A necessidade de uma Corregoria de polícia autônoma

Na Tribuna do Norte

Uma Corregedoria que possa investigar práticas policiais suspeitas e possua autonomia e estrutura para punir servidores da segurança que estejam envolvidos com crimes. É isso que autoridades reclamam para a Corregedoria da Segurança Pública do Rio Grande do Norte. Membros do Ministério Público, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Secretaria de Segurança e Defesa Social (Sesed) e o ex-corregedor-geral da instituição dizem ser indispensável que haja independência para que os trabalhos de fiscalização e punição sejam efetivos. Durante a semana passada, a instituição foi alvo de polêmica em razão da exoneração do então corregedor-geral Francisco de Sales Felipe.

A autonomia da Corregedoria já estava sob discussão, desde que o ex-corregedor decidiu montar um projeto para alterar a situação. Atualmente, a instituição é subordinada à Secretaria de Segurança e não tem amparo legal para iniciar investigações criminais por conta própria, devendo realizar requisições à Delegacia-geral da Polícia Civil para tal. Dentre outras atribuições, compete a Corregedoria receber reclamações, representações e denúncias, dando-lhe o devido encaminhamento, inclusive, determinar a instauração dos procedimentos administrativos disciplinares com vistas ao esclarecimento dos fatos e a responsabilidade de seus autores e, quando for o caso, dando ciência ao Ministério Público.

"A subordinação enfraquece o trabalho da Corregedoria. O ideal seria que o órgão possuísse orçamento próprio e se remetesse diretamente à Governadoria", opinou o advogado Francisco Sales, ex-corregedor. Antes de ser exonerado, durante a semana passada, o então corregedor-geral disse ter enviado proposta à Sesed para apreciação. "Planejávamos requisitar a instalação de uma dele gacia dentro da Corregedoria. O projeto foi encaminhado, mas não há vontade política para realizar isso. Como não havia vontade, a proposta já nasceu morta", disse.

O ex-corregedor-geral declarou que, do modo em que atualmente funciona, a Corregedoria da Secretaria de Segurança é ineficaz. "Hoje, o órgão não possui nenhuma serventia. É apenas uma Corregedoria cartorária", afirmou.

Sales acrescentou que, se depender do modelo atual da Corregedoria, não haverá coibição aos crimes praticados por policiais. A opinião é compartilhada pelo diretor do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Marcos Dionísio. Segundo ele, é preciso que a Corregedoria passe por uma reestruturação e que o corregedor-geral permaneça no cargo através de mandato, em vez de indicação política. "O número de homicídios e a violência no estado tem sido oxigenada pela participação de policiais. É preciso que exista uma Corregedoria autônoma para que a viol ência não permaneça crescendo", disse.

O secretário de segurança pública, Aldair da Rocha, mostrou-se simpático à reivindicação de autonomia para a Corregedoria e disse que trabalha para isso ocorrer. "Desde o início da nossa gestão, entendemos que precisa mudar o que hoje existe na Corregedoria. A nossa Corregedoria tem uma lei que é de 2002 e que hoje, dez anos depois, vimos que esse modelo realmente não é o ideal", declarou.

O titular da Sesed apresentou informações divergentes quanto ao que foi dito pelo ex-corregedor. "ele [Sales] não me apresentou qual o modelo ideal, nenhuma projeto ou proposta. Até cobrei dele. Tem que haver alteração da legislação. Pedi várias vezes um projeto que pudesse ser enviado à governadora, pra sua apreciação, e depois levar à Assembleia legislativa", afirmou.

A Corregedoria-Geral da Sesed, foi criada pela Lei Complementar nº 231, de 05 de abril de 2002, como órgão superior de controle e fiscalização das atividades funcionais e da conduta disciplinar interna das instituições, órgãos e agentes integrantes do Sistema Estadual de Segurança Pública e da Defesa Social.

Exoneração é cercada de polêmica

No dia 13 de junho passado, o Diário Oficial do Estado trouxe a publicação da exoneração do advogado Francisco de Sales Felipe à frente da Corregedoria-geral da Secretaria de Segurança há 11 meses. A exoneração de Sales está envolta em polêmica desde então. Para o secretário Aldair da Rocha, o ex-corregedor "não se mostrou mais uma pessoa leal, de confiança". O titular da pasta de segurança acrescenta que o advogado apresentava "uma mudança de comportamento muito estranha" ultimamente.

O estopim da crise foi uma viagem realizada pelo ex-corregedor à Brasília, sem anterior informação ao secretário. "Ele é subordinado, primariamente, ao secretário de segurança. Considerado essa uma viagem clandestina", afirmou Aldair em entrevista à TRIBUNA DO NORTE. O secretário, então, disse ter enxergado o "momento ideal de fazer a troca do corregedor". "Ele não está conformado com essa exoneração e está fazendo acusações sem cabimento nenhum", afirmou.

