Para futuro secretário, terceirização na saúde é capítulo encerrado

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Petista histórico e fiel defensor do Sistema Único de Saúde (SUS) em primeiro e único plano, o médico Cipriano Maia, futuro secretário de Saúde do município, demonstra preocupação com o cenário de "descontrole administrativo" no qual encontrou a SMS. Segundo ele, há falta de insumos nas unidades, poucos profissionais atuando e contratos de terceirização preocupantes. O orçamento previsto para a pasta, segundo ele, não é animador. "Mas vamos trabalhar com o que temos de maneira racional e otimizada", disse. Ele garante que a terceirização na gestão do sistema ficou no passado e o poder público assumirá de maneira unilateral o gerenciamento da área. Cipriano ainda não dispõe de um diagnóstico completo do que herdará na pasta, mas afirma que as informações parciais disponíveis já o preocupam. Confira a entrevista:

Qual a situação da SMS hoje?
Nós já recebemos um relatório geral de gestão e vários outros relatórios parciais. O texto escrito nem sempre retrata a realidade. Mas a situação, como todos sabemos, é extremamente crítica, seja pela precariedade do funcionamento dos serviços, tanto da rede básica, quando tem carência enorme de profissionais, problemas de manutenção de equipamentos, a exemplo das equipes odontológicas que estão sem contrato desde junho de 2012 e, portanto, muitos serviços deixam de ser realizados porque os equipamentos quebram e não tem manutenção. Falta também insumos. Enfim, é uma situação de precariedade generalizada na rede básica e em alguns serviços especializados também, haja vista a situação das maternidades, onde algumas delas estão sem funcionar por falta de profissionais. A secretária fez todo um esforço de renovar o contrato com a cooperativa médica, mas eles não estão honrando esse contrato e pela informação que eu tenho só está funcionando uma maternidade, que é a das Quintas. A outra não está funcionando por falta de obstetra e pediatra. Esse quadro se agrava porque os profissionais da própria Secretaria, que estão na escala, já completaram a escala em torno do dia 15 de dezembro. Então isso é uma situação de extrema calamidade na Saúde Pública e se reflete no conjunto dos serviços.

Esse caos generalizado se reflete na situação financeira?
Não temos ainda uma ideia precisa do montante de dívidas que serão repassadas porque a informação que temos é que esse controle é da Sempla [Secretaria Municipal de Planejamento]. Boa parte dos recursos da fonte 111 estão sob controle da Sempla e a Secretaria de Saúde não tem essa informação. O que sabemos é que existem muitos contratos em atraso com fornecedores ameaçando suspender serviços ou fornecimento de ações. Eu posso citar por exemplo a empresa que fornece gases medicinais, que já ameaçou suspender o fornecimento e isso vai ser crítico para todos os serviços. A empresa de vigilância também está com atrasos e ameaçando retirar os seguranças dos serviços de saúde. A própria prestadora de serviços terceirizados de apoio também tem um contrato para vencer agora em janeiro e também já está com atrasos e ameaça de paralisação. Então é uma situação extremamente crítica do ponto de vista da gestão. Nós temos que deixar claro que a atual secretária tem feito esforços, mas é uma situação de desestruturação da Secretaria, que levou a um quadro realmente de extrema dificuldade de fazer os serviços funcionarem, de cobrar responsabilidade dos profissionais, então esse é o quadro.

A Prefeitura tem aplicado o percentual mínimo de 15% do orçamento com a Saúde?
O município tem gasto entre 19% e a previsão do próximo ano é de 22%. Mas não temos o Fundo Municipal de Saúde implementado, segundo manda a lei, e esse é um desafio que nós vamos enfrentar. Esse recurso do orçamento que vem da receita própria teria que ir para o Fundo sob gestão do secretário municipal de Saúde, quer dizer essa lógica de ficar pedindo autorização da Sempla é inviável.

Até que ponto o desabastecimento da rede tem afetado os serviços prestados?
Nós tivemos nesse processo de transição sucessivas conversas com a secretária, com sua equipe, com vários setores, e eles nos asseguram que nos últimos meses tem sido efetivado um grande volume de compras e que muitos itens, inclusive medicamentos, nós teremos abastecimento. Até porque houve uma Ação do Ministério Público cobrando essa responsabilidade para que a futura gestão não assumisse uma situação de absoluta calamidade. Então temos sido informados de que há estoques. O que posso dizer é que eu visitei o Nuplan e no caso de medicamentos havia estoque para um conjunto grande de itens. Mas há falta também em vários itens específicos que eles mesmo nos informaram alegando que o fornecedor que ganhou a licitação não quer mais entregar porque a alega que o preço já está defasado. Enfim, tem faltas pontuais e me parece que o principal na Secretaria é a falta de um sistema de almoxarifado, de abastecimento, de compra eficiente, que possibilite você ter um fluxo regular.

