Sobre a denúncia de estupro no Big Brother

Do Blog do Chico

Como o Blog nasceu e tem se consolidado como um espaço de reflexões, procurando (às vezes desesperadamente) nadar contra a corrente do conformismo e do senso comum alienante, procurei sistematizar aqui trechos de falas diversas e representativas a respeito daquele que já vem sendo chamado como o “episódio BBB” (denúncia de estupro). O objetivo é que possamos pensar juntos. E que cada um possa democraticamente construir suas convicções. Como alerta Elisa Marconi, radialista e professora universitária, precisamos deixar de lado a armadilha de vivermos a vida apenas “borboleteando”, sem exercitar nossa humana capacidade de indignação. Então...
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* "Ela não confirmou que teve sexo e disse que tudo o que aconteceu foi consensual. Não dá para garantir que houve sexo, muito menos estupro. Eles estavam debaixo do edredon e de lado. Mas o mais importante é que ela [Monique] estava consciente de tudo. Ela me disse que na hora que o clima esquentou pediu para ele [Daniel] sair da cama". (Boninho, diretor do programa, no twitter e em entrevistas, ainda no domingo, quando a discussão apenas começava a ganhar as redes sociais)

* "Estupro não houve. O problema é que a lei brasileira é muito ampla. O que se discute é o abuso [sexual], porque ela estava fora de condições. Ela estava sóbria, mas dormiu profundamente. Ele saiu do programa porque passou dos limites do relacionamento com as pessoas. O que ele fez na noite, até na visão dela, foi exagerado. A gente avaliou que a atitude dele foi ruim. Não tem uma regra muito clara. O comportamento dele foi excessivo. Para evitar algo pior, resolvemos eliminá-lo. Foi a primeira expulsão do BBB". (Boninho, terça-feira, em entrevista ao portal R7, e depois da reação nas redes sociais e do início da investigação policial).

* "De tudo, me arrepia mais o Bial dizer que o fulano foi eliminado porque infringiu o regulamento do programa. Às favas com o programa. Ele infringiu a condição primeira do ser humano: aquela que dá a cada um a posse sobre seu próprio corpo, de forma a tornar-se sujeito. Violar essa condição é fazer do outro objeto, ou seja, a maior violência que um humano pode impor ao outro". (Elisa Marconi, em sua página no facebook).

* “Assisti ao vídeo da cena em questão e não tive dúvida. O cara tinha penetrado-a ou tentado penetrá-la enquanto ela parecia completamente inconsciente. Monique não esboçava reação alguma enquanto o sujeito se mexia em cima dela sob o edredom. A ação de Daniel não é tão incomum. Há muito “garanhão” que faz e faria o mesmo numa boa. A frase que justifica o ato é sempre a mesma: “até parece que ela não estava gostando”. Ou seja, haveria um consentimento implícito. E mesmo inconsciente e sem condições de reagir a vítima teria sido premiada. A covardia é inominável. Mas terrível ainda é ver canalhas fazendo ziguezagues para justificar o pode tudo do macho. Houve gente que gastou o questionável juridiquês entre ontem e hoje para dizer que estupro não era um “conceito filosófico”. Ou seja, a tese era a de que para saber o que é um estupro precisava ter estudado Direito. Sensacional. E como ainda existem mulheres que consideram a violência masculina como algo menor. Não foram poucas as que não viram “nada demais” na cena. Talvez porque ainda existem garotas que se divertem quando são puxadas pelos cabelos em micaretas ou quando são literalmente laçadas em rodeios. É preciso começar a meter a mão na cara desses patetas. E chamar a polícia. O que as mulheres da rede social que se indignaram fizeram foi isso. Não arredaram pé do tema enquanto algo não fosse feito. Em certos momentos não se pode ter medo de barracos. É preciso gritar algo". (Trecho do texto “Daniel do BBB, Boninho e a força das mulheres da rede”, escrito pelo jornalista Renato Rovai).

* “Estupro não é sexo. Estupro não é uma vontade incontrolável de dar prazer à outra pessoa mesmo que ela não saiba que quer muito isso. Estupro não é um favor, não é um acidente, não é uma empolgação. Estupro é uma violência que decorre de uma relação de poder. No estupro, aproveita-se da vulnerabilidade do outro. Estupro não tem atenuante. Mulher pode gostar de sexo, de beber, usar roupas provocantes e se divertir e isso não dá a ninguém o direito de estuprá-la. Vamos desenhar, atenção: Não é porque ela estava bêbada que pode estuprar. Quando alguém diz não, significa exatamente isso: NÃO. Não importa o que ela “quer dizer”, importa o que ela efetivamente disse. E se a pessoa está desacordada, bêbada, drogada ou sonolenta e não tem condições de dizer sim ou não, saiba: é sempre não. (...) Não são as mulheres que precisam aprender a evitar e se prevenir contra estupros, são os homens que precisam aprender que não podem estuprar”. (Trecho do texto “Estupro não é sexo”, publicado pelo Blog Biscate Social Club. Chegou até mim por sugestão da Niara de Oliveira e da Suzana Vasconcellos, no facebook)