Francisco Sales diz ter sido exonerado por ter insistido na celeridade de um inquérito que apura crimes supostamente cometidos por agentes e delegados da Polícia Civil. A Delegacia-geral de Polícia, efetivamente, abriu o inquérito e a publicação de uma reportagem da TRIBUNA DO NORTE, baseada em documentos oficiais sobre o caso, teria sido a "gota d'agua" para a exoneração do corregedor.

Durante entrevista à TRIBUNA,  Sales comentou alguns dos episódios relacionados a abertura do inquérito que tem como alvo vários delegados, os desdobramentos registrados e a relação que havia entre ele, como corregedor, e o secretário Aldair da Rocha .

PAPEL DA CORREGEDORIA

"O que ele [Aldair da Rocha, secretário de Segurança] queria era uma Corregedoria subserviente, no exercício da vassalagem. O que ele queria era uma Corregedoria fraca para que concordasse com essa absurda omissão. Omissão que é prejudicial à administração pública. Tenho mais um dado. Fui por três vezes ao gabinete do secretário buscar a denúncia e sempre o secretário tergiversava".

DENÚNCIA

"Essa denúncia foi encaminhada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República merecia, no mínimo, uma investigação preliminar e eu não me precipitei. Estive com essa denúncia na Corregedoria, fazendo às minhas expensas, uma pesquisa junto a delegados de minha confiança para saber ali se havia algum fundo de verdade, algum indício que justificasse a instauração de um inquérito policial. Consultei pessoas que respeito na Polícia Civil e eles disseram que sim. Havia ali indícios suficientes para se fazer uma investigação. A partir desse momento, pedi ao dr. Fábio, delegado-geral de Polícia, que instaurasse o inquérito afim de investigar a denúncia".

SHEILA FREITAS

"Aqui, vou fazer justiça. Alguns delegados que procurei disseram que o escândalo é bem maior. Mas há ali, dentre os citados na denúncia, e me lembro agora sobre o que foi dito sobre a dr. Sheila [Sheila Freitas, delegada titular da Divisão Especializada em Investigação e Combate ao Crime Organizado - Deicor]. Nessas investigações preliminares, posso dizer que ela é uma pessoa honesta, competente e corajosa. Agora, não me cabe, quanto aos outros aspectos da denúncia, fazer um prejulgamento. Quem vai absolver ou condenar é o Poder Judiciário".

POLÍCIA FEDERAL

"Dian te das alegações dos delegados de polícia que estão à frente dessas investigações, os quais consultei um a um para ver se era necessário a participação da Polícia Federal na investigação desses casos, eles concordaram de que eu deveria pedir a participação da PF - sobretudo com seu apoio logístico".

AMEAÇAS

"Ameça de forma ostensiva, não recebi. Mas lhes digo que a minha paz interior já não é mais a mesma. E ameaça tem algo a ver com a tranqüilidade e a paz. Portanto, estou atento. Lamentavelmente acabei de ler que o secretário disse que tenho manifestado opinião porque estou com medo. Quero deixar bastante claro que não tenho medo de nada nem de ninguém. Só tenho temor diante das minhas reações".

Secretário garante celeridade

O secretário Aldair da Rocha concedeu entrevista e esclareceu as acusações do ex-corregedor, levantando ainda outras indagações contra o advogado. Sobre a denúncia contra delegados da Polícia Civil, o titular da pasta informou que "as investigações estão sendo feitas, apesar de aparentemente não ter fundamento e não ter surgido provas até agora. Mas elas estão sendo feitas", garantiu.

Aldair acrescentou que tem cobrado celeridade do caso. "Temos cobrado celeridade dessas investigações. Todos os inquéritos policiais estão sendo acompanhados de perto pelo Ministério Público. Se encontrar indícios de irregularidades essa pessoa deve ser punida". Paralelamente, a Degepol conduz investigações com objetivo de apurar  quem vazou as informações à reportagem da TRIBUNA DO NORTE e quem realizou as denúncias, assinadas de maneira falsa como pertencente ao Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol).

'Todas as investigações estão sendo tratadas da mesma forma, todas elas têm que ser feitas. Não determinei prioridade especificame nte a nenhuma delas. Tenho cobrado a conclusão de cada uma delas", afirmou o secretário. Para ele, Sales tem que apontar quem foi que lhe indicou que as denúncias seriam verdadeiras. "Ele disse que acabou confirmando as denúncias através de delegados amigos. Só que ele não fala quem são? O dr. Sales tem a obrigação de falar quem foi que confirmou as irregularidades e crimes".

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