Sobre a desatenção médica

Em janeiro, o jornalista e radialista Esau Andrade sofreu um grave acidente de carro. Morreu dez dias depois. Foi a segunda vítima, já que um outro rapaz faleceu na hora.
Acompanhei o caso de Esau porque minha esposa era sua prima. As lesões que Esau sofreu no acidente eram muito graves e, ainda que tenha chegado consciente ao pronto-socorro do Clovis Sarinho, ninguém pode garantir que poderia sobreviver mesmo que tudo fosse feito da melhor maneira possível.
Mas não foi.
Até hoje me causa indignação o comportamento do ortopedista que o atendeu na emergência. No mínimo, faltou-lhe atenção.
A lesão na área cervical da coluna necessitava de cirurgia nas primeiras doze horas - caso contrário o quadro evoluiria possivelmente até a morte. Ainda assim, alegando falta de vaga no centro cirúrgico, o médico deixou que a cirurgia fosse marcada para dois dias depois - e em outro hospital. Não sem antes ter, na noite do acidente, dito aos familiares que poderia fazê a cirurgia em outro hospital, desde que a família pagasse custos com medicamentos e materiais. No dia seguinte o mesmo médico atrapalhou a remoção de Esau para outro hospital.
Lembrei do caso de Esau hoje. O zelador de meu prédio, Cícero, passou mal no trabalho na quarta passada. Sentiu as pernas travarem, dores musculares intensas. Foi levado, arrastado, à UPA da Marca - digo, Pajuçara. Não puderam determinar o que Cícero tinha.
As dores de Cícero evoluíram. Elas passaram a se concentrar no abdômen com irradiação para a região lombar.
Ontem Cícero foi à Unidade de Saúde de Candelária para ver o terceiro médico na tentativa de descobrir inquérito tinha. O médico solicitou uma ultrassonografia abdominal e um raio X da coluna. E mais nada, apesar de Cícero há dois dias estar com a pressão em 16 por 10.
Cícero veio ao prédio hoje em busca de ajuda para realizar os exames. Estávamos tentando marcar em alguma clínica, quando Cícero me falou sobre o quadro hipertensivo. Imediatamente aferimos sua pressão. Estava em 19 por 11. Não contamos conversa e o levei ao PS do Hospital dos Pescadores. Pelo quadro crítico, Cícero furou a fila. E fez uma bateria de exames para descobrir no fim da tarde que estava com um quadro de infecção urinária que já evoluira, em uma semana, para uma insuficiência renal. Por isso, Cícero está internado e sendo medicado. Ainda bem.
O que me lembrou Esau foi o descuido com que tantos médicos examinaram Cícero ao longo da semana - as dores abdominais junto com a pressão alta não fizeram ninguém investigar um possível caso de infecção. Somente o jovem doutor Victor se atentou a isso hoje no Hospital dos Pescadores. E descobriu a insuficiência renal. Cícero finalmente será tratado.
E o que aconteceria se Cícero não encontrasse o doutor Victor hoje?
Parece-me que foi o único que olhou com atenção para o paciente. E ligou o cenário dos sintomas.
O que me fez perguntar se o maior problema do atendimento à saúde hoje não seria a falta de atenção ao ser humano.

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