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“O Dia que Durou 21 anos” revela conversas de Kennedy e Lyndon Johnson sobre o Brasil. Embaixador Lincoln Gordon coordenou com governo e CIA ações de desestabilização de Goulart e o envio de força-tarefa naval para ajudar conspiradores
“O Dia que Durou 21 anos” revela conversas de Kennedy e Lyndon Johnson sobre o Brasil. Embaixador Lincoln Gordon coordenou com governo e CIA ações de desestabilização de Goulart e o envio de força-tarefa naval para ajudar conspiradores
O filme "O Dia que Durou 21 anos", de Camilo Tavares, revela como os Estados Unidos colaboraram para o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente brasileiro João Goulart, com base em documentos sigilosos de arquivos norte-americanos e áudios originais da Casa Branca. O documentário, que será lançado dia 29, apresenta áudios de conversas dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson com assessores sobre o Brasil e mostra como os vizinhos do norte apoiaram os conspiradores, com ações de desestabilização e até militares.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil no início dos anos 1960, o intelectual brasilianista de Harvard Lincoln Gordon, aparece como quase um vilão, com seus alarmantes telegramas para os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson, em que apontava o risco iminente de o Brasil seguir Cuba em direção ao comunismo. “Se o Brasil for perdido, não será outra Cuba, mas outra China, em nosso hemisfério ocidental.” No contexto da Guerra Fria da época, pouco após Cuba se tornar socialista, esse era o pior pesadelo dos americanos.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil no início dos anos 1960, o intelectual brasilianista de Harvard Lincoln Gordon, aparece como quase um vilão, com seus alarmantes telegramas para os presidentes John F. Kennedy e Lyndon Johnson, em que apontava o risco iminente de o Brasil seguir Cuba em direção ao comunismo. “Se o Brasil for perdido, não será outra Cuba, mas outra China, em nosso hemisfério ocidental.” No contexto da Guerra Fria da época, pouco após Cuba se tornar socialista, esse era o pior pesadelo dos americanos.
Veja o trailer de "O Dia que Durou 21 anos":
Em conversa com Kennedy, cujo áudio é reproduzido, Gordon avalia que o presidente brasileiro poderia ser um “ditador populista”, nos moldes do argentino Juan Perón. Em novembro de 1963, Lyndon Johnson afirma que não vai “permitir o estabelecimento de outro governo comunista no hemisfério ocidental”.
EUA bancaram ações de propaganda e desestabilização do governo Goulart
O documentário mostra, então, as ações de propaganda dos EUA, coordenadas por Gordon, para desestabilizar o governo brasileiro. Cita a criação e o financiamento de supostos institutos de pesquisa anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) para bancar “pesquisas” e campanhas de 250 candidatos a deputados, oito a governador e 600 a deputado estadual no País. Além disso, o estímulo de greves e artigos na imprensa contra o governo eram o “feijão com arroz” de “ações encobertas” da CIA (Agência Central de Inteligência) onde pretendia derrubar regimes, como explica o coordenador do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh.
Em telegrama para Washington, Gordon admite: “Estamos tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Entrevistado, o assessor de Gordon na embaixada, Robert Bentley, não nega o financiamento americano, apenas sorri, cala e diz: “Isso era uma polêmica quando cheguei [ao Brasil].”
O filme reitera ainda a importância do adido militar da embaixada Vernon Walters, amigo de oficiais brasileiros desde a 2ª Guerra Mundial, como o general Castelo Branco, que viriam a ser fundamentais na derrubada de Goulart. Cabia a Walters identificar insatisfeitos entre militares. O oficial descreve Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, como “altamente competente, oficial respeitado, católico devotado e admira papel dos EUA como defensores da liberdade”. Segundo Bentley, “havia muita confiança em Castelo Branco”, o “homem para sanear a situação, do ponto de vista dos interesses americanos”.
Em conversa com Kennedy, cujo áudio é reproduzido, Gordon avalia que o presidente brasileiro poderia ser um “ditador populista”, nos moldes do argentino Juan Perón. Em novembro de 1963, Lyndon Johnson afirma que não vai “permitir o estabelecimento de outro governo comunista no hemisfério ocidental”.
