Com a palavra o Comitê Popular da Copa: @mdionisiom

por Coletivo Foque | Foto: Rogério Marques


A COPA DO MUNDO DE 2014 está dando o que falar. Mas não é no campo do futebol que o time do Comitê Popular da Copa, em Natal, está trabalhando. E sim no campo social, em defesa da população excluída do debate e das preocupações desse megaevento esportivo.

NA NOITE DE TERÇA-FEIRA, 13 de março, o Coletivo Foque bateu um papo com integrantes do Comitê Popular da Copa antes de mais uma reunião do grupo na OAB. O nosso papo começou com Marcos Dionísio, advogado e membro da Comissão Estadual de Direitos Humanos no RN. Em seguida, a advogada e procuradora municipal Marize Costa falou sobre os problemas que preocupam o Comitê. "Desde março, abril do ano passado que a gente tem um grupo de pessoas que vem coordenando esse trabalho. Cada vez mais esse número de pessoas aumenta. Como o Marcos disse, não é uma luta contra a Copa, mas que a copa seja feita respeitando a legislação e os direitos humanos", declarou Marize.

É BEM VERDADE que a torcida potiguar vibrou quando Natal foi escolhida como uma das sedes para a próxima Copa do Mundo de Futebol. Mas a comemoração de Maria, José, João, Severina, Astrogilda e tantos e tantas torcedores e torcedoras foi sendo recheada de preocupações.

A CONSTRUÇÃO DA BADALADA ARENA DAS DUNAS está a passo de tartaruga. Os projetos de mobilidade ainda são segredos trancados a sete chaves pelo poder público. Para os representantes do Comitê Popular da Copa, são muitas as preocupações que rondam as obras para a Copa do Mundo de 2014 na capital potiguar. O projeto de mobilidade urbana, por exemplo, traz ameaças a reservas naturais e centenas de famílias serão desabrigadas e jogadas ao Deus dará. Esses são apenas alguns calos nas chuteiras de uma legislação aleijada pela ganância e com o aval do poder público.

De acordo com Marcos Dionísio, o Comitê Popular foi constituído a partir de entidades como OAB, Ipejuc, curso de Arquitetura da UFRN, Icedec, Casa Renascer, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Conselho Estdual da Criança e do Adolescente, Centro Acadêmico do curso de Direito da UFRN, segmentos das igrejas católica e protestante, Conselhos Comunitários do Bom Pastor e bairro Nordeste, Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP), e muita gente que luta por dignidade e direitos. A seguir, Marcos Dionísio solta o verbo e esclarece muita coisa que a sociedade potiguar precisa saber.

UM MEGA ELEFANTE BRANCO ANUNCIADO. Será esse o futuro da Arena das Dunas, substituto oficial do memorável Estádio Machadão?

"Se esse projeto da Arena das Dunas não se transformar num elefante branco vai ser mais perverso, porque vai ser inacessível para o povo. Um custo caríssimo. Um negócio da china para a OAS, construtora responsável pela construção da Arena das Dunas. É praticar o capitalismo sem correr nenhum risco".

UMA GRANDE LUTA

"A nossa grande luta é para que a copa do mundo, que poderia ser uma oportunidade para antecipar investimentos aqui na cidade e no Estado, e que ajudasse a resolver problemas históricos no campo da mobilidade, da acessibilidade, da regularização fundiária, da cultura, do turismo, do esporte, está virando um verdadeiro gol contra. Por que os gestores, tanto estadual como municipal, não primam pela transparência do que está sendo feito".

VALE LEMBRAR QUE "o governo do Estado e a Prefeitura de Natal, ao assumirem a condição de cidade sede, assumiram compromisso com o Governo Federal, que está na matriz social da Copa do Mundo, de constituírem uma câmara técnica de transparência, reunindo representantes do poder público e da sociedade para fazer um monitoramento. Além do portal na internet, onde qualquer pessoa poderia acessar as informações. No site da SECOPA (Secretaria Extraordinária para Assuntos Relativos à Copa do Mundo 2014) não tem quase nada de informação", afirmou Marcos Dionísio.

DIREITOS HUMANOS

"A NOSSA PREOCUPAÇÃO é que a Copa do Mundo não pode acontecer violando direitos humanos. Ao contrário. Ela pode ser uma oportunidade para reparar algumas violações de direitos humanos. A Copa do Mundo é um megaevento de natureza privado financiado pelo poder público do país sede. Dizem que depois de sediar um megaevento desses, o fluxo turístico do país tem uma elevação muito grande. Isso foi verificado na Copa de 1974 na Alemanha. Mas nem sempre isso é verdadeiro. Na África do Sul, deixou foi muita dívida".

QUEM É A FIFA?

"ESSE JÉRÔNIMO VALCKE (secretário-geral da Federação Internacional de Futebol -FifA), que acabou de dizer que ia dar um chute no governo brasileiro, recentemente foi condenado a pagar 100 mil dólares de multa por conta de falcatruas feitas com referência a cartões de crédito utilizados em parceria com a Fifa. Então, sabemos que a Fifa é composta por pessoas de má índole, com contatos e ligações com o crime organizado. É com esse povo que o governo brasileiro e as cidades estão tratando".

