Operação Assepsia: Veja a matéria do Fantástico






Você vai ver de uma forma contundente como são roubados milhões de reais da saúde pública no Brasil. Conheça agora, na reportagem de Eduardo Faustini, um golpe contra a saúde pública que usa até crianças, sem o conhecimento dos pais.

Aconteceu em Tabuleiro do Martins, um bairro de Maceió. Foi como se, de repente, um surto de pneumonia tivesse se espalhado. Centenas de crianças apareceram com esse diagnóstico na lista de internações em duas clínicas particulares conveniadas com o SUS: a Clínica Infantil de Maceió e a Clínica Frei Damião.

O Fantástico foi confirmar a história com as mães das crianças. "Meu filho nunca esteve internado com pneumonia", disse Jamile Albuquerque, mãe de João.

O filho de Jamile tinha feito um simples exame de sangue. Dias depois, a família recebeu uma carta do SUS com os dados sobre a internação do menino. Período: quatro dias. Motivo: pneumonia ou gripe. Valor pago para a Clínica Infantil de Maceió: R$ 582,40. A tia se surpreendeu.

"Ele nunca ficou internado, nunca. Essa criança nunca teve uma pneumonia", afirma Josi Albuquerque, tia de João.

A história se repetiu em outras casas do bairro. Os filhos fazem exame de sangue e depois os pais recebem uma carta sobre uma internação que não existiu. Foram mais de 600 casos. Repasse para as duas clínicas envolvidas: cerca de R$ 350 mil. Não há surto de pneumonia em Maceió. O que há são internações falsas, forjadas para lucro ilegal em clínicas conveniadas com o SUS.

Os moradores contam que as crianças vão fazer os exames de sangue em grupo. "Aqui sempre tem umas Kombis que pegam as crianças, e aí fazem isso," diz Josi Albuquerque.

Aparece o nome da mulher que leva as crianças para fazer os exames: Dona Dalva. "Ela sempre levava muitas crianças, de semana em semana, de 15 em 15 dias", conta a dona de casa Marta de Oliveira.

"Se você quiser pode arrumar umas coleguinhas suas, porque quanto mais criança melhor", conta uma jovem

O Fantástico encontrou Dalva. Ela é uma das quatro mulheres que levam as crianças da região para as clínicas envolvidas. "Não ganho nada, nada, nada", afirma aposentada Lindalva Paixão.

O repórter Eduardo Faustini explica que o assunto da entrevista são as internações falsas. Ela se defende. "Eu faço um trabalho social. Não tenho nada a ver com o que vocês estão falando", desconversa.

Dalva diz que transporta as crianças a pedido das mães. "Quem pede são as mães, quando as crianças estão doentes", diz.

O repórter do Fantástico afirma que as crianças não estão doentes e Dalva reage: "Pode ser que tenha outras pessoas fazendo isso, porque as crianças que eu levo realmente estão doentes sim", defende-se.

Ela afirma não saber o que acontece dentro das clínicas. "Não posso informar porque eu não sei. Não vou informar aquilo que não sei", afirma.

A adolescente levada ao hospital por Dalva conta outra versão. "Ela falou assim para vizinha: 'se alguém fardado chegar aqui na sua porta fardado, você diga que se internou'. Eu falei: 'tia, se alguém chegar é para dizer que se internou?'. Ela disse que sim e eu perguntei por quê. Ela falou 'não, nada não, é só você falar isso mesmo'", contou a menina.

Andrea também recebeu uma carta do SUS, na qual constava uma internação na Clínica Infantil de Maceió. Segundo o Conselho Regional de Medicina de Alagoas, a diretora médica responsável pela Clínica Infantil de Maceió é Terezinha de Jesus Cerqueira Santos. Em nossa primeira tentativa de entrevista, recebemos a informação de que ela não estava.