EUA bancaram ações de propaganda e desestabilização do governo Goulart
Em telegrama para Washington, Gordon admite: “Estamos tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Entrevistado, o assessor de Gordon na embaixada, Robert Bentley, não nega o financiamento americano, apenas sorri, cala e diz: “Isso era uma polêmica quando cheguei [ao Brasil].”
O filme reitera ainda a importância do adido militar da embaixada Vernon Walters, amigo de oficiais brasileiros desde a 2ª Guerra Mundial, como o general Castelo Branco, que viriam a ser fundamentais na derrubada de Goulart. Cabia a Walters identificar insatisfeitos entre militares. O oficial descreve Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, como “altamente competente, oficial respeitado, católico devotado e admira papel dos EUA como defensores da liberdade”. Segundo Bentley, “havia muita confiança em Castelo Branco”, o “homem para sanear a situação, do ponto de vista dos interesses americanos”.
Força-tarefa naval para apoiar o golpe pedido de ajuda de militares brasileiros
Quando a situação esquenta, os EUA concordam em mandar navios de guerra para a costa brasileira, na chamada Operação Brother Sam, com o objetivo de intimidar e dissuadir o governo de resistir ao golpe. O presidente norte-americano autoriza, em áudio, a fazer “tudo o que precisarmos fazer. Vamos pôr nosso pescoço para fora (nos arriscar).”
Um telegrama do Departamento de Estado dos EUA para Gordon descreve as medidas tomadas para “estar em posição de dar assistência no momento adequado a forças anti-Goulart, se decidido que isso seja feito”. A operação Brother Sam incluía enviar “uma força-tarefa naval, com um porta-aviões, quatro destróieres (contratorpedeiros) e navios-tanques para exercícios ostensivos na costa do Brasil”, além de 110 toneladas de munição e outros equipamentos leves, incluindo gás lacrimogêneo, para controle de distúrbios por avião.
Um telegrama “top secret” da CIA, de 30 de março – véspera da eclosão do movimento – mostra como os americanos estavam bem informados e articulados com os conspiradores. No documento intitulado “Planos de Revolucionários em Minas Gerais”, os espiões dizem que “Goulart deve ser removido imediatamente. Os governadores de São Paulo e Minas Gerais chegaram definitivamente a um acordo. A ignição será uma revolta militar liderada pelo general Mourão Filho. As tropas vão marchar para o Rio de Janeiro.”
Documento assinado pelo secretário de Estado dos EUA, Dean Rusk confirma que os golpistas pediram apoio militar aos EUA. “Pela primeira vez, os golpistas brasileiros pediram se a Marinha americana poderia chegar rapidamente à costa sul brasileira.” Para o professor de História da UFRJ Carlos Fico, a retaguarda da Brother Sam foi fundamental para dar segurança aos militares que derrubariam o regime. Apesar dos documentos e de forma pouco convincente, o diplomata Bentley, nega ter ouvido falar na operação.
Newton Cruz: “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O Mourão saiu!"
O filme tem ainda momentos engraçados. “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O Mourão [general Olympio Mourão Filho, que liderou as tropas de Juiz de Fora em direção ao Rio] saiu!”, ri o general Newton Cruz, ex-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações). A filha do general Mourão Filho, Laurita Mourão, diz que o pai chamou de “covarde” Castelo Branco, o primeiro presidente militar após o movimento, ao ser criticado por suposta precipitação ao mover tropas em direção ao Rio. “Castelo Branco, você é um medroso, é um...” Nas palavras da filha, ele também “foi entregar a Revolução a Costa e Silva [posteriormente também presidente do regime], que estava dormindo, de cuecas.”
Após o sucesso da iniciativa, Gordon escreve aos EUA. “Tenho o enorme prazer de dizer que a eliminação de Goulart representa uma grande vitória para o mundo livre”. Robert Bentley conta que participou, no gabinete vazio de Goulart, de reunião sobre a posse do novo regime em que estava o presidente do Supremo Tribunal Federal. Ao telefone para o embaixador, foi perguntado se a posse do novo regime tinha sido legal, e respondeu: “’Parece que foi legal, não sei dizer’. Acordei 12h depois e [os EUA] tinham reconhecido o governo.”
