O pecado capital de Gilson Moura

O Ministério Público do RN foi econômico a respeito do cumprimento de mandados de busca e apreensão realizados esta manhã em endereços do deputado estadual Gilson Moura.  Aliás, sequer citou o nome do deputado, mas ao esclarecer que a operação foi comandada pelo Procurador Geral de Justiça, Rinaldo Reis, indicou se tratar de um investigado com foro privilegiado.
Deixou claro também se tratar dos desdobramentos da Operação Pecado Capital, desencadeada em setembro de 2011.
Mas eu fiquei aqui a me perguntar o que o Ministério Público estadual estava fazendo em uma Operação cujo processo já corre na justiça federal, em virtude do fato de que o IPEM, autarquia estadual na qual ocorreram os primeiros ilícitos investigados, tem parte de seu orçamento custeado por verbas federais.  No caso dessa investigação, há poucos dias o MPF pediu a condenação de Gilson Moura por improbidade, inclusive solicitando seu afastamento da função pública.
Porém, as investigações da Operação Pecado Capital chegaram à Ativa - que sofreu, inclusive, uma intervenção da justiça estadual.  E a Ativa não recebe verbas federais.  É na Ativa que se escondem os motivos da ação do Ministério Público estadual de hoje.  Brinquei com essa investigação chamando-a de Operação Pecado Capital 2, ainda em 2012.
Em setembro de 2012 a ação contra a Ativa se tornou pública. E o blog informou alguns detalhes de como o esquema do IPEM se transferiu e se repetiu na Ativa durante a gestão da ex-prefeita Micarla de Sousa:

No contexto da investigação que um ano atrás redundou na Operação Pecado Capital - atualmente sendo julgada pela justiça federal -, o Ministério Público do RN investigou também a Ativa - Associação de Atividades de Valorização Social -, cuja presidente em 2009 e 2010 era Emanuela de Oliveira Alves, noiva de Rychardson Macedo, apontado como cabeça do esquema criminoso no IPEM. A investigação mostrou que o esquema montado no IPEM tinha desdobramentos também na Ativa. 
O MP denunciou cinco pessoas por crimes como peculato e lavagem de dinheiro - alguns dos crimes foram cometidos pelo menos 17 vezes. Alguns denunciados já são réus da Operação Pecado Capital. São eles: Rychardson de Macedo Bernardo, Rhandson Rosário de Macedo Bernardo, José Bernardo (pai de ambos), Emanuela de Oliveira Alves (noiva de Rychardson) e Cássia Rochelane Araújo (cunhada Aécio Fernandes, réu da Operação Pecado Capital). 
O Ministério Público descobriu que ao menos R$ 53.861,10 foram desviados da Ativa para a Platinum Veículos, de Rychardson e Rhandson, e que R$ 2.125,00 saíram da Ativa para a conta do Supermercado É show, também pertencente aos irmãos. 
Enquanto Rychardson Macedo comandava o Ipem e o esquema fraudulento ali, sua noiva, Emanuela de Oliveira Alves, era presidente da Ativa, que apesar de ser uma entidade privada, depende dos recursos públicos advindos de convênios com estado e município. Além disso, o presidente da Ativa é nomeado pelo prefeito. Ou seja, Emanuela foi nomeada pela prefeita Micarla de Sousa. Como Rychardson, Emanuela era apadrinhada do deputado estadual Gilson Moura. 
Como se dava o esquema? 
Simples. Cheques da Ativa eram emitidos em nome de prestadores de serviço e, depois, endossados para depósito nas contas das empresas - que existiam apenas, segundo o MP, para lavagem de dinheiro. 
“No curso das investigações”, diz o MP, “foi deferido o pedido de quebra de sigilo fiscal e bancário da Ativa (...) mediante o qual foi possível a obtenção da microfilmagem dos cheques mencionados, bem como a movimentação das contas bancárias”. 