Há um descontrole?
Eu diria que na realidade a situação de almoxarifado, de compras é quase de total descontrole. Não tem nada informatizado, pelo que eu fui informado, então este é um desafio primeiro da gestão, informatizar todos os processos de gestão, instituir controles e realmente você garantir uma avaliação mais regular desse processo de suprimento. Eu diria que o desafio primeiro da gestão é assegurar as condições básicas para você ter os profissionais trabalhando nos serviços.

Qual o tamanho da dívida com fornecedores?
Isso é extremamente preocupante porque o serviço de saúde, principalmente quando você pensa em pronto-atendimento, maternidades, eles não podem faltar. As vezes você falta um medicamento básico e aquele já inviabiliza a atenção, o cuidado oportuno, então na verdade nós precisamos ter um diagnóstico melhor desses itens que são essenciais. É uma situação extremamente preocupante. Além dos insumos básicos que a gente precisa realmente assegurar, essa questão do cumprimento dos contratos também é muito importante. Para isso, a gente vai chamar um diálogo com todos os prestadores, as empresas que têm contratos com o SUS porque nós temos a clareza da responsabilidade com o setor público de honrar contrato. Assim como vamos também cobrar, de quem faz contrato com o SUS, que ele efetivamente assegure aquilo que está previsto no contrato. Então a avaliação do contrato vai ser mais um desafio que temos de trabalhar. Mas é realmente preocupante essa situação de ameaça de não fornecimento de gases medicinais, como eu falei antes. Isso pode pôr a vida de muitas pessoas em risco e inviabilizar o trabalho profissional e fechar os serviços. É uma ameaça iminente, como a falta de segurança nos serviços, a falta de serviços gerais, de limpeza e de tudo que são os contratos que estão em atraso ou vencidos e que a gente - apesar da atual equipe estar tentando equacionar - a gente está acreditando que talvez vá receber sem muitas dessas soluções equacionadas.

Haverá um censo dos servidores?
Essa é uma necessidade, saber quem são os servidores, onde estão e isso nós vamos trabalhar nesse sentido de fazer esse levantamento, de fazer uma análise da folha de pagamento, de todos os pagamentos que são feitos e isso é uma necessidade imperiosa para que a gente tenha exatamente a racionalização desses recursos com pessoal. Isso tudo é para caso identificarmos alguma distorção podermos corrigi-la.

Há previsão para concurso público?
O prefeito já se comprometeu em fazer concurso. Agora para isso, a gente vai ter que racionalizar muito bem o recursos dispendidos em folha de pessoal. Nós tivemos nessa última gestão o plano de carreiras, que teve uma melhoria na remuneração dos profissionais, mas nem sempre correspondeu por desestruturação da gestão. Então esse é um problema que com certeza vamos enfrentar. Equacionar a gestão do trabalho, utilizar melhor os profissionais que temos e racionalizar essa contratação de serviços profissionais complementares, como contratos temporários, cooperativas. Então esse é um debate que está presente e que a gente com certeza vai enfrentar nesse primeiro ano, dado o grau de desestruturação do sistema. A gente não pode dizer que vai equacionar em três meses ou seis, um ano talvez ainda seja insuficiente, mas nós vamos construir passo a passo a reestruturação do SUS em Natal. Já há essa perspectiva de realizar um concurso, mas isso se pressupõe essas etapas prévias. É preciso conhecer a necessidade, a demanda, ver a disponibilidade de recurso, como você vai incorporar profissional, de onde vai diminuir, além disso, tem os limites da lei de responsabilidade fiscal, que limita algumas possibilidades. A gente espera que até o fim dos 180 dias já estejamos com esse concurso na rua.

Quantas unidades estão sem funcionamento?
Nós temos hoje 53 unidades básicas e algumas delas estão sem funcionar inclusive por problemas prediais. Temos várias com alugueis vencidos, ameaça de despejo, então são vários prédios da Secretaria que enfrentam esse problema. Muitas delas funcionam precariamente, mas paralisada mesmo estão a da Guarita, pelo informe que eu tive, e as outras estão com funcionamento parcial, limitado, porque muitas vezes faltam as condições de funcionamento.

Quais as medidas iniciais para sanar os problemas?
Nós já estamos dialogando com a atual gestão para estar equacionando esse problema de contrato, para a gente não sofrer solução de continuidade e vamos também estar correndo atrás do prejuízo de evitar a perda de recursos para agilizar a construção de novas unidades. Nós temos projetos apoiados pelo Ministério para a construção de oito novas unidades básicas que estão ameaçados de ser devolvidos e consequentemente de se perder a possibilidade por falta de licitação dessas obras, temos duas Upas também nessa situação e na verdade a gente vai correr atrás para dar agilidade a esses processos administrativos e fazer tarefas para tentar equacionar esses problemas e garantir o funcionamento dos serviços existentes e ver como vamos trabalhar o aumento do potencial de oferta de serviços, a incorporação de novos profissionais, mas sabendo que a contratação de novos profissionais leva um tempo maior. Mas a gente ainda vai depender de contratação de serviços por outras modalidades até que a gente venha a viabilizar concurso público.