Quando a situação esquenta, os EUA concordam em mandar navios de guerra para a costa brasileira, na chamada Operação Brother Sam, com o objetivo de intimidar e dissuadir o governo de resistir ao golpe. O presidente norte-americano autoriza, em áudio, a fazer “tudo o que precisarmos fazer. Vamos pôr nosso pescoço para fora (nos arriscar).”
Um telegrama do Departamento de Estado dos EUA para Gordon descreve as medidas tomadas para “estar em posição de dar assistência no momento adequado a forças anti-Goulart, se decidido que isso seja feito”. A operação Brother Sam incluía enviar “uma força-tarefa naval, com um porta-aviões, quatro destróieres (contratorpedeiros) e navios-tanques para exercícios ostensivos na costa do Brasil”, além de 110 toneladas de munição e outros equipamentos leves, incluindo gás lacrimogêneo, para controle de distúrbios por avião.
Um telegrama “top secret” da CIA, de 30 de março – véspera da eclosão do movimento – mostra como os americanos estavam bem informados e articulados com os conspiradores. No documento intitulado “Planos de Revolucionários em Minas Gerais”, os espiões dizem que “Goulart deve ser removido imediatamente. Os governadores de São Paulo e Minas Gerais chegaram definitivamente a um acordo. A ignição será uma revolta militar liderada pelo general Mourão Filho. As tropas vão marchar para o Rio de Janeiro.”
Documento assinado pelo secretário de Estado dos EUA, Dean Rusk confirma que os golpistas pediram apoio militar aos EUA. “Pela primeira vez, os golpistas brasileiros pediram se a Marinha americana poderia chegar rapidamente à costa sul brasileira.” Para o professor de História da UFRJ Carlos Fico, a retaguarda da Brother Sam foi fundamental para dar segurança aos militares que derrubariam o regime. Apesar dos documentos e de forma pouco convincente, o diplomata Bentley, nega ter ouvido falar na operação.
Newton Cruz: “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O Mourão saiu!"
O filme tem ainda momentos engraçados. “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O Mourão [general Olympio Mourão Filho, que liderou as tropas de Juiz de Fora em direção ao Rio] saiu!”, ri o general Newton Cruz, ex-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações). A filha do general Mourão Filho, Laurita Mourão, diz que o pai chamou de “covarde” Castelo Branco, o primeiro presidente militar após o movimento, ao ser criticado por suposta precipitação ao mover tropas em direção ao Rio. “Castelo Branco, você é um medroso, é um...” Nas palavras da filha, ele também “foi entregar a Revolução a Costa e Silva [posteriormente também presidente do regime], que estava dormindo, de cuecas.”
Após o sucesso da iniciativa, Gordon escreve aos EUA. “Tenho o enorme prazer de dizer que a eliminação de Goulart representa uma grande vitória para o mundo livre”. Robert Bentley conta que participou, no gabinete vazio de Goulart, de reunião sobre a posse do novo regime em que estava o presidente do Supremo Tribunal Federal. Ao telefone para o embaixador, foi perguntado se a posse do novo regime tinha sido legal, e respondeu: “’Parece que foi legal, não sei dizer’. Acordei 12h depois e [os EUA] tinham reconhecido o governo.”
"Acho que há certas pessoas que precisam ser presas mesmo", disse Lyndon Johnson
Poucos dias após o golpe, em um interessante áudio, o presidente Johnson debate com o assessor de Segurança McGeorge Bundy o tom da mensagem para o novo presidente do Brasil.
- Há uma diferença entre Gordon, que quer ser muito caloroso, e nossa visão da Casa Branca, de que o sr. deveria ser um pouco cauteloso, porque estão prendendo um monte de gente.
- Eu acho que há certas pessoas que precisam ser presas mesmo. Não vou fazer nenhuma cruzada contra eles, mas eu não quero... Eu gostaria que tivessem colocado alguns na prisão alguns antes que Cuba fosse tomada – responde Johnson.