* “Não houve violência, constrangimento, nem grave ameaça. Houve aproveitamento de um momento em que ela não podia oferecer resistência. E sim, independentemente de penetração, é estupro. Basta ler a definição na Lei 12.015/09. E, principalmente, ela pode ter bebido, mas isso não justifica. Só para esclarecer: se ela não pode consentir, é estupro. Ela pode estar bêbada, pode estar desmaiada, pode ter passado mal. Não tem condições de consentir, se a outra pessoa resolver seguir adiante, é estupro. Espero que o Ministério Público tome providências e a que a família de Monique faça alguma coisa. Acho muito estranha essa necessidade que as pessoas têm de justificar o estupro.  A gente vê isso em todo caso que aparece: “Ah, mas ela estava de roupa curta? Ela estava bêbada? Ela estava drogada? Ela foi pra casa dele?”. Muito preocupante. Vamos fazer como no caso da pastora evangélica que foi demitida depois de ter sido estuprada por um fiel da igreja? Por que os chefes dela entenderam que ela foi estuprada porque quis? Por que não lutou e gritou o suficiente? Parece que as pessoas acham que estupro ocorre somente quando um psicopata armado te aborda na rua e te obriga a fazer sexo com ele. Pois saibam que a maioria dos estupros são cometidos por pessoas conhecidas. Amigos, colegas, namorados, maridos, tios, pais etc". (Trecho do texto “Violência sexual no BBB e muito machismo fora dele”, publicado no Blog “Blogueiras feministas”).

* “Nada como (mais uma) noite de insônia para a reflexão e o alinhamento das idéias. É o que segue (quanto ao “caso” do BBB): se houve ou não estupro, cabe à Polícia a apuração. Não vi as cenas (nem pretendo ver). Se houve, o sujeito que seja, obviamente, devidamente punido.      O que deve ser mantido na pauta das discussões é, isso sim, a questão  das concessões de TV e o “nível” da programação oferecida”. (Reinaldo del Dotore, advogado, em sua página no facebook).

* “E não é que o BBB está trazendo muitas lições?! Meninos, não é preciso colocar o glorioso instrumento dentro das moças para configurar estupro. Claro, vale também pras meninas. Se você considera o programa um lixo e, por isso, não comenta o assunto para parecer intelectual, sorry, você é uma besta. Se você acha que fulana merece isso porque bebeu/estava provocando/é safada, você merece passar por uma situação ainda pior. Mulheres conseguem ser tão – ou mais – machistas que os homens. Não adianta a Globo tentar esconder. Agora somos nós que espiamos. E por aí vai..." (Thaís Pinheiro, jornalista, em sua página no facebook)
* “A glamourização da bebedeira e do sexo irresponsável e o decorrente abuso de vulnerável na tevê são exatamente o que precisa um país campeão de gravidez precoce, de desastres de trânsito causados por condutores alcoolizados e de tudo mais que condutas como a que o Big Brother estimula causam. E a sua família vendo isso na tevê, na internet ou no boca a boca. Mas disso ninguém reclama. Até porque, como não há regulamentação da mídia no Brasil, não há a quem reclamar”. (Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, no texto “Ela bebe até cair, ele abusa dela e a sua família assiste”).
* “De todos os erros que o diretor Boninho cometeu nas últimas 48 horas, o único que ele evitou foi o de atuar como se fosse polícia ou Justiça. Escapou desta cilada ao não acusar Daniel de ter cometido algum crime. Mas agiu novamente como se o “BBB” estivesse acima do bem e do mal, como se acreditasse, de fato, no apelido que lhe deram, o “Big Boss”. “Depois de criteriosa avaliação, a direção do programa entendeu que sim, o comportamento de Daniel na noite da festa foi motivo de eliminação”. E pronto. Nenhuma informação além dessa.  Nada. Pedro Bial dedicou 14 segundos na abertura do programa para dizer que Daniel era “suspeito de ter infringido as regras do programa” e precisou de mais 33 segundos, ao fim do primeiro bloco, para avisar que o candidato dançou. Que regras são essas? Como foram infringidas? Por que foi necessário fazer “criteriosa avaliação”? Daniel teve chance de se defender? O que disse Monique?” (Mauricio Stycer, jornalista, no portal UOL)

Comentários

Leandro Coelho disse…
A posição da Rede Globo me parece contraditória: primeiro, editou o ocorrido para parecer uma cena de "amor". Depois da repercussão da cena NÃO EDITADA e vista pelos expectadores de "pay-per-view" e diante da sombra de um suposto estupro, a emissora negou ter havido estupro ou abuso sexual, mas mesmo assim explusou o participante sob a alegação de ter cometido um "grave comportamento inadequado" e "quebra das regras". Contudo, não fundamentou sua decisão ao não esclarecer o que seria um " grave comportamento inadequado". Ora, se não houve abuso, qual teria sido o grave comportamento inadequado? Por que o rapaz foi eliminado se não houve abuso sexual? Dizer que não houve abuso, e ao mesmo tempo alegar que o comportamento foi grave e inadequando, mas sem indicar o que foi, é, no mínimo contraditório e macula a idoneidade das intenções da emissora. Tratar a questão dessa forma é subestimar o intelecto dos telespectadores. Um desafio à nossa inteligência. No fim, diante da falta de esclarecimento e enfrentamento do caso, nós telespectadores acabamos por crer que realmente houve uma tentativa de abafar a realidade dos fatos, o que gera uma infinidade de elucubrações, muitas das vezes inverídicas. O que houve lá ainda necessita de esclarecimentos. Contudo, tenho certeza de que tais esclarecimentos não serão fornecidos pela emissora carioca.