O centenário da heroína do movimento negro norte-americano

Por Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo

O centenário do nascimento de Rosa Parks, a ativista que fez história ao recusar-se a ceder seu lugar a passageiros brancos em um ônibus no Alabama.
A heroína negra Rosa Parks
O trecho abaixo pertence ao livro Anos Cinquenta, do autor, jornalista e historiador americano David Halberstam. Um capítulo especial é, no livro, dedicado a Rosa Parks, uma costureira negra que desafiou o sistema de segregação de Montgomery, Alabama, ao se recusar a ceder seu lugar em um ônibus.

Na noite do dia primeiro de dezembro de 1955, todo o corpo da senhora Rosa Parks doía – seus pés, seu pescoço e seus ombros estavam particularmente doloridos. Parks era assistente de um alfaiate em Montgomery, Alabama, e trabalhava em uma loja de departamento. Era um trabalho exaustivo, pelo qual ganhava o salário mínimo; ela fazia alterações e tinha que lidar com um grande prelo a vapor.

Nesse dia em particular, ela terminou o trabalho e andou alguns quarteirões, como de costume, até o ponto de ônibus. O primeiro ônibus a passar estava tão lotado que ela percebeu que não poderia se sentar, e ela precisava desesperadamente de descansar os pés. Decidiu, então, esperar por um ônibus mais vazio. Isso lhe deu algum tempo livre, então Parks andou até uma farmácia por perto para procurar por uma almofada de aquecimento que poderia ajudá-la a controlar a dor que sentia em seus músculos. Sem encontrar a almofada, voltou ao ponto.

Eventualmente, chegou um ônibus com um bom número de assentos disponíveis. Ela pagou dez centavos, entrou no ônibus e sentou-se na seção traseira, onde sentavam-se os negros, perto da divisão entre a seção negra e a seção branca. Nos ônibus públicos de Montgomery, as dez primeiras fileiras eram para os brancos e as últimas vinte e seis para os negros.

Em muitas cidades sulistas, a linha divisória entre as seções era fixa. Não era assim em Montgomery; por costume, o motorista tinha o poder, se precisasse, de expandir a seção dos brancos e diminuir a seção dos negros, ordenando que os negros cedessem seus assentos aos brancos. Primeiro a chegar, primeiro a sentar pode ter sido a regra de transporte para a maior parte dos Estados Unidos, mas não era assim em Montgomery, Alabama, em 1955. Para os negros, era apenas mais uma humilhação a ser sofrida – porque o sistema nem mesmo lhes garantia a mínima cortesia e direitos da segregação tradicional.

Três outros negros entraram no ônibus e se sentaram perto da senhora Parks, na mesma fileira. Parks já havia reconhecido o motorista como um dos brancos fracos de espírito que trabalhavam na linha de ônibus. Ele já a havia expulsado de seu ônibus porque ela se recusou, ao pagar sua tarifa, a deixar o ônibus e reentrar na seção dos negros pela porta traseira – outro costume singular infligido aos negros de Montgomery. Gradualmente, conforme o ônibus continuava a andar, outros brancos entraram.

O motorista, J.F. Blake, virou-se para a seção dos negros e disse, “Saiam daí e cedam seus assentos a eles.” Essa não era uma sugestão, era uma ordem. Significava não apenas que um assento deveria ser desocupado, mas que os três outros negros deveriam se levantar, para que não submetessem os brancos à humilhação se sentarem-se ao lado de um negro.

Os quatro negros sabiam o que Blake queria dizer, mas nenhum deles se moveu. Blake virou-se novamente e disse, “Facilitem para si mesmos e cedam-lhes os assentos.” Os três outros negros levantaram relutantemente. Rosa Parks não se levantou. Ela estava assustada, mas cansada. Ela não queria dar seu assento, e é claro que não desejava ficar de pé durante o caminho. Ela havia passado o dia trabalhando em uma loja de departamento, costurando e comprimindo roupas para brancos e agora estavam lhe dizendo que ela não tinha direitos.

“Olhe, mulher, eu lhe disse que quero o assento. Você não vai levantar?” Blake disse. Finalmente, Rosa respondeu. “Não”, ela disse. “Se você não levantar, vou mandar prendê-la”, Blake avisou-a. Ela disse que ele poderia fazê-lo, mas que não se moveria.

Blake saiu do ônibus e telefonou para a polícia, entrando involuntariamente nos livros de história da nação; ele era um exemplo comum do homem sulista que afastava qualquer tipo de ameaça ao sistema de segregação. Se não tivesse sido Blake, teria sido outro. Alguns dos negros, temendo entrar em uma confusão, ou talvez irritados com o atraso, saíram do ônibus.

Parks continuou sentada. Ao fazê-lo, ela se tornou a primeira figura proeminente do que ficou conhecido como Movimento. Talvez o mais interessante nela seja o quão comum ela era, pelo menos na superfície – quase o protótipo da mulher negra que trabalhava incansavelmente e recebia muito pouco. Ela não planejava, explicou mais tarde, ser presa naquele dia.

Mais tarde, os espantados líderes brancos de Montgomery afirmaram repetidamente que a recusa de Parks fazia parte de um plano cuidadosamente orquestrado pela NAACP (Associação Nacional pelo Progresso das Pessoas de Cor) local, da qual era funcionária.

Mas isso não era verdade; o que ela fez representou a exaustão de uma pessoa com um sistema que desumanizava todos os negros. Algo dentro dela finalmente escapou. Mas se ela não havia planejado resistir naquele dia em particular, então é verdade que Rosa Parks havia decidido há algum tempo que se algum dia lhe mandassem ceder o assento para um branco, ela se recusaria.


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