#RevoltadoBusao: Estudante publica carta a seus professores de direito

Por Artur Caldas

Excelentíssimo Senhor Desembargador em Substituição Legal do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, ou, como o senhor prefere, Professor Artur Cortez Bonifácio e Excelentíssimo Senhor Desembargador Vigílio Fernandes de Macedo Junior, professor Virgílio, escrevo esta carta contando com a sua atenção por alguns minutos.
A juventude do nosso estado, na quarta-feira passada fez história, cansada de desmandos com a coisa pública e da mercantilização de uma atividade econômica que é antes de tudo um serviço público essencial e, como tal, tem como principal objetivo o incremento da qualidade de vida da população. O serviço em comento, qual seja, o transporte público, está longe de garantir ao usuário natalense um mínimo de conforto, o trabalhador que volta de seu labor após um dia exaustivo de esforços tem que se submeter a longas esperas nos pontos de ônibus para só então conseguir embarcar em um transporte coletivo superlotado, desconfortável e inseguro, numa longa viagem, por tantas vezes, aos bairros mais periféricos de uma cidade que, infelizmente, não destoando das tantas outras cidades brasileiras, já é estruturada de forma socialmente excludente!
Durante todo o tempo em que temos contato com o senhores, seja dentro da sala de aula ou nos corredores do setor I, pudemos olhar para além do jurista e do desembargador, percebemos o professor e a pessoa imbuída com as mais exaltantes qualidades que jamais se esperaria de um desembargador. Digo isto porque comumente temos a falsa impressão de que as pessoas que ocupam espaços de poder como os que senhores ocupam em nossa sociedade, devem necessariamente se transformarem em criaturas superiores.Os senhores, contudo, tem-se mostrado perante os seus alunos com a dignidade e simplicidade que somente alguém com tamanho senso de justiça e consciência do fardo que carregam nas costas poderiam agir.

Parecem perceber que a posição ocupada, tanto na universidade quanto no Tribunal, antes de serem próprias para a geração de status e para a inflação do ego, são posições que exigem uma grande responsabilidade.
Lembro que em uma aula de empresarial I o professor Virgílio disse que “Nilo Batista é o paradigma do Direito Penal”, assim, gostaria de lembrar uma frase proferida por este autor em “O Poder Judiciário: Independência e Democracia.”.
“É preciso, portanto, desvendar roteiros para que a única fonte constitucional do poder — a vontade popular — institua e controle o exercício desse Poder, o qual, como qualquer outro, só se legitima a partir dela.”
Ao longo de um ano em sala de aula com o professor Artur, aprendemos o valor da Constituição, as lutas que levaram à sua criação e o quão importante é que cada indivíduo tome para si o dever de guardar a Constituição Cidadã, como forma de fazer com que o Estado Democrático de Direito não quede enquanto letra morta, desprovida de qualquer sentido em nossa língua pátria.
O professor Artur nos manda ainda fichar Ferdinand Lassale, que ensina que a Constituição não pode jamais ser mera folha de papel. Diante disso, a única reação que se almeja, do senhores e de seus nobres colegas no Egrégio Tribunal, é a mesma dos tantos cidadãos e das tantas cidadãs que se lançam às ruas desta cidade esta semana com uma finalidade que nos une: a proteção da nossa Constituição, fazendo com que ela seja muito mais do que uma mera folha de papel, conforme tudo o que pudemos aprender exatamente com o senhor.
O senhor manda que fichemos Paulo Bonavides, o “Papa”, como o senhor gosta de falar, esperemos que o senhor, na posição de cardeal, faça valer o que o Papa tenta nos ensinar e o que o senhor também nos estimulou a fazer. Bonavides nos ensina que a Constituição há de ser guardada e interpretada pela sociedade. O verdadeiro guardião da Constituição é o povo, em suma, é disso que trata o método de interpretação aberto da Constituição! Meus queridos mestres! Meus queridos professores, a Constituição de 1988, pela qual os senhores com certeza nutrem tanto carinho, foi apelidada de Constituição Cidadã!!
O que esses estudantes e trabalhadores por ora pedem a esse Egrério Tribunal de Justiça é que, em um país apático diante de escândalos, satisfeito com violações a direitos fundamentais e a mercantilização desses mesmos direitos, nos seja permitido, dar um pontapé inicial a um processo de formação de uma consciência cidadã em nossa terra querida. Mais do que aprender direito, os senhores nos ensinaram a importância do fazer Direito! Do construir a cada dia, na práxis, uma sociedade cidadã e que respeite a nossa Carta Magna, a importância de tirarmos do papel as promessas do Estado Social, de materializarmos as formalidades do Estado Liberal e, de conseguinte, construirmos uma sociedade mais justa e solidária!
O senhores nos ensinaram a importância do ativismo judicial na construção dessa sociedade que tanto almejamos, não poderemos jamais falar em ativismo judicial se quando jovens estudantes, entre eles estudantes de Direito, se propõem a fazer ativismo social, eles são perversamente massacrados, se quando jovens estudantes que se propõem a mudar o mundo têm seus sonhos esmagados por cassetetes ou asfixiados pelo gás das bombas lhes são lançadas pela polícia!
Ademais, expressamos nessa carta o nosso voto de profundo carinho pelos mestre e contamos com o bom senso dos senhores para que intervenham junto a esse Tribunal pela integridade desses estudantes que vos escrevem, para garantir que o dia de hoje, que tem tudo para ser um dia histórico e de uma beleza inigualável na história do povo natalense, não se transforme em um banho de sangue, e num massacre de estudantes.

Seus alunos!
#Revolta do Busão

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