- Uma mensagem mais rotineira seria desejável neste momento.
- Eu seria um pouco caloroso – diz o presidente.
- É mesmo? Isso vai ser publicado.
- Eu sei, mas eu estou me lixando!, finaliza o presidente.
O documentário é também um projeto familiar e uma homenagem do diretor, Camilo Tavares, ao pai, o jornalista e ativista político Flávio Tavares – um dos 15 presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado no Rio em 1969.
Flávio aparece na famosa foto dos presos (abaixo) diante do avião que os levaria ao exílio, no México – onde o diretor nasceria, em 71 –, e em um flash rápido, em lista de “procurados”, com o nome de Flávio Aristides. É também Flávio Tavares quem faz as entrevistas, ficando frente a frente com ex-adversários, o diplomata Bentley e Jarbas Passarinho, ministro que assinou sua extradição. A mulher de Camilo, Karla Ladeia, é produtora-executiva.
Para o embaixador Elbrick, seu sequestro foi uma tentativa de “constranger os governos brasileiro e norte-americano”. Mas há outros momentos de constrangimento americano no filme. Após aparecer a foto de um homem pendurado em um pau-de-arara, Bentley é questionado sobre as violações a direitos humanos. “É difícil de justificar oficialmente. Mas lamento... lamento (ri), de qualquer maneira.” À época, entretanto, as mensagens internas do governo americano pregavam a discrição. “Embora não busquemos justificar atos extra-legais ou excessos do governo, concluí que nossa melhor decisão é nos aproximarmos ao máximo do silêncio de ouro”, recomenda Gordon.
O filme surpreende ainda com depoimentos inusitados e críticos de protagonistas do regime, como o general Newton Cruz, chefe do SNI. “Quando a Revolução nasceu era para fazer uma arrumação da casa. Ninguém passa 20 anjos para arrumar a casa!”
O filme conclui com uma frase ácida do coordenador do Arquivo de Segurança Nacional, o norte-americano Peter Kornbluh. “Tudo isso foi feito em nome da democracia, supostamente.”
Poucos dias após o golpe, em um interessante áudio, o presidente Johnson debate com o assessor de Segurança McGeorge Bundy o tom da mensagem para o novo presidente do Brasil.
- Há uma diferença entre Gordon, que quer ser muito caloroso, e nossa visão da Casa Branca, de que o sr. deveria ser um pouco cauteloso, porque estão prendendo um monte de gente.
- Eu acho que há certas pessoas que precisam ser presas mesmo. Não vou fazer nenhuma cruzada contra eles, mas eu não quero... Eu gostaria que tivessem colocado alguns na prisão alguns antes que Cuba fosse tomada – responde Johnson.
- Uma mensagem mais rotineira seria desejável neste momento.
- Eu seria um pouco caloroso – diz o presidente.
- É mesmo? Isso vai ser publicado.
- Eu sei, mas eu estou me lixando!, finaliza o presidente.
Juracy Magalhães: "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”
O filme avança, mostrando o Ato Institucional nº 1, que cassa os direitos políticos e mandatos de parlamentares e de militares. Um deputado chora sobre a mesa, na Câmara. E lembra, para ilustrar a proximidade do regime militar brasileiro com os EUA, a célebre frase que marcou o militar Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”.
Projeto familiarO filme avança, mostrando o Ato Institucional nº 1, que cassa os direitos políticos e mandatos de parlamentares e de militares. Um deputado chora sobre a mesa, na Câmara. E lembra, para ilustrar a proximidade do regime militar brasileiro com os EUA, a célebre frase que marcou o militar Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”.
O documentário é também um projeto familiar e uma homenagem do diretor, Camilo Tavares, ao pai, o jornalista e ativista político Flávio Tavares – um dos 15 presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado no Rio em 1969.
