O Papa Francisco e os caminhos da Igreja Católica: por uma sociologia do campo religioso

Por Thadeu de Sousa Brandão
No Blog do GEDEV



O Conclave que elegeu o novo líder da Igreja Católica Apostólica Romana trouxe uma surpresa para todo o mundo, católicos ou não: o certame religioso escolheu um homem de 76 anos, descendentes de italianos, da Ordem Jesuíta (SJ) e com forte tendência pastoral. Essse atendia até ontem por Jorge Bergoglio, agora Sua Santidade Francisco. Pois é. Assim irá se chamar o novo Papa, que é também argentino. "Meus colegas cardeais foram até o fim do mundo me escolher", falou mansamente à multidão o novo pontífice, após a aclamação do esperado "habemus papam" (temos um papa).
Mais do que pensar quem é ele, resta a sociologia pensar as circunstâncias de sua escolha e que papel irá jogar o novo papa no atual contexto. Isso posto, algumas reflexões devem vir à baila.
A primeira delas é o fato de ser argentino, ou seja, latino-americano. Quebra-se uma tradição milenar onde só europeus (e uns poucos africanos na Antiguidade e no início da Alta Idade Média) eram escolhidos. Assustador? Não, se pensarmos que os europeus representam apenas cerca de 25% dos católicos mundiais. Um papa de fora para pensar os problemas da maioria dos católicos. Nada demais.
A segunda reflexão diz respeito ao nome escolhido por ele: remete a São Francisco de Assis, santo da pobreza e da simplicidade e, com toda certeza, a segunda figura mais emblemática do cristianismo? Sim, também, mas não só. O Cardeal Bergoglio era conhecido por sua humildade, sua simplicidade e seu apego à pobreza. Andava de metrô em Buenos Aires e fazia suas próprias refeições. Andava com o povo, literalmente. Mas, o nome remete a São Francisco Xavier, mártir jesuíta, catequisador na Índia e China, onde morreu.
Eis, assim, a terceira reflexão: o novo Papa é o primeiro jesuíta a ser escolhido Pontífice. Para quem não lembra, a Ordem Jesuíta é aquela criada por Santo Inácio de Loyola para catequisar os povos do mundo em meio à Contra-Reforma. Eram, e são ainda, chamados de soldados de Cristo. Intelectuais da Igreja, os jesuítas são grandes catequistas e pastores. Sua vocação é sempre ligada a missões pastorais e por uma opção: os pobres.
Há um fiel da balança em que levo em consideração aqui: o Papa Francisco é um balde de água fria não no conservadorismo católico (já que em termos doutrinários nada mudará...), mas nos segmentos elitistas e curiais, principalmente os ligados à Opus Dei. Isso mesmo, a poderosa e elitista Opus Dei foi a grande derrotada no Conclave de ontem. Desde João Paulo II, a Prelazia ganhava espaço e influência, com sua doutrina ultra-conservadora e voltada para os mais ricos. Em termos gerais, só uma Ordem na Igreja fazia frente à Opus Dei: a Sociedade Jesuítica. João Paulo II, influenciado pela Opus Dei, tentou fechar a Cia. de Jesus, não conseguiu. Alegou, na época, a contaminação dos jesuítas pela Teologia da Libertação (leia-se "opção pelos pobres").
Há uma profunda luta por aquilo que (parafraseando Bourdieu), podemos chamar de hegemonia do campo religioso interno na Igreja Romana. Se os "vaticanistas" apontam seu olhar para questões "externas", como os escândalos de pedofilia ou os problemas financeiros da Santa Sé, é preciso olhar para as disputas internas que se apresentam na complexa organização.
A eleição do Papa Francisco é uma incógnita em muitos aspectos. Mas, quando vejo a expressão de alegria de amigos padres progressistas, sei que haverão mudanças. Talvez não no sentido de liberdades que atualizem a Igreja com a Modernidade. Mas, com toda a certeza, mudanças que aproximarão a Igreja daqueles que mais a procuram: os pobres.

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