#Pinheirinho: Reunião em Brasília discute pleito dos desalojados

Ex-moradores do Pinheirinho, na quarta-feira (25), em abrigo da Prefeitura
Ex-moradores do Pinheirinho, na quarta-feira (25), em abrigo da Prefeitura










Terra Magazine

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Durante quinze dias seguidos, vigília. Homens e mulheres da ocupação conhecida como Pinheirinho praticamente não dormiam. Revezavam-se na guarda do gigante terreno de mais de um milhão de metros quadrados. A ordem para reintegração de posse da área pertencente à massa falida da Selecta, empresa do especulador Naji Nahas, havia sido emitida. Uma ordem federal que anunciava suspensão temporária da medida, porém, fez com que os moradores baixassem a guarda. A ocupação ganhara alguns dias e eles poderiam dormir tranquilos. Mas às seis horas da manhã de domingo (22), foram surpreendidos pela Polícia Militar. Despreparados.

- Acordamos com as bombas de gás. Eu só queria salvar nosso bebê de nove meses. Saí correndo com meu marido e ele falou pra eu correr pelas paredes das casas. Fui correndo. De repente, ele caiu e falei: "Levanta, homem, você caiu. Levanta!". Aí ele começou a se arrastar e falou: "Fui atingido, não estou sentindo minhas pernas. Eles vão me matar" e começou a gritar para os nossos companheiros: "Salvem minha mulher". Eu só via o Batalhão de Choque chegando, correndo em nossa direção.

É o que conta Laura, moradora da ocupação desde 2004. Seu marido, David, conseguiu ser retirado do local, ferido, e está internado em um hospital da região. Ainda não sente as pernas.

Após a reintegração de posse do Pinheirinho, assentamento da Zona Sul de São José dos Campos (SP), cerca de seis mil pessoas ficaram sem ter para onde ir. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciou que dará bolsa-aluguel e prioridade a 1.100 famílias do Pinheirinho em novo pacote habitacional que prevê a construção de 5 mil casas no município.

A organização do movimento, por sua vez, alega que há, no mínimo, 1.800 famílias desabrigadas e que a luta pelo Pinheirinho não terminou. "Não desistimos do terreno. Pra que entregar esse terreno para o Naji Nahas? Estamos pedindo a desapropriação do terreno e o Governo Federal tem meios legais de fazer isso", afirma Toninho Ferreira, advogado dos moradores da ocupação.

Nesta sexta-feira (27), reunião em Brasília entre Secretaria-Geral da Presidência, Ministério das Cidades e Advocacia-Geral da União (AGU) discutirá o pedido de desapropriação do terreno e o futuro das famílias do Pinheirinho.

Abrigo

Para o movimento, o objetivo permanece claro. "O sonho pela casa própria continua. A luta não acabou!", diz Toninho de dentro de um carro de som instalado no pátio da igreja Nossa Senhora Perpétuo Socorro, destino de pessoas como Laura, que conseguiu se abrigar após ver o marido baleado.

Sentados no chão, rodeados por malas, sacos plásticos e colchões, os ex-moradores do Pinheirinho encontraram na igreja um teto provisório. Após quatro dias de amparo, porém, foram informados que tinham que deixar o local e seguir para um abrigo oficial da Prefeitura.

- Peguem todas as coisas de vocês. Vamos, todos juntos, até o bairro do Morumbi. Quem estiver de carro ajude a levar os idosos e as pessoas com dificuldade de locomoção. Vamos caminhar até lá. Não haverá provocações. Lá, teremos almoço. Podem começar a juntar as coisas de vocês, anunciava a voz no carro de som.

Sentada em um banco de cimento do pátio da igreja, Luana fuma um cigarro, sem pressa. "Estamos todos ferrados, largados aqui!" - suspira entre alguns tragos.

Toda sua família se acomoda em um colchão de casal no canto da igreja, atrás da porta principal. Outros buscam conforto nos duros bancos de madeira, unidos dois a dois, um de frente para o outro, na tentativa de formar o que eles tentam chamar de cama. Algumas crianças brincam despreocupadas entre garrafas de águas vazias, roupas e colchões. Um homem dorme, imóvel, abençoado por Jesus Cristo de braços abertos. A imagem no topo do altar da igreja se destaca no cenário, mesmo sem missa alguma.

- Vamos lá, pessoal! Juntem as coisas. Precisamos sair!, apressa a voz ao microfone.

- O Morumbi fica longe pra caramba. São três bairros pra baixo daqui. Como vamos a pé, com as nossas coisas, nesse sol? Com tudo isso de criança? - indaga Luana. Perguntas sem respostas.

Os poucos carros são preenchidos com malas e alguns móveis que foram resgatados pelos moradores. Em pouco tempo, a igreja e o pátio se esvaziam. Uma fila de carros se forma na rua e a caminhada se inicia. Cerca de 4 km sob sol forte. Carrinhos de feira e de mão ajudam no transporte dos pertences.

No novo abrigo, a PM aguarda do outro lado da rua. A entrada no Centro Comunitário do Morumbi é feita aos poucos. O calor da rua não é atenuado pela sombra das telhas. Pelo contrário. A impressão é que todos estão entrando em uma grande sauna. Deitados, homens, mulheres, idosos e crianças. Um bebê de um mês e meio repousa tranquilo, no meio do intenso movimento.

Após acomodar os pertences junto a um colchão, os moradores formam fila para receber comida. Arroz, feijão, purê e algo que lembra linguiça. Comem sentados no chão e procuram manter uma organização em meio ao caos. Uma mulher pede licença.

- Preciso varrer aqui de novo, irmã. Não dá pra ficar na sujeira. A gente chegou e já limpou tudo, até os banheiros e já teve uma que fez xixi no chão, acredita? Que coisa! Eu gosto da minha casa limpa, irmã! E agora isso aqui é minha casa.

Pinheirinho de 2009

Estive no Pinheirinho pela primeira vez em 2009, quando conheci Luana, grávida de Heloah, e Maria Eduarda, sua primeira filha, então com quatro anos. Ela já tinha o companheiro de sempre entre os dedos. "É o meu momento de prazer", dizia a fumante na época.

À primeira vista, o Pinheirinho impressiona. Enorme. Barracos, casas de alvenaria, crianças correndo nas ruas largas. Bares, padarias, igrejas e mercados. Realmente - quase - um bairro. Casas numeradas, ruas nomeadas, divisão por blocos. Porém, o local já era ignorado pelas autoridades e se encontrava à sombra e à margem da cidade em uma tentativa de tornar invisível algo impossível de não ver e reparar.

 

Terreno da ocupação do Pinheirinho, em 2009 (Foto: Daniel Avila)

De lá para cá, muita coisa mudou. Os bares do Pinheirinho não funcionam mais; a luz e água, conquistadas legalmente na Justiça pela ocupação, foram cortadas; as placas de identificação das ruas levam a lugar nenhum. A vida própria do Pinheirinho não existe mais. Luana perdeu seu terreno e mandou suas filhas para casa de conhecidos. Uma mala verde de rodinhas guarda seus bens mais preciosos. "Todos os documentos", diz. Prova de sua existência, ignorada há anos - e completamente esquecida desde o último domingo.

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