"O assédio moral foi devastador em minha vida", diz Hélio Oliveira da Silva, empregado da Petrobras há 30 anos

É lamentável, mas são cada vez mais comuns - ou cada vez mais conhecidos -, os casos e situações em que trabalhadores sofrem consequências profissionais, pessoais e mesmo sérios problemas de saúde devido àquilo que se convencionou chamar de assédio moral - mas que alguns preferem classificar como violência simbólica no ambiente de trabalho.
Na maior empresa do país, a Petrobras, os casos também são frequentes. Trabalhadores e trabalhadoras que sofrem consequências pessoais e até casos graves de saúde debilitada devido ao assédio de seus superiores.
É essa a história de Hélio Oliveira da Silva, 58 anos e trinta de Petrobras.  Filho de família pobre, cuja pai era carteiro, seu sonho era ser médico.  Mas, aos dezoito anos, passou no concurso para a Petrobras.  "A proposta salarial era irrecusável", diz Hélio. O sonho de ser médico foi adiado em troca de uma carreira como técnico de perfuração e poços. "Como Técnico de Perfuração e Poços Sênior, atuo na complexa atividade de Pescaria, Teste de Formação e Testemunhagem, atividades essas desenvolvidas sempre em campo, junto a sondas de perfuração e produção, terrestres e marítimas", explica. "Sou um técnico multidisciplinar", conclui.
Hélio trabalha atualmente na gerência setorial de Serviços Especiais, na gerência geral de Construção de Poços Terrestres, em Mossoró.  Ele é uma das vítimas de maior dramaticidade do assédio moral na Petrobras.
O que é assédio moral?
Segundo explicação do site Assédio Moral no Trabalho, a prática é "a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras,repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização,forçando-o a desistir do emprego".
O assédio moral pode ser caracterizado pela "degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização". Entre outras atitudes, a vítima de assédio passa a ser isolada do restante do grupo, hostilizada, ridicularizada, desacreditada entre seus pares.
O assédio é uma violência que causa "danos à saúde física e mental, não somente daquele que é excluído, mas de todo o coletivo que testemunha esses atos". Diz o texto, também, que uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em países desenvolvidos aponta para distúrbios da saúde mental relacionado às condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. Segundo a OIT, no futuro, como resultado das práticas de assédio nas organizações, predominarão como doenças que acometem os trabalhadores as depressões, angústias e outros danos psíquicos.
Essa é a história de Hélio, que aceitou conversar com o blog.  Leia sua entrevista a seguir.


Há quanto tempo você trabalha na Petrobras?


Antes de tudo agradeço-lhe a oportunidade, pois falar do problema, ser ouvido é uma forma de aliviar a intensidade dos meus sofrimentos. Trabalho há exatos trinta anos, cinco meses e vinte dias. À época, já tinha metas de vida estabelecida. A principal? Ser Médico. De família pobre, filho de carteiro, com doze irmãos. Passei no concurso da Petrobras aos 18 anos, a proposta salarial era irrecusável. Adiei o meu sonho, mesmo assim trabalhei na companhia com esmero e indiscutível dedicação o que me proporcionou uma carreira vitoriosa.

Qual o seu cargo?
Técnico de Perfuração e Poços Sênior. Como Técnico de Perfuração e Poços Sênior, atuo na complexa atividade de Pescaria, Teste de Formação e Testemunhagem, atividades essas desenvolvidas sempre em campo, junto a sondas de perfuração e produção, terrestres e marítimas. Sou um técnico multidisciplinar.

Você é reconhecido pela especialidade em uma atividade relacionada à perfuração e a completação de poços. Explique para o leitor, em rápidas palavras, o que é completação de poços e qual a atividade em que você se destaca. O que sua expertise possibilitou a você no âmbito da empresa?

