#ForaFeliciano: Um deputado cada vez mais enrolado


Do Correio Braziliense, por Adriana Caitano e Helena Mader:

A lista de assessores parlamentares contratados no gabinete do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) que atuam nas ações religiosas do congressista é ainda maior que a revelada pelo Correio no último sábado. A produção do programa que o pastor apresenta aos domingos conta com pelo menos seis pessoas que recebem salário da Câmara. Nele, o deputado faz pregações e lobby para seus projetos. Na última edição, acusou os integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) contrários à sua escolha como presidente de tentarem esconder irregularidades que supostamente cometeram com recursos do colegiado. O grupo adversário se reúne hoje e deve formalizar uma representação contra Feliciano no Conselho de Ética da Casa.

O programa, veiculado pela TV CNT e que leva o nome do pastor, é gravado pela Wap TV, produtora de Wellington Josoé Faria de Oliveira, contratado pelo deputado como secretário parlamentar. Ele e outras cinco pessoas pagas pela verba de gabinete de Feliciano são listadas nos créditos finais da produção. Nela, o pastor faz entrevistas e orações e explica suas posições de repúdio a homossexuais, por exemplo. Em uma edição exibida em fevereiro, ele revelou os e-mails dos integrantes da CDHM, da qual ainda não fazia parte, e pediu que os fiéis os pressionassem a aprovar o projeto de sua autoria para haver um plebiscito sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

No último domingo, Marco Feliciano aproveitou o espaço na tevê para se defender das acusações de que é alvo — homofobia, racismo e estelionato, com direito a processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, há uma “perseguição” gratuita de quem participava do comando da comissão. “Deve haver alguma coisa errada que eles não querem que eu descubra lá. E eu vou descobrir. Será que é medo de que eu saiba como a verba da comissão foi usada?”, ironizou, sem citar o nome do ex-presidente da CDHM Domingos Dutra (PT-MA). O petista rebate o comentário do pastor: “Quanto mais ele abre a boca, mais se enrola. Diferentemente do que ele diz, muitas vezes tive que tirar dinheiro do próprio bolso para pagar gastos da comissão, que são todos ordenados pela própria Câmara. Se ele quiser, pode passar pente-fino e vassoura para checar”.

Além das gravações, Feliciano mantém uma agenda cheia de compromissos religiosos e artísticos — é pastor, apresentador, empresário, músico e palestrante —, que não é compatível com suas atividades parlamentares. No ano passado, ele deixou de comparecer a 30 das 91 sessões deliberativas realizadas no plenário da Câmara. Ou seja: a cada três sessões, ele faltou uma. Até o fim de março, ele tem marcadas 15 apresentações em 11 cidades diferentes. Vai passar por estados como Minas Gerais, São Paulo, Sergipe, Bahia, Goiás e até Rondônia. As apresentações são à noite e em dias seguidos. Ao assumir a CDHM, portanto, deverá ter dificuldades para conciliar o deslocamento, os compromissos e a agenda da comissão.

Na edição de sábado, o Correio revelou também que Marco Feliciano usou seu mandato em benefício de suas empresas e das atividades da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, criada por ele. O pastor paga salário da Câmara a um funcionário fantasma, que na verdade trabalha em um escritório de advocacia que recebeu R$ 35 mil da cota parlamentar do deputado desde que ele tomou posse, emprega em seu gabinete e repassa verba funcional a advogados que o defendem em causas particulares e pessoas que fizeram doações em sua campanha eleitoral. Procurado desde a última sexta-feira, o pastor não respondeu aos questionamentos feitos por e-mail, a pedido dele. Ontem, a reportagem tentou novamente contato com o deputado e seu assessor, Wagner Guerra, mas nenhum dos dois retornou as ligações.

Na noite de ontem, o deputado reuniu fiéis e lideranças evangélicas em Ribeirão Preto (SP) para rebater as críticas de que é alvo. Na porta da igreja, grupos contrários à eleição do pastor para o comando da CDHM também realizaram protestos. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) emitiu uma nota em que repudia a escolha de Feliciano para o cargo, “por suas declarações públicas, verbais e escritas de conteúdo discriminatório, de cunho racista e preconceituoso contra minorias”.

Na última quinta-feira, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) abandonou a sessão em que Feliciano seria eleito porque manifestantes haviam sido proibidos de acompanhá-la. Ele e outros integrantes do colegiado vão se reunir hoje pela manhã para decidir se permanecem no grupo e como podem reverter o quadro. O deputado Jean Wyllis (PSol-RJ) adianta que elaborou um mandado de segurança a ser entregue hoje ao Supremo para que a reunião em que o pastor foi eleito seja anulada. “Se isso ocorrer, vamos ganhar tempo para que outro nome seja pensado”, destaca.

O argumento jurídico do mandado, orientado pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, é o de que a sessão de quinta-feira só poderia ser a portas fechadas diante da deliberação do plenário da Câmara, o que não foi feito. “Todos os encontros de comissões são abertos e as exceções estão determinadas no regimento, nesse caso, houve vício de forma, foi uma sessão ilegal”, avalia o jurista.

Diante das revelações, o líder do PSol, Ivan Valente (SP), afirma que o partido estuda a possibilidade de pedir investigação contra Feliciano no Conselho de Ética ou na Corregedoria da Casa. “A cadeia de erros cometidos por ele e seu partido está crescendo como uma onda gigante e abre brechas para vermos se ele quebrou ou não o decoro parlamentar”, comenta.

Hoje à tarde, a bancada do PSC vai rediscutir a indicação do pastor para a Comissão de Direitos Humanos. “Existem repercussões pelo país que não devem ser desconsideradas pelo partido”, diz o líder da legenda, André Moura (SE), em nota divulgada pela assessoria.

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