Flávio aparece na famosa foto dos presos (abaixo) diante do avião que os levaria ao exílio, no México – onde o diretor nasceria, em 71 –, e em um flash rápido, em lista de “procurados”, com o nome de Flávio Aristides. É também Flávio Tavares quem faz as entrevistas, ficando frente a frente com ex-adversários, o diplomata Bentley e Jarbas Passarinho, ministro que assinou sua extradição. A mulher de Camilo, Karla Ladeia, é produtora-executiva.
Para o embaixador Elbrick, seu sequestro foi uma tentativa de “constranger os governos brasileiro e norte-americano”. Mas há outros momentos de constrangimento americano no filme. Após aparecer a foto de um homem pendurado em um pau-de-arara, Bentley é questionado sobre as violações a direitos humanos. “É difícil de justificar oficialmente. Mas lamento... lamento (ri), de qualquer maneira.” À época, entretanto, as mensagens internas do governo americano pregavam a discrição. “Embora não busquemos justificar atos extra-legais ou excessos do governo, concluí que nossa melhor decisão é nos aproximarmos ao máximo do silêncio de ouro”, recomenda Gordon.
O filme surpreende ainda com depoimentos inusitados e críticos de protagonistas do regime, como o general Newton Cruz, chefe do SNI. “Quando a Revolução nasceu era para fazer uma arrumação da casa. Ninguém passa 20 anjos para arrumar a casa!”
O filme conclui com uma frase ácida do coordenador do Arquivo de Segurança Nacional, o norte-americano Peter Kornbluh. “Tudo isso foi feito em nome da democracia, supostamente.”
O documentário "O Dia que durou 21 Anos" , que trata da participação do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964, levou quase cinco anos para ser feito, da ideia inicial até a finalização. O filme estreia no Brasil dia 29, após participar de festivais de cinema no país e no mundo. Em maio, disputa os prêmios de melhor direção e melhor documentário estrangeiro no Festival de Cinema de Saint-Tropez, na França.
O diretor Camilo Tavares conta, nesta entrevista ao iG , como sua equipe pesquisou e descobriu arquivos e áudios inéditos que mostram como os EUA atuaram em ações de desestabilização do governo João Goulart e apoiaram os militares, inclusive com a autorização de envio de uma força-tarefa naval ao Brasil, em nome do combate ao comunismo.
O filme consumiu cerca de R$ 1,8 milhão, dos quais só um terço teve patrocínio. "Tivemos de investir do próprio bolso e pegar empréstimos", disse Karla Ladeia, produtora-executiva do filme e mulher de Camilo Tavares.
iG: Quanto tempo durou a pesquisa para o documentário? Qual foi a origem da ideia de fazer o documentário?
Camilo Tavares: Todo o processo levou cinco anos. A ideia inicial era totalmente diferente do filme final. Queríamos compilar as crônicas da vida de meu pai (o jornalista Flávio Tavares), seguindo sua carreira estudantil e como jornalista, com foco em fatos que marcaram a política do Brasil. Mas em uma reunião de roteiro, quando meu pai levou uma antiga pasta com fac-símiles de telegramas do embaixador Gordon, datados de 1961, percebi que tínhamos nas mãos algo inédito e confidencial. Demos então um novo enfoque ao filme: a câmera estaria na Casa Branca, e os documentos originais top secret, quase todos desconhecidos do grande público, seriam o roteiro do filme: tudo que está ali é verdade, texto original e foi garimpado nos arquivos de Washington com uma equipe incansável!
iG: Como vocês tiveram acesso a esse material, inclusive áudios de conversas dos presidentes norte-americanos Kennedy e Johnson?
Camilo Tavares: Além dos telegramas entre a CIA, do embaixador, e da Casa Branca, a pesquisa encontrou joias como os áudios originais do Presidente Kennedy e Lyndon Johnson. Parte deste material foi liberado em 2004 e 2005 através da Lei de Acesso à Informação pela qual o NARA, Instituto em Washington, coordenado por Peter Kornbluh (que está no filme) se destaca. Com o apoio de Carlos Fico (professor da UFRJ), garimpamos a mídia dos EUA , buscando programas de 1962 e 1963 na TV americana (rede CBS e NBC), peças-chave na época da Guerra Fria para convencer o público e a mídia interna dos EUA da "ameaça comunista" que o Brasil representava com Jango no poder. Muito parecido com o que vivemos hoje, se pensarmos no poder da mídia.