A execução de um poço de petróleo passa por duas grandes etapas, obviamente a primeira é a perfuração do poço propriamente dito; e a segunda a completação. Em ambas as etapas surgem a necessidade de serviços especiais. Por exemplo: O poço precisa ser avaliado quanto a sua capacidade de produção (vazão) quer de forma quantitativa, quanto qualitativa. Nas duas etapas, imprevistos podem ocorrer, ou seja, as ferramentas que são descidas no poço podem quebrar, por diversos motivos podem tornar-se presas ou ainda caírem no poço. Quando isto acontece inicia-se um trabalho especial chamado pescaria, a depender da complexidade do problema uma situação desta pode demorar vários dias e alguns casos meses, para isto o especialista tem que ser detentor de um conhecimento holístico e possuir paciência e grande experiência para solucionar a questão, via de regra esses serviços são potencialmente muito perigosos. Sou funcionário laureado da empresa, tendo recebido grande homenagem no ano de 2000 por ter salvado um poço de altíssimo custo, estratégico e de importância relevante para os negócios da companhia. Após a empresa ter instituído no ano de 2001 o prêmio “Destaque do Ano”, para o empregado que prestasse serviços mais relevantes para a companhia, fui agraciado com o prêmio Destaque 2002, constando na certificação: “A Hélio Oliveira da Silva, em reconhecimento pela disseminação de conhecimentos na área de operações de pescaria, contribuindo para formação e aprimoramento da equipe de serviços especiais.” Quanto ao Know how, expertise, que possuo posso dizer quer solucionar um problema que envolve investimentos de milhões de dólares, do contrário pode significar a perda do poço e de todo dinheiro investido, é como fazer um gol de placa aos 45 min. do 2º tempo, há uma alegria e um clima de êxtase. Trabalhar na Petrobras é ter experiência que nos proporciona um grande patrimônio, não me refiro ao material e sim ao imaterial, já que, não tenho dúvidas e sem demérito a outras empresas, a inteligência brasileira gravita em torno da empresa, há muita gente inteligente e competente trabalhando nela. Razão pela qual a Petrobras é uma companhia vencedora, eu recomendo a qualquer jovem que se esforce para fazer de sua equipe. O meu caso de dor e sofrimento é pontual e em nada diminui a empresa, são distorções que ocorrem em qualquer grande instituição, mas que precisam ser corrigidas e combatidas.

Quando começaram seus problemas na empresa?

Sempre fui considerado um profissional exemplar, cheguei a técnico sênior ainda muito jovem, topei na carreira há mais de 15 anos, mesmo assim mantive o entusiasmo. Certo dia, perguntei ao gerente local se era justo trabalhar e sequer ser apontado o meu dia de trabalho. Fui defenestrado, desrespeitado. Comecei a pensar duas coisas que foram determinantes para uma tomada de posição, que culminou com a fase mais difícil da minha vida. Primeiro, o país tem uma lei cruel, injusta e perversa que se chama fator previdenciário, tal lei pela sua fórmula matemática empurra pouco a pouco o aposentado para a mendicância. Segundo, como posso trabalhar na maior empresa da America Latina, a quarta maior do mundo em energia, tendo a clareza e observando as injustiças a mim acometidas por ocasião do meu regime extremo de trabalho e a supressão de direitos sociais e trabalhistas que não vinham sendo pagos pela empresa, notadamente a subtração de horas extras (tanto inter quanto extrajornada), ingressei com a ação judicial n.º 100200-86.2011.5.21.0012 (Segunda Vara do Trabalho de Mossoró/RN) para fins de postular os meus respectivos direitos. Aí se iniciou um inequívoco processo orquestrado de perseguição.

Você se considera vítima de violência no local de trabalho, aquilo que costumamos chamar de assédio?

Indubitavelmente. Poderia citar várias situações além do rigor excessivo aplicado. Darei apenas dois exemplos, cristalinos e elucidativos: Pois bem, no dia 21/12/2011, quarta feira, as 08h20min, dia do embarque, fui convocado para comparecer à sala do gerente local. Aí começou o massacre e a verborragia descontrolada e assim foi dito pelo dirigente: “por causa da ação trabalhista das horas extras eu vou destruir você, vou acabar com você, eu posso tudo, tenho todo poder e faço o que bem entendo e além do mais ai de você se for à faculdade de Medicina fazer provas. A partir de hoje você deve ficar na base de 06h00min as 18h00min. Vou desfazer esta ação porque não vai dá em nada, a Petrobras desmancha a ação com facilidade” Coincidentemente era a semana de provas na UERN e fiquei transtornado pela virulência e ameaças que sofri. Ao sair da sala de hostilizações tive uma crise de nervos e de choro presenciado por Sóegima Cristina e Valdenildo. São público e notório que ninguém do sobreaviso nunca foi obrigado a permanecer na base durante 12h, uma vez que o trabalho é eminentemente no campo. 

