Golpe em Assunção

Os golpes de Estado sempre se parecem num aspecto. Nunca são anunciados como aquilo que são, mas como seu inverso – um esforço para salvar a democracia. Blá, blá, blá…

O golpe que derrubou Fernando Lugo é original até nisso. Foi descarado e não escondeu suas intenções.

A Constituição do país permite que um presidente seja deposto pelo "mau exercício de suas funções." É um artigo arbitrário e perverso, sob encomenda para se contestar a soberania do voto popular, já que envolve uma avaliação subjetiva e política de um governo.

É obra recente, destinada a proteger as velhas oligarquias – elas existem sim no Paraguai – contra garantias democráticas.

Foi o que aconteceu: quando reuniu o número suficiente de votos para livrar-se de um presidente com ligações com os movimentos sociais, a oposição organizou a deposição.

Fez tudo às pressas para impedir uma reação popular – seus lideres diziam isso, abertamente, nos jornais do país.  As acusações contra Lugo são genéricas, pouco precisas. Não vieram acompanhadas de provas materiais, nem testemunhos. Seus advogados tiveram duas horas para falar e, quando tentaram recorrer a Justiça, ela estava de portas fechadas.

O episódio que serviu de estopim para o golpe merece uma investigação à parte. Lugo perdeu o cargo em apenas uma semana, processo tão rápido que gera a suspeita de que toda trama tenha sido combinado com antecedência, inclusive o massacre onde morreram 17 pessoas, e que está na origem de tudo.

Não é todo dia que morrem tantas pessoas num conflito de desocupação de terras. A primeira vítima, estranhamente, não foi um trabalhador, mas o chefe dos policiais deslocados para a fazenda.

Foi, possivelmente, uma ação provocadora. O tiro que alvejou o policial, dizem informações colhidas por diplomatas brasileiro, foi disparado por um membro da segurança privada da fazenda. Os cadáveres, com roupas ensangüentadas, foram exibidos pelo país. A oposição logo culpou o presidente pela tragédia e, no mesmo processo, os aliados de Lugo no Partido Liberal renunciaram a cargos no ministério. Uma semana depois, o golpe era consumado por 39 votos a 4.

O mandato de Lugo iria terminar em 9 meses, o que sugere que os golpistas estavam impacientes e temiam uma dificuldade para retornar ao governo pelas urnas.

Os leitores de nossos comentaristas conservadores tem direito a uma observação. Não faltaram advertências, nos últimos anos, contra uma suposta ameaça que governantes de esquerda poderiam representar para a democracia no Continente. Bobagem, viu-se mais uma vez.

O golpe de 72 horas que ocorreu na Venezuela, em 2002, numa tentativa de derrubar um presidente eleito, foi obra de uma aliança de empresários, emissoras de TV e o governo americano contra Hugo Chávez. A deposição de Manoel Zelaya, em Honduras, foi articulada pela mesma turma — só mudou a paisagem. Idem para o que se passou em Assunção.

Está na cara quem ameaça a democracia por aqui.

Só falta, agora, o Rafael Correa, do Equador, garantir o direito de asilo para o Julian Assange, do Wikileaks, ameaçado de prisão na Inglaterra e de ser deportado para os EUA.

Vai ser de humilhar, concorda?

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