Camilo Tavares: Aqui no Brasil quase tudo é inédito! O mais impactante são os áudios do Presidente Kennedy com o embaixador Gordon em abril de 1962, já tramando toda a conspiração civil e militar! Outra joia rara é a correspondência do adido Militar Vernon Walters, que assinava como ARMA (Army Attaché). Estes documentos comprovam seu papel protagonista, ao aproximar Kruel dos golpistas liderados por Castelo Branco. Além disso, o detalhamento em imagens e telegramas da CIA, que acompanham passo-a-passo as ações de pessoas-chave.Há documentos inéditos revelados? Os áudios da Casa Branca são inéditos? O que revelam, em sua opinião?
Mas o grande destaque é para o embaixador Gordon. Ele é a figura central desta conspiração e desde 1961, quando aqui chegou, tinha como missão montar seu QG no Rio de Janeiro para comandar o golpe que ocorreu em 1964. A pesquisa de áudio e telegramas do embaixador trouxe muitos detalhes curiosos, que vão render próximas séries para TV e novos filmes.
iG: Foi intenção do filme retratar Lincoln Gordon como uma espécie de vilão?
Camilo Tavares: Não! Veja bem: quem ama a Guerra Fria e odeia os comunistas vai adorar, amar o Gordon, afinal ele venceu! Gordon foi o arquiteto do golpe, o grande estrategista civil. Nós convidamos o assessor dele, Bob Bentley, o braço-direito de Gordon, e Bob topou vir ao Rio a convite do filme. Gravar com ele no consulado dos EUA foi muito interessante! Em 1964, Bob Bentley estava dentro do Congressso Nacional e conhecia meu pai [Flávio Tavares], que era jornalista político do jornal Última Hora.
iG: Quanto tempo durou a confecção do filme?
Camilo Tavares: Foram necessários cinco anos, investimentos pessoais, recursos da produtora Pequi Filmes e um impecável trabalho a seis mãos, entre pai, filho e minha mulher, Karla Ladeia, que assina a produção executiva do filme.
iG: Houve quem se recusasse a depor para o documentário?
Camilo Tavares: Não, tivemos muito cuidado em ser imparciais desde o início. Queríamos dar voz aos entrevistados, para defenderem seu ponto de vista da História. Meu pai fez questão de entrevistar os militares que apoiaram Castelo Branco no golpe de 1964. Muitas vezes, ele havia estado com eles como preso político, como foi o caso de Jarbas Passarinho, que lembrou que havia assinado a extradição de meu pai. Neste sentido, acho que o filme alcança uma maturidade importante para construir um rico diálogo de nossa História – sem revanchismos.
iG: Flávio Tavares, seu pai, aparece em referências no filme. Este filme é também, em alguma medida, uma homenagem pessoal ao ele, que foi preso e exilado pelo regime militar?
Camilo Tavares: Sim. Mas acima de tudo, O DIA QUE DUROU 21 ANOS é uma investigação, quase judicial, da participação dos EUA no Golpe Militar de 1964. Houve espectadores que consideraram o filme um instrumento até para pedir um pedido formal de desculpas dos EUA por apoiar o Golpe Militar que derrubou um presidente democraticamente eleito.
iG: É interessante o áudio em que o presidente Lyndon Johnson discute com o assessor de Segurança o tom da mensagem ao novo presidente brasileiro.
Camilo Tavares: Ali tém Bundy e outro assessor direto do Presidente Johnson na Casa Branca. Este áudio é um outro achado raro! Estava classificado nos EUA como restrito e nós da Pequi Filmes, junto com o NARA de Washington, pedimos que fosse aberto ao público.
Estudantes queimam bandeira dos EUA
iG: Qual é a importância de um filme como este para a historiografia brasileira e para o conhecimento da participação americana no golpe de 1964?
