Dissertação da UFRGS abordou história do PCBR e citou Rubens Lemos


Estou lendo trechos de uma dissertação de mestrado que aborda o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). O trabalho de Renato da Silva Della Vechia, apresentado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), restringe sua pesquisa do Partido entre 1967 e 1973 e tem como título "Origem e evolução do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário".
Pode ser acessado no link.
O trabalho identifica duas identidades falsas de meu pai, Rubens Lemos: Edson da Silva Neves e Túlio Lins Monteiro.   Chamou-me atenção um pequeno detalhe familiar: Neves e Monteiro são famílias ligadas à minha e à infância e juventude de meu pai.  Duas de suas irmãs mais velhas, com quem meu pai em vários momentos cresceu, casaram-se com um Neves (Nila, a mais velha, e mãe de meu primo Aldemir) e com um Monteiro (Honorina, com quem meu pai morou no interior de Pernambuco).
O trecho abaixo eu retiro do trabalho de Della Vecchia:
***
A história de vida de Rubens Lemos também merece ser conhecida, mesmo que o relato seja sintético. No final dos anos 60, Rubens Lemos, que era militante do PCBR, mas que tinha uma vida legal como jornalista em Natal, é avisado que sua casa tinha sido vasculhada pela polícia e que não poderia voltar lá. Entra em Natal de madrugada e durante quatro dias fica acampado em uma praia enquanto arruma as condições para seu deslocamento e se despede de sua segunda mulher, Isolda, e de seu filho, Rubinho. Vai para a Paraíba e, posteriormente, para o Rio de Janeiro. Quem tira Rubens de Natal é seu sobrinho, Aldemir Lemos, que também era área de influência do PCBR (membro de uma OPP – organização para-partidária). Aldemir transporta Rubens dentro do porta- malas de um automóvel. Com o seqüestro do embaixador suíço e em função da enorme repressão, o Rio não era um local adequado para um refugiado político. De lá dirige-se para São Paulo onde fica alguns dias na casa de uma tia e, posteriormente, em uma pensão. Consegue um esquema de apoio e vai para Montevidéu, em um ônibus de excursão, fantasiado de torcedor do Palmeiras, time que iria jogar contra o Nacional pelo torneio Taça Libertadores da América.
No Uruguai encontra-se com Djalma Maranhão, ex-prefeito de Natal que lhe apresenta João Goulart e lhe arruma uma passagem para Santiago do Chile, passando por Buenos Aires através de viagem marítima. Chega no Chile dia 20 de março de 1971, período do governo Allende, consegue um emprego como jornalista e manda chamar sua esposa Isolda e seu filho Rubinho. No entanto, poucos dias antes de chegarem, Rubens perde o emprego. Passam por diversas necessidades e Isolda engravida. Todavia, em função dos graves conflitos de rua, em que a direita chilena praticamente caçava os militantes de esquerda nas ruas, nesse período próximo ao golpe que irá derrubar Allende, Rubens, que já tinha vivido esta situação no Brasil, acha melhor que sua mulher volte para Natal com seu filho. Chegando ao aeroporto no Rio de Janeiro, sua esposa e seu filho são presos durante alguns dias até serem liberados para poder voltar a Natal. Rubens, incumbido de voltar ao Brasil, sai do Chile para a Argentina pelas Cordilheiras. Durante o dia protegiam-se dos carabineiros e dos guardas florestais escondendo-se na vegetação e à noite caminhavam quinze minutos e descansavam três em meio a um clima muito frio. Leva três dias para conseguir sair do Chile, enfrenta inúmeras situações de risco. Quando Rubens chega a São Paulo e contata o militante que tinha ido buscar, essa pessoa tinha assumido um compromisso de realizar uma ação conjunta com outras organizações e não poderia romper o acordo. Rubens teria de esperar uns quinze dias. Enquanto isso, ele vai a Recife e a Bahia repassar alguns documentos produzidos pela organização no exterior. Recontata Renato Carvalho e Marcos Carvalho na Bahia e desloca-se para Pernambuco onde faz novos contatos. No nordeste, com saudades da família e querendo conhecer a filha de seu segundo casamento, (Yasmine), que havia nascido enquanto ele estava no Chile, liga para Aldemir para que ele montasse um esquema para sua chegada. Aldemir espera Rubens na entrada da cidade e monta um esquema de visita à sua esposa (com outra identidade e disfarçado). A partir da visita, Rubens, rompendo normas de segurança, comunica a Aldemir que ficaria alguns dias em uma casa de praia que Isolda arrumou para ele. Poucos dias depois, dia cinco de setembro de 1973, é preso quando foi à casa de um amigo de infância para almoçar. Com a prisão de Rubens, o Comitê Central no exterior fica com muita dificuldade de contatos no Brasil.
No início dos anos 90, quando Collor anunciou seu Ministério, Rubens Lemos acusou o anunciado ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Sócrates da Costa Monteiro, de tê-lo interrogado no DOI-Codi de Recife durante o período em que esteve preso e torturado. Em 1982, Rubens disputou a eleição para o governo do estado do Rio Grande do Norte, pela legenda do PT, o que o tornou bastante conhecido naquele estado e até mesmo nacionalmente, o que, de certa forma, ajudou na repercussão da denúncia que fez. Rubens, que tinha sido preso dia 5 de setembro de 1973, afirmou que foi interrogado por Sócrates uns 40 dias após sua prisão, no final de outubro. Durante esse período, estava sendo torturado e vendo pessoas sendo mortas. Um dia é levado para uma sala encapuzado e apenas de cuecas, sendo visível marcas de tortura em seu corpo. Quando retiram seu capuz, viu um homem que irá lhe interrogar e que, mais tarde, reconhecerá como sendo o brigadeiro Sócrates Monteiro. Lembra que ele
Estava vestido em trajes civis. Lembro que usava uma camisa bege clara e mantinha uma postura de falsa elegância. Era muito simpático e me ofereceu café e cigarro, mas recusei de pronto. Ele disse que eu estava sendo deselegante e respondi que estava sendo precavido, pois não sabia o que havia no café e no cigarro (Jornal do Brasil, 24/01/90).
Rubens lembra que seu interrogador demonstrava ser uma pessoa inteligente e que falava com conhecimento do marxismo e sobre as diferenças ideológicas da esquerda. Disse a Rubens que “estamos aqui numa espécie de jogo de gato e rato, pois há um quebra-cabeça, prestes a ser desmontado e você é uma das peças dele”. Como não colaborou com o interrogatório, ao ser retirado da sala foi novamente levado à tortura quando levou uma surra inesquecível naquela noite. Rubens Lemos, que na época denunciou de forma veemente a condição de torturador de Sócrates, não tinha nenhuma dúvida quanto à identidade do seu torturador
Não há cara que na dor e na violência desapareça. Ele não aparecia com a chibata nas mãos nem com equipamento de choques elétricos. Mas tinha conhecimento das mortes que aconteciam nos porões da repressão (jornal do Brasil, 24/01/90).