No segundo exemplo, no dia 05/03/2012, numa reunião em Natal, às 10h20min, houve uma reunião do Gerente Regional com o Sindicato dos Petroleiros para tratar de assuntos relativos a perseguições e agressões nas relações de trabalho. Estava presente o Gerente dos Recursos Humanos. Os diretores sindicais Márcio Dias, José Araújo (Dedé), Pedro Idalino e Belchior, além dos empregados da Petrobras Décio, Hélio, Jaime, Soégima Cristina e Valdenildo. O Gerente Regional reforçou os desatinos do Gerente local, foi extremamente duro e cruel. A angústia que já vinha sofrendo, a depressão devidamente diagnosticada, aumentou com a insensibilidade daquele Gerente e a dor doeu mais forte, saí da reunião em completo desatino porque de dedo em riste e na condição de ser proibido de falar, de forma ríspida e autoritária foi dito: “Hélio, você vai ficar no administrativo porque eu quero, e quem vai buscar conhecimento em área que não é de interesse da empresa, eu não tenho compromisso e o ônus é todo do empregado.” Reconheceu que em toda Petrobras sobrara dinheiro no ano de 2011 e disse textualmente que tinha a missão de lapidar o gerente local.

O que o assédio sofrido já lhe trouxe de consequências pessoais, profissionais e de saúde?

O assédio moral foi devastador em minha vida. Passei, em dezembro, da condição de um feliz e vibrante acadêmico de Medicina para um paciente com necessidades de fazer uso de ansiolíticos e antidepressivos já no mês de fevereiro, adoeci gravemente, deixei de freqüentar as aulas, perdi todas as disciplinas. A depressão se acentuou e imuno deprimido, tive a infelicidade de ser acometido de dengue hemorrágica, fui internado na UTI do Hospital Português, tive uma experiência de morte. Os problemas são muitos: sofro de transtorno ansioso-depressivo, severo distúrbio do sono, dores de cabeça dilacerantes, inapetência, perda de peso, diminuição da libido e diminuição da eficácia do sistema imunológico. O que tanto afeta meus amigos e fundamentalmente a minha esposa, meus três filhos é o desinteresse e o isolamento social. Digo, a depressão é malvada, quem já passou por isso sabe muito bem do que estou falando. Na foto que você vai publicar os leitores podem ver o estado de saúde a que cheguei, evidentemente, não me conformo com isso. Reduziram meu salário cerca de 40% e mudaram meu regime de trabalho do campo, onde sou especialista para o administrativo. Tenho sentimento de indignação e ponho minha esperança em Deus e na justiça, que sabiamente não terá dificuldades de equacionar a problemática.

E a justiça? O que ela já disse do seu caso?

Bem, acredito na justiça do meu país, a minha ação trabalhista tem forte embasamento. O juiz para bem decidir precisa de provas, as minhas são incontroversas, incontestáveis e insofismáveis, não tenho dúvidas disso. Caso ocorra uma análise bem feita, não haverá a mínima dúvida de que trabalhei em regime excessivo, por que não dizer como uma espécie de semi-escravidão. Com sobrecarga de trabalho e com as folgas desrespeitadas, inclusive nas férias. Tudo isto, sem o pagamento devido. Diga-se da passagem que a Petrobras em sua essência não concorda com isto, o problema é localizado, regional. Estou entrando com uma ação de assédio moral que é de estarrecer e causar espanto em qualquer um pelo puro desrespeito ao acordo coletivo e próprio código de ética da empresa. Repito, confio na justiça, há homens de bem em todos os lugares e o mal será de alguma forma reparado. Em termos de sentença das ações de horas extras proferida pela justiça trabalhista duas dentre as quatro já foram julgadas favoráveis, as outras duas estão em tramitação. Quanto à ação de assédio acredito que ela é de uma clareza solar e assim sendo, espero um posicionamento favorável do magistrado.

Há outros colegas em situação semelhante?

Sim. Não obstante, não foi apenas eu quem ingressou com a medida judicial em disceptação. Diversos outros colegas, sentindo-se injustiçados com o não pagamento das horas extras em foco, assumiram a mesma postura e vêm pleiteando judicialmente o pagamento de suas jornadas extraordinárias. Agora, sou o bode expiatório, como sempre acontece na história da humanidade. Há seis colegas extremamente afetados, todos passam por tratamentos psiquiátricos, diga-se de passagem, com profissionais médicos diferentes. O que não é coincidência são os diagnósticos e o tratamento, uma vez que todos estão tomando medicação com tarja preta (antidepressivos e ansiolíticos). São eles: Décio (depressão crônica e sem avanço com o tratamento); Jaime, Hollanda, Sóegima Cristina e eu.