Camilo Tavares: Essencial. Nosso objetivo é que jovens adultos e idosos vejam o filme! Nos cinemas, estamos em nove capitais a partir de 29 de março (sexta-feira da Paixão). E depois, que seja distribuído em larga escala nas universidades Federais e Estaduais. Quem sabe o Ministério da Educação e a Secretaria dos Direitos Humanos não se interessam?
iG: Qual foi a dimensão da participação dos EUA no movimento que derrubou o governo de João Goulart?
Camilo Tavares: Os EUA foram essenciais antes, durante e após o golpe de 1964. Em 1968, temos telegramas que comprovam que, em São Paulo, a Câmara de Comércio dos EUA dava apoio ao AI-5. Nos textos, vemos que a ditadura estava fora de controle, no sentido da tortura e da violação aos direitos humanos, mas os EUA mantinham o “silêncio dourado” – expressão original do telegrama. Ou seja, a violência era vista como um “mal necessário” para manter o sistema econômico com base no capital privado dos EUA aqui no Brasil.
O diretor Camilo Tavares conta, nesta entrevista ao iG , como sua equipe pesquisou e descobriu arquivos e áudios inéditos que mostram como os EUA atuaram em ações de desestabilização do governo João Goulart e apoiaram os militares, inclusive com a autorização de envio de uma força-tarefa naval ao Brasil, em nome do combate ao comunismo.
O filme consumiu cerca de R$ 1,8 milhão, dos quais só um terço teve patrocínio. "Tivemos de investir do próprio bolso e pegar empréstimos", disse Karla Ladeia, produtora-executiva do filme e mulher de Camilo Tavares.
iG: Quanto tempo durou a pesquisa para o documentário? Qual foi a origem da ideia de fazer o documentário?
Camilo Tavares: Todo o processo levou cinco anos. A ideia inicial era totalmente diferente do filme final. Queríamos compilar as crônicas da vida de meu pai (o jornalista Flávio Tavares), seguindo sua carreira estudantil e como jornalista, com foco em fatos que marcaram a política do Brasil. Mas em uma reunião de roteiro, quando meu pai levou uma antiga pasta com fac-símiles de telegramas do embaixador Gordon, datados de 1961, percebi que tínhamos nas mãos algo inédito e confidencial. Demos então um novo enfoque ao filme: a câmera estaria na Casa Branca, e os documentos originais top secret, quase todos desconhecidos do grande público, seriam o roteiro do filme: tudo que está ali é verdade, texto original e foi garimpado nos arquivos de Washington com uma equipe incansável!
iG: Como vocês tiveram acesso a esse material, inclusive áudios de conversas dos presidentes norte-americanos Kennedy e Johnson?
Camilo Tavares: Além dos telegramas entre a CIA, do embaixador, e da Casa Branca, a pesquisa encontrou joias como os áudios originais do Presidente Kennedy e Lyndon Johnson. Parte deste material foi liberado em 2004 e 2005 através da Lei de Acesso à Informação pela qual o NARA, Instituto em Washington, coordenado por Peter Kornbluh (que está no filme) se destaca. Com o apoio de Carlos Fico (professor da UFRJ), garimpamos a mídia dos EUA , buscando programas de 1962 e 1963 na TV americana (rede CBS e NBC), peças-chave na época da Guerra Fria para convencer o público e a mídia interna dos EUA da "ameaça comunista" que o Brasil representava com Jango no poder. Muito parecido com o que vivemos hoje, se pensarmos no poder da mídia.
Camilo Tavares: Aqui no Brasil quase tudo é inédito! O mais impactante são os áudios do Presidente Kennedy com o embaixador Gordon em abril de 1962, já tramando toda a conspiração civil e militar! Outra joia rara é a correspondência do adido Militar Vernon Walters, que assinava como ARMA (Army Attaché). Estes documentos comprovam seu papel protagonista, ao aproximar Kruel dos golpistas liderados por Castelo Branco. Além disso, o detalhamento em imagens e telegramas da CIA, que acompanham passo-a-passo as ações de pessoas-chave.Há documentos inéditos revelados? Os áudios da Casa Branca são inéditos? O que revelam, em sua opinião?
