria, da degradação ambiental, para poder existir.

O ser humano precisa de algo melhor que isso. Ele só terá chance de ver o próximo milênio nesse planeta se encontrar uma alternativa a essa abominação.

Eu comecei esse artigo citando uma reportagem que eu li no Estadão, e gostaria de concluí-lo com outra reportagem:

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,derretimento-da-calota-polar-abre-novas-rotas-para-asia,616834,0.htm

Essa reportagem basicamente fala sobre como o derretimento das calotas polares provocado pelo aquecimento global criou novas rotas comerciais e oportunidades de negócio para países do norte, como a Islândia. É um novo “Panamá” artico.

Exato, tem muita gente comemorando pois o aquecimento global está destruindo os polos de nosso planeta. Tem muita gente ganhando dinheiro com isso.

Sempre vai ter alguém lucrando com a fome, a miséria, a guerra e a destruição no mundo.
Sempre, enquanto o capitalismo neoliberal prevalecer. Precisamos repensar nosso papel no planeta, e nossa natureza como espécie, e nos questionar uma vez mais se é isso o que queremos, se é esse sistema que desejamos como expressão máxima do que somos e do que viemos realizar aqui.

Acho que dentro de nosso coração, todos nós, todos os 7 bilhões de pessoas dessa Terra, inclusive aqueles 1% contra os quais os ocupantes de WallStreet (e agora do mundo) estão lutando nesse exato momento, sabem a resposta.



Não

Comentários

Anônimo disse…
Resumo: Mostraremos neste artigo como o Capitalismo consegue prosperar até determinado limite, e as razões de suas crises. Mostraremos também uma prova matemática do porque o sistema capitalista não é estável e que, para sobreviver, precisará sempre conquistar novos mercados ou manter a sociedade cada vez mais endividada. Em ambos os casos o sistema não poderá se estabilizar e isso implica em seu fim.
Texto completo:
http://stoa.usp.br/politica/weblog/99850.html