***
Della Vechia fala ainda sobre José Gersino Saraiva Maia, delator do PCBR, quando volta a se referir ao meu pai:
***
José Gersino Saraiva Maia, acadêmico de medicina no Rio Grande do Norte, era membro do comando político militar e também já tinha feito uma ação com Claudio Gurgel no Ceará, quando da posse do General Portela. O armamento do Rio Grande do Norte para Pernambuco foi levado por Gurgel e Gersino para uma ação de expropriação de um carro pagador, ação que foi feita exatamente no dia da posse, em meio a grandes festividades públicas na cidade. A expropriação concretizou-se sem incidentes, embora tenha rendido muito pouco em função de que havia pouco dinheiro e muito cheque, os quais ninguém quis se arriscar a tentar trocar em algum banco.
Posteriormente, depois de preso, Gersino irá fazer um pronunciamento público dirigido ao comandante da Marinha e datado em cinco de julho de 1971, que será publicado nos jornais e aparecerá na televisão arrependendo-se de sua militância, elogiando o regime militar e fazendo acusações à esquerda (em anexo).
Na lembrança de Cláudio Gurgel, que conviveu com Gersino, embora saiba que foi denunciado por este, ainda assim procura compreender o porquê de suas atitudes
A mim, por exemplo, ele denunciou e eu recebi essa informação. E para ele me denunciar, eu que era uma pessoa que se incluía no rol de seus prediletos companheiros, eu tenho certeza disso, ele deve ter sofrido enormemente (...) ele era um jovem idealista com muita lealdade aos companheiros, muita fraternidade, era uma pessoa muito fraterna, e certamente ele foi submetido às torturas, a que já nós havíamos sido submetidos e por alguma circunstância fez o que fez (entrevista Cláudio Gurgel, fita no 28).
Já Rubens Lemos, jornalista de Natal que estava refugiado no Rio de Janeiro, lembra, em um artigo intitulado “Memórias do Exílio”, a reação que teve ao deparar-se com as declarações de Gersino para um jornal.
Andando pela rua México, via estampada na primeira página do Jornal do Brasil, a fotografia de G, ex-lider estudantil natalense e transformado em guerrilheiro. G, para minha surpresa, aparecia risonho tomando cafezinho ao lado de alguns policiais. Dele, o jornal publicava também uma terrível carta. G, (cuja covardia não lhe honra a menção do verdadeiro nome), pedia perdão do Ditador de plantão e se declarava pateticamente arrependido (LEMOS, Rubens. Diário de Natal, 02/04/2004, pg. 4).
***
Sobre Gersino, a advogada Mércia Albuquerque que defendeu inúmeros presos políticos falou em seu diário:

J. G. S. Maia
Busco o futuro, mergulho no passado.
O pequeno filósofo do PCBR estava preso.
O nosso encontro foi melancólico, tenso, pois estava advertida que iria defrontar-me com um delator. Ele, pálido, desestruturado emocionalmente, fisicamente arrasado, olhava-me assustado, em posição fetal. Repetia-me “quase noventa nomes eu falei”. “Falei quase noventa nomes. Eu não queria. Não queira”.
Deixara a faculdade de medicina para assaltar bancos. Vinha de uma vida que se transformara em nada, em face de uma cruel descoberta.
A minha missão era arrancar-lhe as delações, e depois renunciar a causa. Cumpri a primeira parte, mas a segunda recusei-me a cumpri-la.
Defendi-o com o mesmo ardor que defendi heróis e pseudo-heróis, sofrendo pressão de certo grupo de esquerda.
Pela primeira vez observei o binômio neurótico torturador e torturado. A necessidade que sentia o tenente C?. de demonstrar a submissão do torturado. A postura do corpo revela, todos os sentimentos do homem. A presença do torturador anulava o torturado, reduzia-o a nada.
Meu caro Gercino, não sei exatamente que caminhos percorrestes para chegares a mim. Não sei o que te fizeram, para buscares p PCBR como uma forma de autodestruição, por isto não te julgo.

Comentários