Mas o grande destaque é para o embaixador Gordon. Ele é a figura central desta conspiração e desde 1961, quando aqui chegou, tinha como missão montar seu QG no Rio de Janeiro para comandar o golpe que ocorreu em 1964. A pesquisa de áudio e telegramas do embaixador trouxe muitos detalhes curiosos, que vão render próximas séries para TV e novos filmes.
iG: Foi intenção do filme retratar Lincoln Gordon como uma espécie de vilão?
Camilo Tavares: Não! Veja bem: quem ama a Guerra Fria e odeia os comunistas vai adorar, amar o Gordon, afinal ele venceu! Gordon foi o arquiteto do golpe, o grande estrategista civil. Nós convidamos o assessor dele, Bob Bentley, o braço-direito de Gordon, e Bob topou vir ao Rio a convite do filme. Gravar com ele no consulado dos EUA foi muito interessante! Em 1964, Bob Bentley estava dentro do Congressso Nacional e conhecia meu pai [Flávio Tavares], que era jornalista político do jornal Última Hora.
iG: Quanto tempo durou a confecção do filme?
Camilo Tavares: Foram necessários cinco anos, investimentos pessoais, recursos da produtora Pequi Filmes e um impecável trabalho a seis mãos, entre pai, filho e minha mulher, Karla Ladeia, que assina a produção executiva do filme.
iG: Houve quem se recusasse a depor para o documentário?
Camilo Tavares: Não, tivemos muito cuidado em ser imparciais desde o início. Queríamos dar voz aos entrevistados, para defenderem seu ponto de vista da História. Meu pai fez questão de entrevistar os militares que apoiaram Castelo Branco no golpe de 1964. Muitas vezes, ele havia estado com eles como preso político, como foi o caso de Jarbas Passarinho, que lembrou que havia assinado a extradição de meu pai. Neste sentido, acho que o filme alcança uma maturidade importante para construir um rico diálogo de nossa História – sem revanchismos.
iG: Flávio Tavares, seu pai, aparece em referências no filme. Este filme é também, em alguma medida, uma homenagem pessoal ao ele, que foi preso e exilado pelo regime militar?
Camilo Tavares: Sim. Mas acima de tudo, O DIA QUE DUROU 21 ANOS é uma investigação, quase judicial, da participação dos EUA no Golpe Militar de 1964. Houve espectadores que consideraram o filme um instrumento até para pedir um pedido formal de desculpas dos EUA por apoiar o Golpe Militar que derrubou um presidente democraticamente eleito.
iG: É interessante o áudio em que o presidente Lyndon Johnson discute com o assessor de Segurança o tom da mensagem ao novo presidente brasileiro.
Camilo Tavares: Ali tém Bundy e outro assessor direto do Presidente Johnson na Casa Branca. Este áudio é um outro achado raro! Estava classificado nos EUA como restrito e nós da Pequi Filmes, junto com o NARA de Washington, pedimos que fosse aberto ao público.
Estudantes queimam bandeira dos EUA
iG: Qual é a importância de um filme como este para a historiografia brasileira e para o conhecimento da participação americana no golpe de 1964?
Camilo Tavares: Essencial. Nosso objetivo é que jovens adultos e idosos vejam o filme! Nos cinemas, estamos em nove capitais a partir de 29 de março (sexta-feira da Paixão). E depois, que seja distribuído em larga escala nas universidades Federais e Estaduais. Quem sabe o Ministério da Educação e a Secretaria dos Direitos Humanos não se interessam?
iG: Qual foi a dimensão da participação dos EUA no movimento que derrubou o governo de João Goulart?
Camilo Tavares: Os EUA foram essenciais antes, durante e após o golpe de 1964. Em 1968, temos telegramas que comprovam que, em São Paulo, a Câmara de Comércio dos EUA dava apoio ao AI-5. Nos textos, vemos que a ditadura estava fora de controle, no sentido da tortura e da violação aos direitos humanos, mas os EUA mantinham o “silêncio dourado” – expressão original do telegrama. Ou seja, a violência era vista como um “mal necessário” para manter o sistema econômico com base no capital privado dos EUA aqui no Brasil.
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