Tempo de chorar...

Eclesiastes 3: 4
Por Wellington Santos (No Facebook)

O sábio escreveu no livro de Eclesiastes (capítulo 3) que há tempo para todas as coisas debaixo do céu. Tempo de falar e tempo de ficar calado; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de sorrir e tempo de chorar; tempo de nascer e tempo de morrer…

Hoje acordamos às 7h da manhã em Webster Groves, 10 da manhã horário de Brasília, com a triste, brutal, trágica e absurda notícia da morte de Dom Robinson Cavalcanti e sua esposa Miriam. Confesso que até agora estamos sem acreditar direito no que lemos nos jornais, nos e-mails de amigos e em outros meios de comunicação. Estamos estarrecidos e assustados com a banalidade que cada vez mais toma conta da nossa sociedade. Estamos tristes e sem vontade de fazer, nem em pensar em mais nada, a não ser ficar calados e chorar a perda irreparável de uma figura emblemática e super importante na formação crítica e teológica da minha geração, como foi a figura de Dom Robinson.

Em conversas pelo telefone com amigos como Raimundo Barreto, Paulo Nascimento e Ronaldo Granja, falei que, apesar das discordâncias que vinha tendo com Dom Robinson nestes últimos anos no campo da reflexão teológica, que figuras como Dom Robinson precisavam viver mais de cem anos, ou muito mais, para podermos continuar debatendo, estudando, discordando, concordando, aprendendo, e quem sabe em alguns momentos até conseguindo deixar algum ensinamento pelo caminho. A inteligência, habilidade com as palavras, tanto escritas quanto faladas, o gosto pela leitura e a pesquisa, o senso crítico, a cabeça sempre aberta e pronta para o debate e um senso de humor peculiar, neste momento, calam-se para prantear a ausência do seu companheiro de quase sete décadas.

O vazio e a tristeza tomam conta do Brasil, de forma especial do nordeste brasileiro e de todo continente latino americano. Nesta manhã lágrimas das mais diversas partes do país e de diferentes correntes teológicas se unem para chorar esta perda dolorosa para a igreja que fica entre lutas e agruras neste solo, às vezes tão duro e seco que a vida se torna de repente.

O debate inteligente e respeitoso de ideias deve sempre nos manter lembrados que, maior que qualquer discordância que possamos vir a ter durante nossa caminhada nesta vida, somos irmãos e irmãs oriundos de um mesmo Deus que é pai e mãe de todos e todas. Meu desejo neste momento é agradecer a Deus de forma muito especial pela vida e legado deixados por Dom Robinson. Lembro-me com tristeza e já muita saudade no coração dos primeiros dias em que comecei a ouvir falar sobre ele, ler os livros e principalmente a primeira vez em que ouvi pessoalmente Dom Robinson. Era simplesmente maravilhoso vê-lo passear pela história, ciências sociais, política, teologia, filosofia e vida cotidiana com uma maestria que lhe era peculiar. Era simplesmente arrebatador para mim e Odja, jovens sergipanos, com cerca de 19 anos de idade no início da nossa formação teológica naquele grande centro efervescente do saber que era a cidade do Recife. Ficávamos simplesmente hipnotizados com as palestras sempre provocativas que nos levava a muitas horas de reflexão para poder dirigir as informações.

Lembro-me do impacto da leitura do livro de Dom Robinson Libertação e sexualidade na formação dos meus conceitos pessoais acerca da sexualidade. A leitura deste livro muito me ajudou a refazer conceitos e a olhar para sexualidade alheia com mais misericórdia e compreensão. Lembro-me de ouvi-lo falar sobre envolvimento político, principalmente com as lutas sociais em prol da justiça e dos direitos humanos, com partidos de esquerda, numa época que falar de política e do PT dentro das nossas igrejas era considerada coisa do Diabo. Lembro-me de Dom Robinson provocando-nos com suas pegadas sempre apimentadas, denunciando (na visão dele à época) o estreitamente teológico vivido pela maioria dos pastores e igrejas batistas em nosso país. Enfim, são muitas lembranças, na maioria boas lembranças, até as últimas que como já destaquei, nesta reta final não vinha sendo as mais agradáveis. Em nosso último encontro público por conta da realização da FTL-B na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro em 2010, numa reunião preparatória para formação da Aliança Evangélica Brasileira, usando senso de humor que lhe era peculiar e da provocação que aprendi com ele, “reclamei” publicamente numa fala na presença dele, em tom de brincadeira que quando cheguei para pastorear na cidade de Maceió a IBP em 1993 era visto como conservador por parte da igreja, resultado da influência positiva que Dom Robinson exercia na formação crítica e teológica de muitos membros da nossa igreja oriundos de movimentos como ABU, FTL-NE, MEP entre outros. Na atualidade estava sendo visto por alguns em minha cidade adotiva como liberal por conta da atual influência que Dom Robinson continuava exercendo por conta das suas novas ideias num campo em que estávamos em discordância. São muitas lembranças, todas positivas, pois, muito do que sou hoje, principalmente no campo da autonomia do pensamento crítico, devo ao teólogo, professor e mestre.

Gostaria de me considerar amigo pessoal de Dom Robinson, entretanto, sempre soube me portar no meu lugar. Para mim figuras como Arnulfo, Robinson Cavalcanti, Manfred Grellert, João Ferreira, Gilton Morais, Carlos Queiroz, Marcos Monteiro e Orivaldo Jr. Serão eternos mestres, figuras que Deus usou para influenciar minha vida, visão de mundo e ministério por toda vida.

Por tudo isto que acabei de narrar é que quero prestar minha gratidão a Deus pela vida de Dom Robinson e a sua esposa, irmã Miriam Cavalcanti. Não a conheci muito, nossos encontros pessoais foram curtos e rápidos, entretanto, sempre ouvi da pessoa discreta e amável que ela era. Nas poucas oportunidades que tive de encontrá-la pude perceber sua doçura. Vou guardar as palavras do sábio no meu coração e agradecer mais uma vez o privilégio que tive de viver este tempo intenso da minha vida compartilhando ora da presença, ora da doçura, ora das alfinetadas, ora dos elogios e ora até das críticas do eterno Dom Robinson. Confesso que gostava mais na época em que ela era apenas Robinson Cavalcanti, o Dom para mim não ficou muito bem e suave para ele que sempre foi livre de institucionalizações e arredio nas ideias. Chorarei de saudade pela ausência inteligente da sua reflexão teológica, ainda que não estivesse nestes dias concordando com algumas delas, não me deixarei abater pela visão da tragédia que tentará roubar nossas convicções. Dom Robinson e Miriam Cavalvanti sabiam no que criam e mesmo com toda tragédia que tenha se abatido em suas vidas, neste instante eles estão repousando nos braços de Deus, num lugar em que nenhuma arma poderá ser usada contra eles. Glória a Deus por suas vidas, glória a Deus pelo sacrifício de Jesus que nos garante a esperança da eternidade, glória a Deus pela fé que nos ajuda a resignificar até mesmo as mais duras tragédias. A fé é alienação para alguns, para mim esperança e paz de espírito.

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