"ALÉM DISSO, tem essa questão da suspensão da vigência do ordenamento jurídico nacional interno. Então, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, a meia-entrada para estudantes, a Fifa está arengando para que a validade dessa legislação seja suspensa durante a Copa do Mundo. Se o povo não se organizar para participar vamos perder".

Ele questiona se não poderia ter sido feito uma modernização do Machadão, que recentemente tinha passado por uma reforma caríssima. Além disso tem a memória histórica que foi destruída.

INDENIZAÇÕES

"DE MIL E DUZENTOS IMÓVEIS que originalmente seriam desapropriados hoje esse número está em 429, muito embora a última informação é que elevou para 449. A explicação é que desse total apenas 119 é serão desapropriações totais. As demais serão parciais. Essa redução já foi o resultado da pressão exercido pelo Comitê. Falta total transparência com relação às obras. Tanto da parte do estado como da parte do município".

"Boa parte da população da zona oeste, onde vão ocorrer basicamente as desapropriações, são pessoas que vão para o trabalho de bicicleta, a pé. Com essas desapropriações com certeza essas pessoas vão conseguir reconstruir suas vidas em patamares piores dos que vivem hoje", acrescentou.

"Ao perceber que as desapropriações seriam fato concreto foi criada a Associação Potiguar dos Atingidos pelas Obras da Copa, que congrega as pessoas que estão com seus imóveis ameaçados de desapropriação.

PROJETOS DE MOBILIDADE

"São obras que tem o risco de agredir o meio ambiente, como o alargamento da Avenida Felizardo Moura, no bairro Nordeste, que ameaça entrar na área de mangues. Existe outra informação que está sendo negada pelo governo do Estado, mas que nos foi repassadas por técnicos que trabalham nas obras, de que as obras da avenida Roberto Freire iriam adentrar 30 metros no Parque das Dunas".

"De acordo com o projeto de mobilidade, na avenida Roberto Freire vai dobrar o número de faixas. O problema é que ao chegar à via costeira ou na BR se reduz o número de faixas para duas. O mesmo ocorre no sentido zona norte, pois mesmo que se faça as desapropriações na avenida Felizardo Moura, quando chegar na ponte de Igapó estreita. E o que é mais grave nesses projetos é que são voltados para tentar melhorar tão somente o carro particular, daí seu caráter elitista. Não há maior preocupação com o transporte público coletivo", denunciou Marcos.

"Além de não resolver o problema de mobilidade vai ter um alto custo, tanto do ponto de vista do endividamento do Estado e do município, quanto esta tragédia que é mexer com a vida de 449 famílias".

TRANSPARÊNCIA

"Não existe transparência dos critérios utilizados. O que a gente temia era que os órgãos públicos se utilizassem do decreto lá de 1941, que trata das desapropriações e que é da época da ditadura Getúlio Vargas. A gente quer que se dê uma interpretação mais larga, por que um decreto de 1941 não tem a visão moderna do mundo atual. Hoje tem o estatuto da cidade, tem o plano diretor, tem uma série de instrumentos legais que são mais recentes".

O Comitê reivindica que o critério das desapropriações considere o valor social da moradia, a convivência entre vizinhos, a organização das famílias no bairro.

CHAMADA PARA A MOBILIZAÇÃO POPULAR

"A gente acha que é possível reverter muita coisa. A redução no número das desapropriações foi em função da nossa pressão. Se a gente achar que cumpriu o nosso papel e ir para casa volta para as 1.200, por que o que os empreiteiros querem, infelizmente, é o dinheiro do povo. Por isso que, infelizmente, boa parte da nossa mídia não tem nenhuma visão crítica. É copa do mundo, copa do mundo, como se a copa do mundo não tivesse nenhum custo pra gente".

"SE O GESTOR BRASILEIRO, NATALENSE E POTIGUAR quisesse a gente poderia aproveitar essa oportunidade para fazer um grande programa de redução de homicídios. Existem hoje 43 mil homicídios no Brasil. Nos últimos dez anos 50 mil crianças sumiram dos seus lares. Dentre as quais as crianças aqui do Planalto, que foram surrupiadas dos casebres dos seus pais. Temos exploração sexual de crianças e adolescentes. Cidade litorânea, sede da copa do mundo, se não houver uma preparação do poder público para enfrentar esses problemas vamos sair daqui com que legado?", questionou indignado.

PROBLEMAS IGNORADOS PELO PODER PÚBLICO

"A gente tem tráfico de drogas, de armas, de crianças, de mulheres. A gente tem a cidade sem regularização fundiária das pessoas que ocupam os imóveis. A gente tem problemas de mobilidade e iluminação pública. Então, tudo isso seriam demandas que o poder público poderia aproveitar o planejamento da copa para resolver esses problemas. Agora, como a lógica que está presidindo as intervenções é elitista, por isso que a gente organizou o Comitê para colocar alguém para falar em nosso nome".

"A arena das Dunas vai ser ou um elefante branco no sentido de ser ocioso, ou aquela perversão de se ter um local de eventos mas que o povo vai ficar assistindo de longe", disse Marcos Dionísio, que repetidas vezes chamou a atenção para a importância do povo se organizar para defender seus direitos".


Comentários