Blogs fazem jornalismo? Para o @mprn_imprensa, não

O Ministério Público do RN realizou este ano a segunda edição de seu prêmio de jornalismo. Na primeira, me inscrevi para disputar a categoria de jornalismo online. Não havia nenhuma restrição a blogs no regulamento, mas minha inscrição foi indeferida.

No segundo, uma cláusula do regulamento previa, especificamente, que blogs e sites pessoais não podiam disputar. Pensei em representar contra a cláusula, mas terminei não fazendo.

Esperei passar o concurso para apontar, de público, como jornalista e professor de jornalismo da UFC, a incongruência de tal norma. Aliás, falo isso também na condição de um pesquisador que realizou seu mestrado e seu doutorado sobre blogs.

Essa é uma questão que do ponto de vista da prática e dos estudos do jornalismo já se encontra superada.

Felipe Pena, professor da Universidade Federal Fluminense, com doutorado em Literatura pela PUC-Rio, discute a questão em sua “Teoria do Jornalismo” (editora Contexto, 2012). Pena lembra que os “medalhões” do jornalismo nos Estados Unidos chamam os blogs de “jornalismo de pijamas”, mas que não se pode pôr em dúvida seu poder de questionar a chamada grande mídia, como é exemplo o conhecido Rathergate.
Já Patrícia Ceolin do Nascimento (Técnicas de redação em jornalismo: o texto da notícia. São Paulo: Saraiva, 2009), doutora em Comunicação pela USP, diz em sua página 109: “Os blogs dedicados ao jornalismo, por exemplo, incluindo aqueles de jornalistas vinculados a grandes empresas de comunicação, proliferam na rede e se tornam espaços inovadores de informação, espaços subjetivos e interativos, como é próprio dessa mídia”.

Ela complementa: “Deixam de ser ‘jornalismo’ por causa disso? É claro que não. A informação só tem a ganhar com tamanha multiplicidade e, em numerosos exemplos, com melhor qualidade de texto, com relatos mais criativos e ‘assumidos’, desde que, obviamente, mantenha-se a ética, o cuidado na apuração e na divulgação do que quer que seja”.

Uma das grandes referências nos estudos do jornalismo online é o brasileiro Rosental Calmon Alves, que lidera o Centro Knight e é professor da Universidade do Texas em Austin. Rosental dirigiu a entrada da operação do Jornal do Brasil na Internet em meados dos anos de 1990. Diz ele:

“Os blogs e todos esses sistemas novos podem parecer frágeis, pouco confiáveis e pouco sérios. Mas eles são uma demonstração da criatividade e inovação que está acontecendo fora do âmbito do jornalismo tradicional. Ao completar sua primeira década, o jornalismo on-line entra numa etapa de seus desenvolvimento em que é vital acompanhar de perto e estudar o significado dessas iniciativas que estão surgindo na medida em que a Revolução Digital avança e rompe os paradigmas tradicionais da comunicação. Se quisermos manter vivo o jornalismo independente e profissional, que é tão importante para a democracia, precisamos adaptá-lo ao novo ambiente midiático que está em formação” (citado por Magaly Prado, Webjornalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2011).

A própria Magaly Prado, ao historiar os blogs, lembra que existem blogs jornalísticos que chama de oficiais, por estarem ligados a empresas jornalísticas, assim como blogs de jornalistas independentes. A autora descreve, então, os blogs, pressupondo-os como veículos e/ou gênero do webjornalismo - é disso que trata seu livro.

Ainda Rosental Alves, em entrevista ao jornalista Claudio Tognolli, um dos principais jornalistas investigativos do país, doutor em Filosofia da Ciência e professor da USP, afirma que esse novo formato de jornalismo na Internet - e representado pelos blogs - é um jornalismo sem fins lucrativos e se constitui um dos fenômenos mais importantes do jornalismo norte-americano hoje em dia.

