Julgamento sobre poder do Ministério Público é suspenso após 2 votos

O STF (Supremo Tribunal Federal) interrompeu nesta quinta-feira (21) julgamento sobre os poderes do Ministério Público de realizar investigações criminais sem a necessidade de participação policial, após dois votos que restringiam tal possibilidade.

De acordo com o ministro Cezar Peluso, um dos votos proferidos, a Constituição Federal não dá ao Ministério Público o direito de investigar diretamente um crime, prerrogativa que, segundo ele, é exclusiva das Polícias Federal e Civil. O ministro, no entanto, afirmou que tal poder investigatório pode ser exercido em casos excepcionais, desde que observadas regras formais.

Ele propôs a criação de alguns critérios, dizendo que tal investigação só poderia ter como alvo membros da própria instituição, autoridades policiais ou terceiros, apenas quando a polícia se negar a apurar os fatos criminosos.

Além disso, todas as investigações feitas diretamente por promotores ou procuradores deverão seguir as mesmas regras do inquérito policial, como a publicação de uma portaria --tornando público que tal fato será investigado-- e a concessão de cópia aos investigados de todas as provas já colhidas. E mais: nada pode ser feito sem o controle do Poder Judiciário.

Os ministros iniciaram a discussão sobre dois casos, um recurso de um prefeito de Minas Gerais, e o outro, um habeas corpus proposto por Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, denunciado como mandante do assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT). O resultado, entanto, terá efeito generalizado, já que o tribunal reconheceu no tema a repercussão geral, mecanismo que permite a extensão de uma decisão específica a casos semelhantes.

Peluso argumentou que as situações são excepcionais pois a Constituição concede ao Ministério Público apenas a prerrogativa do "controle externo da Polícia", cabendo, além disso, a condução da ação penal (quando as investigações policiais já chegaram ao fim e a denúncia já foi apresentada). "A Constituição não conferiu ao Ministério Público a função de apuração preliminar de infrações penais, de modo que seria fraudá-las extrair a fórceps essa interpretação. Seria uma fraude escancarada à Constituição."

No caso de Minas Gerais, o prefeito do município de Ipanema, Jairo de Souza Coelho, argumentou que toda investigação foi realizada pelo Ministério Público local, sem a participação da Polícia Civil do Estado. Peluso, neste caso, votou pela anulação daquela investigação e da denúncia apresentada contra o político. "Tratando-se de crime de desobediência praticado pelo prefeito, o Ministério Público não tem, a meu sentir, legitimidade para conduzir procedimento investigatório autônomo", disse.

Já no caso do Sombra, o ministro votou pela validade da investigação, ao entender que o Ministério Público não se baseou somente em investigação própria, mas acabou utilizando na denúncia contra o suposto mandante do assassinato de Celso Daniel, informações policiais e escutas telefônicas autorizadas judicialmente. Foi graças à investigação do Ministério Público que apareceram os indícios de que o caso poderia se tratar de um crime com motivação política, diferentemente inquérito policial, cuja conclusão foi de que se tratava de um crime comum.

O ministro Ricardo Lewandowski foi o único a votar formalmente, adiantando sua posição e seguindo os argumentos de Cezar Peluso. Outros ministros, no entanto, durante a discussão, já adiantaram algumas posições, dando a entender que seus votos não serão tão restritos como o dos colegas que votaram hoje. São eles: Gilmar Mendes, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto.

Em diversos julgamentos de casos específicos proferidos na 2ª Turma do STF, esses três magistrados, juntos com o colega Joaquim Barbosa, entendem que a Constituição Federal permite sim que o Ministério Público realize investigações, não se limitando a apurar fatos relacionados a policiais, membros da própria instituição e outras pessoas, quando a Polícia se recusa a abrir inquérito.

De acordo com o posicionamento já proferido por eles, procuradores e promotores podem realizar "investigações complementares", cabendo apurar diretamente crimes cometidos contra a Administração Pública.

Eles concordam com Peluso que tais investigações não podem ser feitas sem o controle judicial e devem seguir os mesmos procedimentos dos inquéritos policiais, ou seja, publicação de portaria e a garantia que os investigados tenham acesso ao que já foi colhido.

Reservadamente, ministros afirmam que tais medidas servem para evitar abusos. A tendência é que prevaleça essa segunda linha, dando maior liberdade investigatória ao Ministério Público.

Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, esse é o julgamento do STF mais importante para sua instituição. Ele disse que o voto de Peluso restringiu demais os poderes do Ministério Público que, segundo ele, a instituição já investiga apenas em casos excepcionais.

"A realidade do nosso país impõe que tenhamos maior número possível de órgãos investigando. Há um volume que o Ministério Público não dá conta, a Policia não dá conta. Então restringir, falar que é monopólio da Policia ou do Ministério Público é algo que não faz bem à preocupação que é de toda sociedade em relação a impunidade", afirmou Gurgel.

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