Quando os discursos se desmancham no ar

Por Daniel Araújo Valença
Professor de Direito da Universidade Federal Rural do Semiárido, doutorando em Direitos Humanos pela UFPB, coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido

Ao assistir à cobertura das manifestações como se fossem cenas de guerra ao longo desta noite, em canais fechados - já que isto não seria pauta importante para os canais abertos – imaginei que, caso não detivesse o poder da visão, estaria convicto de que os manifestantes estavam armados até os dentes. Nos dois canais de jornalismo se passou a impressão de manifestações descontroladas, desgovernadas, violentas e perigosas. Chegou-se a apoiar – timidamente, é verdade - o projeto de lei que busca enquadrar movimentos sociais na tipificação de terrorismo. Citaram que, frente à nossa “tradição pacífica, esses atos fogem e muito do nosso padrão de normalidade”. Tal discurso que se desmanchava frente às suas próprias imagens desnuda uma mídia empresarial, parcial, que apoiou a violência de classe de uma ditadura militar e, agora, naturaliza a violência e tortura policial, estatal.

Os direitos não caem do céu. Não são obra Divina, como acham os jusnaturalistas; nem da legislação estatal, como o querem os positivistas avessos à qualquer possibilidade de emancipação humana. Da emancipação política de negros, índios e mulheres à direitos trabalhistas, todos surgiram de lutas populares com a respectiva reação dos detentores do status quo.

E só reafirmando a legitimidade dos atos contra os aumentos das passagens – que se repetem há anos em quase todas as capitais – é que alcançaremos o direito à mobilidade urbana. Saúde pública, educação pública, bolsa-família; estamos diante da oportunidade de construir uma plataforma para um verdadeiro sistema público de transporte urbano. A repressão, a criminalização dos manifestantes e a não responsabilização da tortura e violência policial podem, no máximo, adiar o problema por alguns anos. E, com isto, prejudicar ao longo deles à todos que tentam viver nas cidades. Mas a luta continuará. E o transporte público um dia virá.

Comentários