A entrevista do professor Rosental foi apresentada em forma de comunicação científica e, posteriormente, artigo por Cláudio Tognolli, publicada, sintomaticamente, no livro “Jornalismo investigativo e pesquisa científica: Fronteiras”, organizado por Rogério Christofoletti e Francisco José Karam (Florianópolis: Insular, 2011). Diz ainda Rosental Alves: “Enquanto o jornalismo tal como o conhecemos está morrendo, novas formas de jornalismo estão sendo construídas. (...) O leitor quer editar, não quer apenas ser editado por alguém”.

A discussão, no entanto, não é recente.

John Hiler, um pesquisador norte-americano, apontava já, em 2004 (no estudo "Blogosphere: the emerging media ecosystem"), o desafio representado pelos blogs ao jornalismo devido ao fato de que eles parecem estar mais próximos das notícias. 

Em confronto com a blogosfera, o jornalismo tradicional e estruturado perde cada vez mais a possibilidade de “dar furos”.

A força dos blogs em relação ao jornalismo se acentuou com os atentados de 11 de Setembro contra Nova York e Washington (EUA).

Muitos sobreviventes e testemunhas dos ataques começarem a escrever blogs que relatavam, com muito mais riqueza do que fazia a mídia, os acontecimentos, atraindo um contingente cada vez mais significativo de leitores (warblogs).

Os warblogs se tornaram elementos importantes na cobertura e análise da chamada Guerra Contra o Terror deflagrada pelos Estados Unidos após os atentados.

Os blogs informativos despertam o interesse dos leitores porque dão acesso a uma outra perspectiva das notícias.

A partir disso, é possível a emergência de uma mídia colaborativa, uma simbiose entre jornalismo e blogosfera, que significa, por um lado, os blogs pautando a mídia estruturada, e, por outro, a blogosfera também se alimentando do jornalismo, especialmente o online.

O jornalismo interativo se constitui em uma forma de controle da veracidade das notícias e informações do ciberespaço, já que qualquer pessoa pode enviar a correção de uma informação errada ou de alguma desinformação.

Por isso, Hiler acreditava em 2004 que a blogosfera, mesmo sem ser perfeita, é o mais robusto e diversificado “ecossistema midiático” da atualidade.

Um dos elementos que pode contribuir para a compreensão dos blogs como veículo de comunicação jornalística diz respeito à obediência aos seus elementos discursivos e rotinas de produção. É o que esclarece o pesquisador Gustavo Fischer.

A partir de uma perspectiva das teorias contemporâneas do jornalismo, Gustavo Fischer ("A condição de sujeito como autor-produtor nos diários online: examinando alguns aspectos", de 2004) relaciona os blogueiros aos jornalistas: 

A primeira dessas relações, o autor estabelece na condição do “saber de narração”, tipificado na narração como construção de uma realidade no exercício do jornalismo, mas que está presente também na prática blogueira.

Condiciona também a postagem de textos em blogs a processos de restrição semelhantes aos presentes nas rotinas de produção de notícias pela mídia estruturada.

Outra questão destacada por Fischer (2004) diz respeito aos critérios de seleção e produção de estórias, por parte dos blogueiros, valendo-se dos chamados valores-notícia para estruturar os sentido na produção dos blogs.

Dessa forma, os sujeitos escrevem, segundo o autor, firmados em critérios que dão coerência e inteligibilidade aos seus textos, que geralmente se apresentam de maneira episódica.

Diante desse quadro é que podemos perceber, sem grandes discussões, a emergência do jornalismo na chamada blogosfera. Não à toa, ninguém questiona que jornalistas como Leonardo Sakamoto (http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br), Josias de Sousa (http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br), Fernando Rodrigues (http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br), Frederico Vasconcelos (http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br), Ricardo Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/), Carlos Alberto Barbosa (http://www.blogdobarbosa.jor.br) façam jornalismo em seus blogs, ainda que se possa questionar se o fazem com ou sem qualidade.

Tudo isso, por fim, serve somente para esclarecer que a discussão sobre blogs como jornalismo já está muito superada, seja do ponto de vista conceitual, seja do ponto de vista pragmático. Além disso, tem sido a experiência em toda parte que os blogs muitas vezes têm mais liberdade e desenvoltura para o tratamento de questões delicadas na sociedade.

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