Operação Assepsia: Denúncia aponta gastos incompatíveis

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Um dos elementos mais contundentes que fizeram o Ministério Público (MPE) convencer o desembargador Amaury Moura Sobrinho a afastar Micarla de Sousa (PV) do cargo de prefeita teve justificativa em uma visível incongruência entre a despesa e o imposto de renda declarado no último ano à Receita Federal. Um detalhamento do MPE identificou que os gastos dela variaram de R$ 140 mil a R$ 190 mil - um volume incompatível com o salário de chefe do Executivo, que atualmente é fixado em R$ 14 mil. Ao famoso "Leão", ela registrou ter uma receita substancialmente menor à fatura de fato consolidada. Tanto descompasso chamou a atenção do órgão ministerial. O principal rastro percorrido pelo Ministério Público, autor da denúncia, tinha nome e sobrenome: Francisco Viana, o então coordenador financeiro da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e contador pessoal de Micarla.

Viana não sabia, mas estava sendo acompanhado periodicamente pelo Ministério Público desde 2011, através de grampos telefônicos, possíveis graças à autorização judicial. A intenção dos promotores (até então o procedimento estava sob a responsabilidade da Promotoria do Patrimônio Público) era desbaratar um suposto esquema em andamento na SMS, que meses depois veio a ser denominado "Operação Assepsia". Logo no início, porém, se depararam com Micarla de Sousa. Entre uma conversa e outra, a então prefeita e o auxiliar trocavam informações sobre o pagamento de despesas pessoais, a viabilização de recursos para liquidação das mesmas, entre outros assuntos. Em alguns trechos lembrados pelo MPE no pedido de afastamento, Micarla sempre ponderava: "vamos conversar pelo bbm. É mais seguro". O bbm é um bate-papo exclusivo da empresa blackberry, o qual, sabia-se até pouco tempo, era imune aos grampos dos órgãos fiscalizadores.

O desembargador Amaury destacou, na decisão que ordenou o afastamento da então prefeita, que os indícios eram graves e contundentes e mereciam aprofundamento. Os gastos mensais puderam ser inicialmente identificados devido à vasta documentação apreendida em poder do contador pessoal e então coordenador da SMS, Francisco Viana. Ele tinha uma espécie de arquivo pessoal da então prefeita, com boletos bancários, extratos de cartões e faturas diversas. Era o que faltava para o procurador geral, o único com prerrogativa para investigar uma chefe de Executivo municipal, conseguisse a quebra do sigilo fiscal da prefeita. Entre os bens não declarados ao imposto de renda está uma casa na praia em Pirambúzios, no litoral ao sul da capital.

Em um determinado momento da denúncia, os limites da Operação Assepsia, movimentada no âmbito da Secretaria de Saúde, se estendem a outra pasta. É que o suposto esquema de cobrança de percentuais cobrados além da fatura oficial também teriam ocorrido nos contratos formalizados no fornecimento de fardamento escolar. Para esclarecer esses e outros assuntos, Micarla de Sousa foi procurada mas disse que não quer falar com a TRIBUNA DO NORTE. De qualquer maneira, um dos argumentos da defesa para a alegação ministerial de que tenha "despesas acima dos rendimentos" e promovido a "remessa de valores" indevida, é que além de empresária, ela teria precisado recorrer à mãe - a superintendente da TV Ponta Negra - para arcar com as despesas contraídas mensalmente.

Defesa entra com pedido de recondução

O advogado da prefeita afastada Micarla de Sousa ingressou ontem com um agravo de regimento no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ/RN), visando modificar a decisão judicial proferida pelo desembargador Amaury Moura Sobrinho. Por ser o relator da matéria, o magistrado proferirá um voto acerca do recurso, que posteriormente será apreciado pelo colegiado da Câmara Criminal do TJ/RN. Paulo Lopo Saraiva disse que pediu a recondução de Micarla ao cargo de prefeita e também que ela possa "se defender". Para ele, a acusação do Ministério Público é inconsistente, "cheia de vícios técnicos", e balizada em "indícios e não fatos concretos". "Estou absolutamente convicto de que obteremos êxito", afirmou. Caso a Câmara mantenha a decisão de Moura, o recurso pode ainda ser apreciado pelo pleno de desembargadores do Poder Judiciário potiguar.

