Por Thadeu Brandão
No Blog do GEDEV
Slavoj Zizek em seu "Bem vindo ao deserto do real", faz uma interessante e estimulante discussão acerca da questão dos direitos humanos na contemporaneidade. Para ele aqueles que defendem o "valor sagrado da vida", defendem-na na perspectiva de que tudo aquilo que tem possibilidade destrutiva deve ser excluido e proibido. A vida deve ser controlada naquilo que Zizeck denominou de "café sem cafeína", ou seja, prazer sem perigo. Esses defensores: "acabam num ‘mundo supervisionado em que vivemos sem dor, em segurança – e tediosamente’, um mundo em que, em nome de seu objetivo oficial – uma vida longa e prazerosa – , todos os prazeres reais são proibidos ou estritamente controlados (fumo, drogas, comida...)” (ZIZEK, 2003, p. 110).
Na mesma perspectiva de controle, o humanitarismo atual se fundamenta através de uma nova "biopolítica" de controle do indivíduo. Mesmo quando se voltam para os "excluídos", o fazem através de práticas de controle onde o "campo de refugiados" nada mais é do que a versão humanitária do campo de concentração ou do Gulag.
“Os excluídos são não apenas os terroristas, mas também os que se colocam na ponta receptora da ajuda humanitária (ruandeses, bósnios, afegãos...): o Homo sacer de hoje é o objeto privilegiado da biopolítica humanitária: o que é privado da humanidade completa por seu sustentado com desprezo. Devemos assim reconhecer o paradoxo de serem os campos de concentração e os de refugiados que recebem ajuda humanitária as duas faces, ‘humana’ e ‘desumana’, da mesma matriz formal sociológica. (...) a população é reduzida a objeto da biopolítica. Portanto, não basta enumerar os exemplos atuais doHomo sacer: os sans papiers na França, os habitantes das favelas no Brasil e a população dos guetos afro-americanos nos EUA, etc. É absolutamente crítico contemplar essa lista com o lado humanitário: talvez os que são vistos como recipientes da ajuda humanitária sejam as figuras modernas do Homo sacer” (ZIZEK, 2003, p. 111-112).
Os axiomas dos direitos humanos, democracia, domínio do direito e outros se reduzem, assim, em última instância a uma representação falseada para os mecanismos disciplinadores do "biopoder", cuja expressão última é o campo de concentração do século XX. O projeto da modernidade, inacabado como sempre, recai na perspectiva do "mundo administrado" esbolado por Adorno e Horkeimer na "Dialética do Esclarecimento". Ou, para ser mais clássico, na "jaula de ferro" weberiana. Não há humanos direitos puramentes éticos ou "inocentes" nesta perspectiva.
Vivemos num "Matrix"?
“A noção ‘totalitária’ de um ‘mundo administrado’, em que a experiência mesma da liberdade subjetiva seja a forma como surge a sujeição a mecanismos disciplinadores, é na verdade o verso fantasmático obsceno da ideologia (e prática) pública ‘oficial’ da autonomia individual e da liberdade: a primeira tem de acompanhar a segunda, suplementando-a como sua cópia obscena e nebulosa, de uma forma que traz à memória a imagem central do filme Matrix” (ZIZEK, 2003, p. 116).
Isto posto, a característica fundamental da política, mesmo a de "direitos humanos" é a redução da mesma política a uma certa "biopolítica" no sentido exato de administrar e regular a vida. Neste sentido, torna-se pertinente a crítica de Zizek às lutas contemporâneas que tentam "deslocar gradualmente o limite da exclusão social, aumentando o poder dos agentes excluídos (minorias sexuais ou étnicas) pela criação de espaços marginais em que possam articular e questionar a própria identidade". O problea é que se fecham em seu próprio ciclo de lutas, não permitindo uma emancipação mais ampla. Lutas egoístas por si só?
Vale a pena pensar nas provocações.
Bibliografia
ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas.. Tradução de Paulo Cezar Castanehira. São Paulo: Boitempo, 2003.
