Como ter uma imprensa livre e independente para publicar esse tipo de informação?

Hoje, finalmente, comecei a corrigir alguns trabalhos atrasados de meus alunos.
Uma boa parte deles escreveu resenhas sobre um filme que considero importantíssimo para a compreensão das rotinas de produção da notícia e o funcionamento da mídia.  É O Informante (The Insider), com Russel Crowe e Al Pacino.
O filme foi dirigido por Michael Mann em 1999.  Relata uma história real: uma história por trás da produção do "60 minutes"e a luta de um jornalista para ver veiculada no programa uma importante denúncia: os donos da indústria de cigarros mentiram quando, em depoimento ao Congresso Americano, disseram em 1994 que os fabricantes desconheciam os riscos que o consumo de nicotina traziam aos fumantes.
A pergunta que encima esse texto é do trabalho de uma de minhas alunas.
O filme retrata o momento em que a CBS Corporate impediu a CBS News de publicar o material.  O motivo: o grupo midiático estava em processo de venda e não poderia se submeter a um processo judicial que, com certeza, viria como decorrência da veiculação da entrevista de Jeffrey Wigand, o personagem de Crowe.
Pela manhã, li na timeline do juiz estadual Odinei Draeger comentários sobre a mídia e a tentativa de se estabelecer um marco legal sob a qual ela esteja sujeita que, lamentavelmente, são desmentidos por fatos como esses relatados no filme.
As sucessivas críticas ao monopólio dos grandes meios de comunicação escondem o objetivo real que é aparelhar toda a imprensa.
Grandes jornais e revistas têm anunciantes, que lhes dão a possibilidade de criticar sem temer represálias. Imprensa livre é isso.

Digo lamentavelmente não porque o comentário surpreenda.  Afinal, Draeger é transparente sobre seu posicionamento sócio-político: na sua bio do twitter, se identifica como "conservador" e escreve no site Direito e Liberalismo (http://direitoeliberalismo.org).
O que é lamentavel é que o comentário se fundamenta em uma falácia ideológica do campo jornalístico e em afirmações que se fundam no senso comum.
Qualquer pesquisador minimamente informado do campo da mídia sabe que não é verdade a ideia de que grandes "jornais e revistas têm anunciantes, que lhes dão a possibilidade de criticar sem temer represálias". O oposto está mais perto da verdade.
Os anunciantes, muitas vezes, são motivo mais que suficientes para que as pautas sejam derrubadas.  Sem levar, em conta, evidentemente, os aspectos político-ideológicos das motivações dos proprietários dos jornais.
A história é repleta de exemplos, como os retratados pelo filme, que contestam a ideia de que jornais e revistas publicam sem temer represálias por terem anunciantes.
Quando as denúncias contra políticos do DEM foram veiculadas no bojo da delação premiada de Alcides Barbosa na Operação Sinal Fechado, o Novo Jornal, por exemplo, não publicou uma linha sequer.
Quando eu mesmo publiquei os áudios das investigações que batizei de #Caixa2doDEMnoRN, o Jornal de Hoje foi honrosa exceção entre os impressos do estado.
Alguém duvida que notícias contra Micarla de Sousa nunca seriam veiculadas pela TV Ponta Negra?  Que notícias contra Henrique dificilmente passariam pela pauta da Tribuna do Norte?
Imagina se um veículo publicaria uma manchete negativa contra o maior anunciante do jornal.
Não são apenas os valores-notícia que determinam o que se tornará notícia em um veículo de imprensa. Os condicionamentos políticos, sociais, ideológicos e econômicos dos proprietários dos grupos econômicos determinam o que pode passar ou não pelo portão de informações da redação.
O jornalista que discordar disso atire a primeira pedra. E aproveite para responder a pergunta de minha aluna:
Como ter uma imprensa livre e independente para publicar esse tipo de informação?

P.S.: Leio no trabalho de outro aluno:

Por fim, destaco outra questão que me chamou atenção em O Informante: os interesses comerciais das empresas jornalísticas e até que ponto elas devem interferir no que é (ou deve ser) informação ou não. No filme, fala-se das diferenças entre "homens de negócios e homens de notícias".  É uma linha tênue e delicada para todo profissional de mídia, especialmente hoje em dia.  Afinal, quem define o que é notícia? Toda notícia tem o seu valor? A que custos? Um dos personagens, durante a trama, fala que "a imprensa é livre para os seus donos". Haverá, então, outras maneiras de garantirmos nossa liberdade?

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