Fomos para a outra clínica que aparece nas cartas do SUS. É a Clínica Frei Damião, que tem como diretor responsável o médico Delane Tadeu Ramires. Esperamos por uma entrevista em uma sala repleta de pacientes. Mas o doutor Delane fica trancado no consultório e não recebe nossa equipe e nem atende aos pacientes. Duas horas depois, os pacientes são mandados embora. Pela sala vazia, passa o filho do doutor Delane, doutor Eduardo. Pouco depois, Delane e Eduardo saem pela porta dos fundos. E arrancam com o carro.

No dia seguinte, voltamos à primeira clínica. Em plena quarta-feira, ela estava fechada aos pacientes.

O Conselho Regional de Medicina apura a situação dos médicos donos das clínicas. O presidente do conselho afirma que o desvio de dinheiro do SUS prejudica a qualidade do serviço oferecido à população.

"É possível que pessoas estejam morrendo ou sofrendo dano porque os recursos foram retirados para pagamento. E com certeza vai faltar para outro", afirma Fernando Pedrosa, presidente do Conselho Regional de Medicina/RN.

A prova da má qualidade do serviço prestado à população: uma fila grande às 2h em um posto de saúde de Maceió, que não tem ligação com as clínicas acusadas de fraude.

"Vou ficar aqui até 7h30", conta dona Josefa Maria, autônoma.

"Deixei duas crianças em casa, uma de 4 e outra de 5 anos. Vim pegar uma ficha para ser atendida no mês que vem, não sei o dia", conta a dona de casa Lucia Cavalcante.

"Vim pegar uma ficha para ser atendida no mês que vem, não sei o dia", diz a autônoma Maria da Silva.

"É muita humilhação, muita humilhação mesmo", afirma o pedreiro Francisco Vieira.

O tipo de golpe que estamos denunciando ocorre em outros pontos do Brasil, como na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro. A comerciante Juliana Silva queria fazer um parto normal. Foi convencida pelo médico Luís Ferreira a passar por uma cesariana.

"Ele falou: 'Juliana, ou você fica sentindo dores ou então você paga'", disse Terezinha Cruz, mãe de Juliana.

O médico cobrou R$ 1,5 mil. O parto foi feito na Associação de Caridade Hospital de São João de Meriti, entidade sem fins lucrativos. Quatro meses depois, Juliana teve a surpresa. "Chegou uma carta para mim informando que sido pago pelo SUS", diz ela.

A cirurgia já tinha sido paga pela paciente. "Se eu paguei, por que eles estão cobrando do SUS", se pergunta Lúcia da Silva, estudante. Lúcia passou por uma cesariana no mesmo hospital. Pagou R$ 1,2 mil ao médico Luiz Carlos Furtado. E recebeu uma carta do SUS. "Colocaram na carta que se tratava de um parto normal, e que o SUS tinha pago cerca de R$ 500, não lembro o valor total agora", conta.

Foram R$ 523,60. Detalhe importante: a parcela que o médico recebe no repasse para partos normais é maior do que a que ele recebe em cesarianas.

A dona de casa Miriam Gonçalves também pagou por uma cesariana, para o mesmo médico e no mesmo hospital. E também recebeu uma carta que falava em parto normal pago pelo SUS. "Como eu sou humilde, R$ 1,3 mil para mim é muito, dá para fazer muita coisa", revela.

E veja o que o marido dela ouviu quando pediu ao médico um recibo do pagamento. "Ele falou para mim que só ia me dar se eu pagasse o imposto de renda dele. E foi embora", o funcionário público Daniel Silva.

O repórter Eduardo Faustini tentou entrevistar o médico Luiz Carlos Furtado. Ele marcou a entrevista no hospital, mas nem ele nem o outro médico envolvido, doutor Luís Ferreira, quiseram falar. Fomos recebidos pelo diretor, Celso Gomes. "As pessoas que se acharam lesadas, podem nos procurar e a administração vai resolver esse problema. Elas serão ressarcidas", diz o diretor.

"Toda resposta da carta SUS inicia uma investigação pelo Ministério da Saúde, uma auditoria uma apuração detalhada. Após a apuração, nós já recomendados ao gestor municipal que contrata aquela clínica o descredenciamento dela do SUS, ela não pode mais receber recursos do Sistema Único de Saúde", afirma o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.


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