Leia, na íntegra, decisão do desembargador Amaury Moura que negou recurso de Renato Dantas

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE GABINETE DO DESEMBARGADOR AMAURY MOURA
Agravo de Instrumento com Suspensividade n° 2013.007122-9 Origem: Vara Única da Comarca de Tangará/RN Agravante: Tirso Renato Dantas Advogados: Dr. Marcus Vinicius Coelho Leal de Oliveira e outros Agravado: Ministério Público Estadual Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho
Decisão
Trata-se de Agravo de Instrumento com suspensividade interposto por Tirso Renato Dantas contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Tangará/RN que, nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Casamento (processo no 0100172-53.2013.8.20.0133), deferiu, em parte, o pedido de tutela antecipada e determinou a suspensão dos efeitos do casamento celebrado entre Ruyma Mansur Pereira e o ora recorrente, devendo a decisão ser comunicada ao INSS, por seu superintendente no Estado do Rio Grande do Norte, além de cientificado o Ofício de Registro Civil de Tangará/RN, por seu Tabelião, para adoção das medidas necessárias para o cumprimento da decisão.
Em suas razões recursais, afirma, em suma, que se casou pela primeira vez com a senhora Ruyma Mansur Pereira em 19 de maio de 1979, quando os nubentes ainda eram muito jovens; ficaram casados por aproximadamente oito anos; reencontraram-se no ano de 2011, e, em um jantar comemorativo, em 29 de outubro daquele ano, o casal anunciou a familiares e amigos a pretensão de casar-se novamente; a afirmação do Ministério Público de que houve simulação de casamento para o agravante se beneficiar de uma pensão junto ao INSS não condiz com a verdade, até porque o agravante, na condição de padrasto, já chegou a enviar toda a quantia que recebe para os filhos de sua esposa.
No tocante ao casamento questionado pelo Ministério Público, destaca que não foi detectado pelo tabelionato da Comarca de Tangará/RN qualquer irregularidade no processo de habilitação e proclamas; duas das testemunhas da celebração do matrimônio civil eram o pai e o filho da nubente, conforme permissão legal; para o casamento civil os noivos compareceram ao cartório duas vezes; apesar do matrimônio ter sido feito por procuradora, considerando o estado de saúde da nubente, não houve irregularidade capaz de torná-lo nulo.
Para justificar a tutela antecipada recursal, enfatiza que a pensão por morte, como as demais pensão previstas em nossa legislação, possui natureza alimentícia; está ajudando na sobrevivência dos filhos de sua nubente, com a pensão deixada por força do falecimento dela; o agravante e seus enteados correm grande risco de terem um prejuízo de difícil reparação, caso o equívoco ocorrido na decisão, ora agravada, não venha a ser corrigido.
Diante de tais razões, pede que seja atribuído efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, suspendendo a decisão agravada, para oficiar à Superintendência do INSS e autorizar o pagamento dos benefícios por morte ao agravante, incluindo os meses cortados. No mérito, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de reformar a decisão recorrida de forma definitiva.
Pede, ainda, os benefícios da justiça gratuita. Junta os documentos de fls. 17/38 e cópia integral do processo principal (em três volumes).
Distribuído inicialmente ao Desembargador Saraiva
Sobrinho, este averbou suspeição para funcionar no feito (fl. 41).
É o que importa relatar. Defiro o pedido de gratuidade judiciária para este recurso.
A permissibilidade de concessão do efeito suspensivo ao agravo de instrumento decorre dos preceitos insculpidos nos artigos 527 e 558 do Código de Processo Civil, sendo que este último condicionou-a à demonstração pelo recorrente da possibilidade de ocorrência de grave lesão e de difícil reparação, sendo ainda relevante a fundamentação do pedido.
No caso sob exame, não obstante o pedido de suspensividade, observo que o agravante não cuidou, satisfatoriamente, em demonstrar a existência de um dos requisitos necessários a alcançar o postulado, pelo menos inicialmente.
A relevância da fundamentação que, nesses casos, deve incutir, de logo, no espírito do julgador a previsão de que o recurso poderá ser provido, não se reveste, in casu, de força suficiente para alcançar tal desiderato, porquanto a ação de anulação de casamento está embasada em motivos bastante ponderáveis, pois realmente chama a atenção a realização do ato matrimonial pouco antes do óbito.
Embora situações como estas possam ser consideradas válidas e regulares, tanto que a lei prevê, inclusive, o casamento in extremis ou nuncupativo, que pode até dispensar toda e qualquer formalidade (art. 1.541 do Código Civil), na espécie, mesmo num exame apriorístico, como é próprio das liminares, há evidências da simulação, de forma a justificar a suspensão liminar do pensionamento ao viúvo.
Os documentos que integram o Inquérito Civil no 02/2012 sinalizam como muito provável o resultado pretendido pela parte autora na ação. Há fortes indícios de que a tramitação do pedido de habilitação ocorreu em Município distinto da residência dos nubentes, como se constata nos depoimentos testemunhais colhidos durante a instrução do procedimento administrativo. O instrumento procuratório extraídos dos autos do processo de habilitação (fl. 47 – anexo 1), não atende ao comando normativo do art. 1.542 do Código Civil, pois não se trata de instrumento público, não é específico e não outorga poderes para a formalização do precedente procedimento de habilitação matrimonial.
Da mesma forma, o depoimento do agravante no Inquérito Cível acima mencionado (fls. 368/374 – anexo 3) corrobora os indícios de simulação, sobretudo quando ele afirmou que reside em Parnamirim/RN; não se lembra do endereço em que morava em Tangará/RN, local onde ocorreu o matrimônio; respondeu que a nubente também reside em Natal/RN; e que não se lembrar do nome do médico ou médicos que tratou a nubente.
A tese autoral de uso do instituto do casamento para fins exclusivamente previdenciários também encontra respaldo no Procedimento Administrativo no 0008/2012, instaurado em desfavor do Oficial de Registro do Município de Tangará/RN, ocasião em que foram reveladas irregularidades no processo de habilitação do matrimônio, com aplicação de penalidade disciplinar de advertência ao Tabelião e Oficial de Registro do Município de Tangará, à época do fato (fls. 106/112).
Por outro lado, as fotos, declarações, extratos bancários e certidão utilizados para instrumentalizar este agravo não são capazes de afastar as evidências trazidas nos documentos que acompanharam a petição inicial. As fotos descrevem a vontade da nubente, mas no primeiro casamento com o agravante, ocorrido em 1979. As declarações foram subscritas por parentes e amigos da nubente, com pouco valor probatório quando se pretende provar a vontade da falecida naquele momento,
sobretudo diante do interesse patrimonial em jogo. As três transferências bancárias (ocorridas em outubro de 2012, janeiro e março de 2013), como forma de provar que o padrasto estaria preocupado com a sobrevivência dos filhos da falecida, não possuem o condão de afastar os indícios de fraude ocorrida no matrimônio. A certidão lavrada pelo Tabelião e Oficial de Registro (fl. 37) está em dissonância com a sentença proferida na sindicância disciplinar acima citada.



