#RevoltadoBusao: Bom dia, cavalo

Mais um brilhante texto de Rafael Duarte.  
E me fez lembrar o que aconteceu com uma prima de minha esposa no dia do aumento, terça-feira.  Entregou R$ 2,20 ao cobrador e tentou passar.  Foi informada de que faltavam vinte centavos.  Só então ficou sabendo do aumento da passagem.  Sabe como ela conseguiu passar a roleta?  Um moleque que estava no ônibus pedindo dinheiro ("podia estar roubando, mas estou aqui pedindo um trocado a vocês") lhe deu os vinte centavos.
Depois vem jornalista da taba dizer que os que protestam são contra a maioria da cidade.  Não, amigo.  A maioria da cidade anda de ônibus e é contra um golpe travestido de aumento dado pela prefeita, seu secretário e os empresários de ônibus.

Por Rafael Duarte
No Novo Jornal

Os cavalos da Polícia Militar são mais educados e preparados que a tropa de choque da corporação. E bem mais inteligentes e sinceros que os responsáveis pela selvageria de quarta-feira passada, durante os protestos de estudantes e trabalhadores contra o aumento da passagem de ônibus da noite para o dia. Contra a revolta popular, o remédio da polícia é a bala de borracha e o spray de pimenta. Um cavalo, não tenha dúvida, seria muito mais sensível diante da mesma situação.

O discurso do Estado é repetitivo e hipócrita: protesto pacífico pode, abusos não. Eu já não sei o que espanta mais, o discurso ou a prática. Engraçada essa democracia em que vivemos. Aumentar a passagem do transporte público sem avisar ninguém, pode. Ainda que boa parte da população dependente do serviço ande com dinheiro contado para passar a roleta e chegar ao trabalho. Abuso é dizer que não concorda. E tome bala, pimenta, porrada e camburão. Entranho esse conceito talhado na ponta do cassetete militar.

Caro comandante geral de Polícia, protesto é protesto contra o abuso de poder. Mas não espere que toda a população durma vendo a esculhambação que virou uma cidade arrasada pela incompetência administrativa de quem vendeu um produto falsificado na televisão. É desumano pedir calma enquanto se é maltratado. Existe uma lição que a polícia bem conhece: quem bate, esquece; quem apanha, jamais. O sujeito fica calado até onde aguenta, depois explode. Isso é ser humano. É natural que seja assim. Ir para o meio da rua, caro comandante geral da Polícia, é muito mais legítimo e democrático que um discurso que promete ‘combater os excessos’. Com essa mesma teoria fascista, a ditadura militar torturou e matou gente de carne e osso.

Abaixo esse lugar-comum de que a polícia existe para manter a ordem. Não, caro comandante geral. A polícia existe para proteger o cidadão. Quem mantém a ordem e organiza uma cidade são as leis. E não existe lei brasileira nenhuma que proíba qualquer cidadão, seja ele trabalhador, desempregado, estudante ou aposentado, de cobrar o que lhe é básico: respeito.

É verdade que protesto causa transtorno. É correto dizer que manifestação de rua provoca engarrafamento no trânsito. Mas ninguém é doido de sair no meio da rua sem motivo.

A luta é coletiva e necessária. Em Natal se derruba um estádio, constrói-se outro muito mais caro no lugar e ao torcedor, que é quem paga, não é dado o direito de opinar a respeito. Por aqui se promete uma inacreditável licitação para o transporte público e ao usuário, que é quem paga, não é dado o direito de dizer o que pensa sobre o assunto.

Não é de hoje que essa turma sai às ruas contra o aumento das tarifas. O detalhe é que, no fundo, a revolta maior não é nem contra o reajuste em si, mas pela forma como a coisa se dá, na surdina, na calada da noite, de forma escondida, como se o objetivo fosse mesmo sacrificar quem ganha pouco, humilhar quem depende do serviço público e ignorar, sempre, quem pensa diferente.

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