Será dada continuidade às terceirizações?
A diretriz, inclusive que está no programa de Governo do prefeito eleito e ele manifestou isso na campanha, é de que a terceirização dos serviços finalistas não será opção de gestão. Nós vamos fazer gestão pública. Isso já está decidido e neste sentido a gente já sinalizou - quando o MPE propôs a intervenção e depois o encerramento do contrato com a Marca - havia um processo de fazer uma nova licitação para não fechar a Upa de Pajuçara e a gente já sinalizou que esse não seria o caminho. Então essa vai ser a diretriz. Até que façamos o concurso público vamos realizar as contratações já sob gestão pública. A terceirização na gestão foi um capítulo encerrado no SUS municipal.

Isso foi condição para o senhor aceitar o convite?
A minha trajetória de construção e defesa do SUS e esse fortalecimento da perspectiva de um sistema público, o fortalecimento do trabalhador da saúde, a valorização e a responsabilização. Agora isso não significa que dentro do que a lei permite a gente não possa estar contratando serviços complementares ou suplementares para viabilizar o direito à Saúde através de modalidades públicas, como já ocorre quando se contrata hospitais para prestar serviços, laboratórios, exames complexos, etc. Então isso aí está dentro da legalidade e a gente tem que cada vez mais exercer o poder de regular para que esse serviço também se faça com qualidade e atendendo os direitos dos usuários com humanização, como a gente tenta construir e defende para o SUS.

O que está programado para a abertura da UPA de Cidade da Esperança?
Tem um problema na Upa que já fomos cientificados. Ela não foi ainda recebida pela Prefeitura porque tem uma pendência de obras. A atual secretária vem tentando resolver isso, mas não sabemos se ela resolverá. Em assumindo a SMS a gente vai tentar resolver essa pendência e começar a construir a proposta de funcionamento logo que temos resolvido isso.

O que vai ser feito dos Centros Clínicos as AMEs?
Nós não temos a perspectiva de retomar essa questão de serviços de atenção especializada apartado da rede. Nossa perspectiva é reorganizar o conjunto das redes assistenciais, tanto a básica como a de atenção especializada ambulatorial, inclusive tendo as policlínicas como base para essa reorganização, a regulação dos serviços prestados pela rede estadual e municipal e também os prestadores privados. A AME foi uma proposta deste Governo que se encerrou e que a gente não pretende retomar. Vamos, sim, reorganizar a rede de atenção especializada, o serviço continuar sendo prestado, tendo como base as policlínicas que serão

Haverá alguma auditoria na SMS?
Essa é uma tônica de qualquer gestão que assume, principalmente quando você tem alguma situação que viveu o município de Natal nos últimos anos, de você fazer uma análise de todos os contratos em execução, sejam administrativos ou de prestação de serviços para você avaliar não só a legalidade deles e a economicidade. Então essa análise geral será procedida no tempo oportuno e nós vamos recorrer o apoio dos órgãos de controle para viabilizar isso. Isso já vem sendo trabalhado no conjunto da administração e a gente pretende também fazer isso na Saúde para que a gente tenha uma segurança de que esses contratos estão realmente dentro da legalidade e com o custo que seja realmente racional para o sistema.

O orçamento aprovado para a Saúde atende as expectativas?
Primeiro não temos expectativa que esse orçamento se realize. A própria secretária disse acreditar em superestimação de receita. E boa parte desses recursos são de captações do Ministério, que depende de contrapartida, depende de efetivação das condições pactuadas. Nós vamos correr atrás de assegurar essas contrapartidas e essas pactuações para que o recurso chegue porque nós já tivemos em anos anteriores uma estimativa de transferência federal do SUS que ficou em torno de 60% do que foi estimado. Para se ter uma ideia, em 2011 João Pessoa (PB) recebeu de transferência em torno pouco mais de R$ 270 milhões e Natal só executou menos de R$ 160 milhões. Então nós temos que trabalhar muito, ter capacidade de gestão para poder viabilizar essas transferências. O nosso desafio vai ser racionalizar o máximo esses recursos para que eles possam render o melhor possível para o usuário, para a prestação de serviços mais adequada.

O senhor terá que administrar uma soma considerável de restos a pagar...
Isso realmente já está previsto. Nós não temos esse dimensionamento, mas temos certeza de que será volumoso e que isso é mais um fator agravante a comprometer a viabilização dos objetivos do sistema no próximo ano. Os restos a pagar vão entrar para o orçamento de 2013 e isso já vai comprometer boa parte inclusive de algumas previsões que estão sendo feitas para melhorias.

O senhor vai pagar todo o débito remanescente?
A gente vai analisar todos. E aí não é a Saúde, é a Prefeitura, Governo, que vai analisar todos esses restos. Isso é praxe de qualquer Governo, que vai priorizar, evidentemente em função dos recursos e a partir de uma avaliação real de uma auditoria dos contratos, dos serviços efetivado. Deve ser feito um escalonamento que certamente o prefeito vai estar negociando para toda a administração.

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