Slavoj Zizek em seu "Bem vindo ao deserto do real", faz uma interessante e estimulante discussão acerca da questão dos direitos humanos na contemporaneidade. Para ele aqueles que defendem o "valor sagrado da vida", defendem-na na perspectiva de que tudo aquilo que tem possibilidade destrutiva deve ser excluido e proibido. A vida deve ser controlada naquilo que Zizeck denominou de "café sem cafeína", ou seja, prazer sem perigo. Esses defensores: "acabam num ‘mundo supervisionado em que vivemos sem dor, em segurança – e tediosamente’, um mundo em que, em nome de seu objetivo oficial – uma vida longa e prazerosa – , todos os prazeres reais são proibidos ou estritamente controlados (fumo, drogas, comida...)” (ZIZEK, 2003, p. 110).
Na mesma perspectiva de controle, o humanitarismo atual se fundamenta através de uma nova "biopolítica" de controle do indivíduo. Mesmo quando se voltam para os "excluídos", o fazem através de práticas de controle onde o "campo de refugiados" nada mais é do que a versão humanitária do campo de concentração ou do Gulag.
“Os excluídos são não apenas os terroristas, mas também os que se colocam na ponta receptora da ajuda humanitária (ruandeses, bósnios, afegãos...): o Homo sacer de hoje é o objeto privilegiado da biopolítica humanitária: o que é privado da humanidade completa por seu sustentado com desprezo. Devemos assim reconhecer o paradoxo de serem os campos de concentração e os de refugiados que recebem ajuda humanitária as duas faces, ‘humana’ e ‘desumana’, da mesma matriz formal sociológica. (...) a população é reduzida a objeto da biopolítica. Portanto, não basta enumerar os exemplos atuais doHomo sacer: os sans papiers na França, os habitantes das favelas no Brasil e a população dos guetos afro-americanos nos EUA, etc. É absolutamente crítico contemplar essa lista com o lado humanitário: talvez os que são vistos como recipientes da ajuda humanitária sejam as figuras modernas do Homo sacer” (ZIZEK, 2003, p. 111-112).
Os axiomas dos direitos humanos, democracia, domínio do direito e outros se reduzem, assim, em última instância a uma representação falseada para os mecanismos disciplinadores do "biopoder", cuja expressão última é o campo de concentração do século XX. O projeto da modernidade, inacabado como sempre, recai na perspectiva do "mundo administrado" esbolado por Adorno e Horkeimer na "Dialética do Esclarecimento". Ou, para ser mais clássico, na "jaula de ferro" weberiana. Não há humanos direitos puramentes éticos ou "inocentes" nesta perspectiva.
Vivemos num "Matrix"?
“A noção ‘totalitária’ de um ‘mundo administrado’, em que a experiência mesma da liberdade subjetiva seja a forma como surge a sujeição a mecanismos disciplinadores, é na verdade o verso fantasmático obsceno da ideologia (e prática) pública ‘oficial’ da autonomia individual e da liberdade: a primeira tem de acompanhar a segunda, suplementando-a como sua cópia obscena e nebulosa, de uma forma que traz à memória a imagem central do filme Matrix” (ZIZEK, 2003, p. 116).
Isto posto, a característica fundamental da política, mesmo a de "direitos humanos" é a redução da mesma política a uma certa "biopolítica" no sentido exato de administrar e regular a vida. Neste sentido, torna-se pertinente a crítica de Zizek às lutas contemporâneas que tentam "deslocar gradualmente o limite da exclusão social, aumentando o poder dos agentes excluídos (minorias sexuais ou étnicas) pela criação de espaços marginais em que possam articular e questionar a própria identidade". O problea é que se fecham em seu próprio ciclo de lutas, não permitindo uma emancipação mais ampla. Lutas egoístas por si só?
Vale a pena pensar nas provocações.
Bibliografia
ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas.. Tradução de Paulo Cezar Castanehira. São Paulo: Boitempo, 2003.
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