O que se deve verificar, em casos deste jaez, é o descompasso entre o aspecto formal e o aspecto interior, volitivo, materializada na vida em comum, nas obrigações naturais entre os nubentes. Todavia, no caso sub examine, mesmo em sede de cognição sumária, tanto o aspecto formal quanto o material/interior estão, ao que parece, comprometidos.
Por seu turno, sobre o conteúdo normativo do artigo 273, §2o, do CPC, a representar uma suposta impossibilidade de concessão de tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, adoto o entendimento dos professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (in Processo de Conhecimento, 8aedição, página 231) segundo o qual “o direito constitucional à adequada tutela jurisdicional estaria sendo negado se o juiz estivesse impedido de conceder tutela antecipatória apenas porque corre o risco de causar prejuízo irreversível”, ou seja, se o pedido busca evitar um dano irreparável (inciso I do artigo 273 do CPC) ao direito provável do autor, “não há como não admitir a concessão dessa tutela sob o simples argumento de que ela pode trazer um prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável.”
Portanto, ainda que exista a possibilidade de prejuízo ao agravante, no caso de improcedência da demanda, deve a tutela antecipada ser concedida quando demonstrada a probabilidade do direito do autor, por meio de prova inequívoca, como evidenciado na espécie.
Demais disto, como bem sublinhou o Magistrado de primeiro grau, há risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o Instituto de Previdência com o pagamento de benefício que se originou de um ato civil aparentemente irregular.
Pelo exposto, INDEFIRO o pedido formulado. Intime-se a parte agravada, por meio de seu representante, para responder, querendo, no prazo legal, facultando-lhes juntar cópias e peças que entenderem necessárias.
Após, à Procuradoria Geral de Justiça. Publique-se. Intime-se.
Natal, 7 de maio de 2013.
Desembargador Amaury Moura Sobrinho Relator

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