Paulo Lopo Saraiva reconsiderou as metas anteriormente programadas e afirmou que não mais ingressará com um mandado de segurança nas cortes maiores, em Brasília. Segundo ele, se não conseguir reverter a situação no TJ/RN, entrará na próxima semana com uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF), no intuito de reconduzir sua cliente a chefia do Executivo da capital. Uma outra tese defendida pelo advogado é a de que o local adequado para o afastamento de Micarla da prefeitura é o Tribunal Regional Eleitoral (TRE/RN). "Nós não estamos falando de função aqui, estamos falando de mandato. Então mandato quem tem que tomar é o TRE e não a Justiça comum", argumentou.

A defesa de Micarla de Sousa pode ganhar novos personagens nos próximos dias. Ela tem ouvido juristas de searas diversas e analisa a possibilidade de modificações na equipe de advogados. Paulo Lopo Saraiva trabalha com a família da prefeita afastada faz mais de 20 anos. Ele afirmou que entre as principais causas de sua atuação jurídica estão algumas defesas do pai de Micarla, o senador já falecido Carlos Alberto de Sousa. Saraiva é um experiente advogado constitucionalista e a pevista estaria procurando um expoente da área penal, que pudesse somar na elaboração dos recursos a decisões que porventura sejam tomadas.

Ontem, a prefeita afastada reuniu-se na TV Ponta Negra com Lopo Saraiva e ao longo da tarde teve um encontro com um advogado renomado da capital.

Amaury Moura explica segredo de Justiça

O desembargador Amaury Moura Sobrinho, relator do processo do pedido que resultou no afastamento de Micarla de Sousa do cargo de prefeita, explicou que a manutenção do segredo de justiça é para preservar as partes e evitar qualquer pré-julgamento. "Não sou eu que estou dizendo, é a lei, é o que diz para esse processo".

Analisando as recentes declarações da prefeita afastada de que poderá pedir o fim do segredo de justiça nesse processo, o desembargador ressaltou que essa é uma atribuição que só cabe à Justiça. "Se ela (Micarla de Sousa) quer falar sobre a parte dela, isso é problema dela. Mas o segredo de Justiça, inclusive porque envolve outras pessoas, está mantido", disse o relator.

Ele explicou que o processo, após o deferimento da liminar, seguirá o rito normal. Foi aberto prazo de dez dias para a defesa da prefeita afastada apresentar as argumentações e a defesa prévia. "Vamos seguir com a instrução processual", disse o desembargador.

O processo judicial que culminou com o afastamento da prefeita Micarla de Sousa passará pouco tempo no Tribunal de Justiça. Logo que deixe o Executivo da capital, o que ocorrerá no dia 31 de dezembro, ela perde o foro privilegiado e o processo volta para a primeira instância.

Nesse caso haverá uma discussão jurídica para saber se o processo será conexo com o dos secretários Jean Valério e Bosco Afonso ou terá uma nova distribuição.

Processos contra secretários vão à Sétima Vara Criminal

O desembargador Amaury Moura desmembrou a Ação Cautelar que pediu o afastamento da prefeita Micarla de Sousa porque outros citados - os secretários de Esporte, Jean Valério; de Meio Ambiente e Urbanismo, Bosco Afonso; e o ex-marido da pevista, Miguel Weber, não possuem foro privilegiado e por isso devem ser julgados pela justiça de primeiro grau. Como o processo tem relação com a Operação Assepsia, o magistrado encaminhou as acusações contra os auxiliares e Weber direto para a 7ª Vara Criminal de Natal, onde é juiz José Amando Ponte.

Até ontem o processo não havia chegado em poder de Ponte, segundo informações da assessoria de imprensa do TJ/RN. Jean, Bosco e Weber foram citados pelo Ministério Público como beneficiadores e intermediadores do esquema desbaratado no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde. As supostas fraudes são relativas à contratação de organizações sociais para gerir serviços de saúde. Em virtude do suposto envolvimento, o procurador Manoel Onofre Neto pediu à Justiça o afastamento da prefeita e dos auxiliares de suas funções públicas.

Em entrevista no dia em que deu entrada na denúncia, Manoel Onofre Neto não deu nenhum detalhe acerca do suposto envolvimento da prefeita e dos secretários Bosco Afonso e Jean Valério.

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