Natal: A estratégia da mídia micarlista para esvaziar apoio do PT

Em 2008, Fátima Bezerra era candidata à prefeitura de Natal.  Com apoio do então prefeito Carlos Eduardo, bem avaliado segundo as pesquisas de opinião, Fátima tinha uma tarefa inglória: tirar a diferença contra Micarla de Sousa (PV) que desde o início liderou as intenções de votos.
Em meados de setembro, em 2008, a grande discussão midiática girou em torno da questão: Lula vem?
Certamente Lula viria fazer campanha em prol de Fátima.  Naquele instante a boca do jacaré nas pesquisas estava se fechando.  Era praticamente inevitável que um comício com Lula representasse o impulso que Fátima precisava para, no mínimo, conduzir a eleição ao segundo turno.  Faltava uma semana, mais ou menos, para a eleição.

Mas a campanha de Micarla tinha uma estratégia de comunicação e mídia muito bem articulada.
Aliás, a discussão sobre a vinda ou não de Lula já fazia parte dessa estratégia.  A imprensa, apoiadora de primeira hora de Micarla, levantava a dúvida.
Quando a vinda de Lula era inevitável, a campanha de Micarla se reuniu com todos os jornalistas e editores bancados na folha de pagamento do comitê.  E foi discutido o que fazer de Lula.  O certo é que desenharam uma estratégia articulada.
Do lado da coligação da petista, não foi pensado nada.
Resultado: após um evento oficial em Mossoró, o presidente Lula esteve em Natal, para o comício, na sexta-feira anterior ao fim de semana da eleição.  Sua participação no programa de tevê iria ao ar somente na segunda-feira.  Foi com esse hiato que a mídia micarlista trabalhou.
Surgiu - e foi amplamente repercutida - a estória de que Lula estaria embriagado no comício.  Mais que isso: estando embriagado, ter convocado o povo a extirpar da política, dali a dois anos, o senador José Agripino (DEM) foi ressignificado como um ataque a todos os potiguares em todos os jornais da cidade.
Dúvido que Lula estivesse "alto" ou que isso fosse um problema.  O problema é que o esquema de contrapopaganda micarlista já estava a postos para esvaziar o impacto da visita de Lula.  Dias antes uma reunião, com a presença inclusive de editores de veículos impressos, definira a ação.  Aguardariam o mote do contraataque (a Ypioca) e partiriam para cima.  Toda repercussão da visita, pela imprensa, havia de ser negativa.  E Fátima só teria como explorá-la na segunda-feira.  Ou seja, quando o PT quisesse falar sobre Lula, o impacto da articulação negativa já teria esvaziado completamente o impacto.
Não deu outra.  A diferença entre Micarla e Fátima apenas cresceu após a visita de Lula e, uma semana depois, a pevista foi eleita em primeiro turno.  O resto da tragédia nós conhecemos.
Quatro anos depois, mesma articulação estratégica está em curso agora sobre o apoio do PT a Carlos Eduardo (PDT) no segundo turno das eleições em Natal.
Evidentemente que o mesmo grupo micarlista, que desta vez se reúne atrás de Hermano Morais (PMDB),  teve quatro dias para preparar e ensaiar a reação para tentar esvaziar o impacto da decisão petista.
Podemos esperar de hoje aos próximos dias manchetes no Jornal de Hoje e na Tribuna do Norte para reforçar as teses que surgiram na noite de ontem pelas redes sociais: decepção do eleitorado de mudança de Mineiro pelo posicionamento no segundo turno e a defesa da tese da neutralidade.
Depois, os dois jornais, especialmente o JH, farão matérias todos os dias tentando fazer com que o apoio do PT prejudique mais que ajude a campanha de Carlos Eduardo: o teor das matérias, que serão feitas ouvindo especialistas de diversas ordens, defenderá que PT tinha de ficar neutro e dirão que decisão é traição de Mineiro a seus eleitores.  A estratégia busca anular o apoio, favorecendo Hermano, como também esvaziar o capital político conquistado pelo deputado petista com vistas às próximas eleições, especialmente 2016, eleição para a qual Mineiro já desponta como forte candidato.  Por isso, o apoio do PT é um voto crítico e o partido já se define de que não fará parte do governo - será oposição e oposição construtiva.
O contraataque deve começar nas próximas edições do Jornal de Hoje, com notinha em Tulio Lemos ou Alex Vianna deve publicar uma matéria entrevistando alguma liderança política sobre o assunto - liderança que vai falar mal da decisão do PT.
A manutenção da articulação de mídia em torno do grupo micarlista, reunidos sob Hermano nessa eleição, já se evidenciou no primeiro turno das eleições - a estratégia do rebaixamento dos números de Mineiro nas pesquisas favorecia Hermano: garantiam o segundo turno, sem pôr em risco a ida do pemedebista à eleição do dia 28.  Mesmo assim, quase que tática virou um tiro no pé e Mineiro vai ao segundo turno.
Como que a confirmar toda a análise, surge a nota do jornalista Claudio Humberto que, além de ter sua coluna publicada pela Tribuna do Norte, será amplamente repercutida pela imprensa micarlista.  Segundo Cláudio, a presidenta Dilma Rousseff ficou irratada com a decisão do PT em Natal. Dilma defenderia a neutralidade (!), uma vez que tanto ela quanto Lula gravarão para o candidato do PMDB.
Curioso perceber que Humberto traz a ideia da neutralidade para a discussão.  A mesma tese amplamente debatida no twitter ontem à noite entre eleitores e o candidato Fernando Mineiro.  Mais curioso: a ideia da neutralidade é atribuída à presidente da república.
Evidentemente a tentativa do colunista, muito próximo aos caciques pemedebistas, é contribuir para que o voto do PT e de Mineiro em Carlos Eduardo, no segundo turno, não valham nada para a decisão do eleitorado.
A estratégia está em curso.  Cabe a nós reagirmos.  A turma do contracheque, como diz Jurandy Nobrega, fará de tudo para manter tudo como está.

P.S.: A estratégia pode ter sido demonstrada pelo simpatizante do PMDB Carlos Emerenciano.  Durante toda a semana pajiou o PT e Mineiro.  Chegou a tentar convencer que o melhor para o partido era apoiar Hermano, argumentando que o PDT de Carlos Eduardo declarou apoio a Serra em São Paulo, contra Haddad (PT).  Até que o PMDB declarou apoio a ACM Neto (DEM) em Salvador, contra Pelegrino (PT).
Quando o voto do PT foi anunciado, Emerenciano passou a defender que Mineiro e seu partido deviam ficar neutros para, logo em seguida, passar a desdenhar o apoio do deputado ao ex-prefeito.  "Confesso que estou preferindo as declarações do deputado à neutralidade", me disse pelo twitter.
Outro exemplo foi a matéria da Tribuna do Norte destacando que o vereador eleito Hugo Manso (PT) irritara-se com a divulgação do texto da resolução do partido antes que fosse aprovada.  A TN quis fazer crer que Manso fosse favorável a um apoio a Carlos Eduardo que implicasse a participação no governo - construindo um cenário de divisão e desconstruindo o sentido desejado pelo PT no apoio declarado: sem compromisso para o governo, do qual pretende manter atenta independência, segundo disse em nota.

Comentários