Qual a sua expectativa? O que você espera que possa acontecer nesse caso?

Primeiramente a minha maior expectativa é ver a minha saúde ser restabelecida. A mudança do regime de sobreaviso foi para inviabilizar a minha freqüência no curso, que é o sonho da minha infância. Estando em sobreaviso, poderia comparecer em tempo integral na faculdade nos dias que estava de folga. Em regime administrativo sou obrigado a trabalhar todos os dias, justamente nos horários em que se desenvolvem as aulas da Faculdade de Medicina. A inviabilidade de consensualização do horário de trabalho novo com as obrigações do curso é evidente. Dito isto, sonho em poder voltar a estudar Medicina na UERN; ver a justiça erguida e fundamentalmente que práticas perversas como estas não venha ocorrer com nenhum outro trabalhador. Que as gerações futuras na companhia tenham o prazer de dedicar-se com afinco e zelo e por isso ser reconhecida, e não castigada como está sendo no meu caso. Visto que a pior dor é a da alma, a depressão é malvada e insiste em não ir embora justamente porque estou levando uma vida a qual não suporto, pois não há como agüentar ver a minha decência e dignidade ser subtraída pela arrogância e insensibilidades de uns poucos.

Fique à vontade para dizer mais alguma coisa. 

Constata-se que o assédio moral é prática odiosa, cometida pelo superior hierárquico ou colega de trabalho, que fragiliza o trabalhador assediado e o expõe a doenças de ordem psíquica e física. A vítima, não raro, é levada a pedir demissão e, em casos mais graves, chega até a cometer o suicídio.

Os prejuízos desses afastamentos para a empresa tendem a ser ainda mais danosos quando o assediado é um empregado especializado na sua atividade, devido à maior dificuldade em sua substituição.

Quando não está afastada do trabalho para tratamento de saúde (como é o meu caso), a vítima do assédio moral trabalha com medo, estressada, abatida, confusa, intranqüila, insegura, sem possuir, portanto, as condições ideais para que desempenhe adequadamente as suas funções.

Esse quadro adverso afeta o trabalhador e reduz a sua produtividade. Particularmente, na noite anterior ao trabalho os remédios não surtem efeitos, não consigo dormir e são fortes as dores de cabeça.

Os efeitos danosos para a sociedade não param por aí. O assédio, ao debilitar a saúde física e psíquica da vítima, aumenta a demanda por benefícios previdenciários pagos pelo INSS.

Como vimos, a prática odiosa do assédio moral provoca efeitos danosos às empresas e à sociedade, a par daqueles ainda mais graves causados à saúde dos trabalhadores que dele são vítimas.

Conseqüentemente, deve ser combatido, de modo contundente, por toda a sociedade e pelo estado.




Comentários

Audo disse…
Fui concursado da Petrobrás nos anos 70 para a tividade de sondador. Trabalhei no interior da Bahia e em off Shore do Rio de Janeiro e pude obserar esse comportamento infeliz de alguns chefes de sonda com seus subordinados e não aguentei. Sai da empresa no mesmo ano e hoje sou engenheiro civil formado ainda na ativa. É lamentável saber que numa empresa do porte da petrobrás tais acontecimentos ainda persistam. Aprendi na vida que,independente do estudo que temos e da nossa posição hierárquica no trabalho ou seja aonda for, temos que respeitar os nossos subordinados, ouví-los pacientemente pois fora de casa eles são a extensão da nossas famílias.Para ser um lider de um grupo de trabalho, acima de tudo é presido ouvir mais, ter espírito conciliador e se dirigir com respeito repito aos seus colegas de trabalho independete da hierarquia.Sem essas qualidades básicas, qualquer "chefe" não tem qualificação para o exercíco da liderança no trabalho.
@diariodoassedio disse…
Para que fatos como este não continuem a se repetir devemos cobrar nossos Deputados Federais aprovação do Projeto de Lei - PL4742/2001, que torna Assédio Moral um CRIME.

Concordo com Audo. Nosso trabalho é a extensão de nossas familias. É estranho e até psicopático que alguém possa se comportar pacificamente com familiares e se transforme quando está no trabalho. Certas pessoas realmente demonstram sentimentos a quem lhes convem e desprezam totalmente aquelas que julga atrapalhar ou retardar seus objetivos nas corporações. O pior é que são escolhidas por terem exatamente este perfil "gélido".

Parabéns pela coragem de enfrentar. Também tive a mesma iniciativa, com o objetivo de evitar que outros venham a sofrer.