Um exemplo do funcionamento do esquema pode ser dado pelo caso de Reginaldo Luiz Bonito, da R.L. Bonito. Reginaldo foi contratado pela Ativa para o fornecimento de tendas. A empresa emitiu uma nota fiscal de R$ 6.500 por uma parte do serviço, mas jamais foi paga: “Toda semana eu tava indo lá para ver se conseguia receber, depois de quarenta dias de atraso. Ia toda semana lá e a pessoa ou não tava, e pessoa responsável pelo pagamento não tava. Eu sei que até hoje não vi a cor desse dinheiro”. 
No entanto, a investigação do MP encontrou o cheque de número 071307 no valor de R$ 6.500 emitido pela Ativa para o pagamento do serviço. O cheque foi depositado, no entanto, na conta de uma das empresas de Rychardson. Com um agravante. Diz Reginaldo que “se fosse para eu receber eu não ia nem receber nesse valor porque já é descontado o imposto antecipado. E eles me mandaram o comprovante do imposto. Só tá apagado porque era fax. Mas tá aqui o comprovante que foi pago o imposto do ISS da Prefeitura antecipado”. 
Outro fornecedor que foi vítima do esquema é Leandro Marques César Gomes, da Potiguar Comércio e Serviços. Leandro também forneceu duas vezes para a Ativa. A primeira compra, de R$ 1 mil, não teve problema. Já a segunda, no valor de R$ 4.450,00, nunca foi paga. Quer dizer, nunca foi paga a Leandro. Porque a Ativa emitiu o cheque, que foi depositado outra vez numa conta de Rychardon Macedo. E o pior: cheque foi depositado sem nenhum endosso, mesmo sendo nominal à Potiguar Comércio e Serviços. 
Uma das coisas que os denunciados faziam era aproveitar-se do cadastro realizado por empresas para prestação de serviços a fim de operacionalizar a fraude. Aparentemente foi isso que aconteceu com a JMG da Silva Varejista ME. Mas, pasme, o cadastro da JMG, que nunca forneceu para Ativa mas teve um cheque emitido em seu nome depositado nas contas do esquema, foi realizado no IPEM, comandado por Rychardson Macedo. “Na época lá do Ipem, eu fiz um cadastro dela lá mas nunca foi executado nada com ela”, diz Carlos Marcílio Simão da Silva, representante da empresa. O cheque emitido em favor da JMG era no valor de R$ 4.465,00 e foi impresso na mesma máquina e no mesmo dia em que um outro cheque - por um serviço fictício - foi emitido em favor da empresa de Carlos Marcílio, a EPC Engenheiros, Projetistas e Consultores. Os dois cheques foram depositados na mesma conta do esquema de Rychardson. Assim como a JMG, a EPC jamais prestou serviços à Ativa, tendo realizado algumas obras no Ipem. 
Em alguns casos, fica evidente também que os denunciados inclusive falsificaram as assinaturas dos enganados a fim de conseguirem realizar o endosso dos cheques e o depósito nas contas da organização. Contas abertas em uma agência do Banco do Brasil no município de Governador Dix-Sept Rosado, no alto oeste potiguar. 
O depoimento de Atalia de Lima Barreto, que foi chefe do setor de pessoal da Ativa, esclarece que um cheque emitido em seu nome e endossado com sua assinatura para depósito em uma conta do esquema fraudulento, foi falsificado. A assinatura, em que pese a semelhança, não foi reconhecida pela funcionária, que também afirmou nunca ter recebido aquele valor em cheque. 
Proprietário da Nordeste Comércio de Alimentos, Felipe Fernandes Dantas reconhece o serviço prestado e que recebeu o pagamento devido. No entanto, não sabe explicar como o cheque utilizado pela Ativa para pagar-lhe também foi depositado em uma conta do esquema fraudulento - também sem o devido endosso. O MP suspeita que os cheques tenham sido emitidos em duplicata - um deles pagou a Nordeste e o outro abasteceu o esquema.
Em novembro publicamos alguns textos sobre a denúncia da Ativa, dando conta de funcionários fantasmas usados para desviar recursos da ONG, cabide de emprego para aliados da prefeita.  Uma das denúncias mais sérias e que caía diretamente no colo de Gilson Moura foi publicada ainda em setembro de 2012 neste blog: em pelo menos dois casos o MP constatou a falsificação de assinaturas no endosso de cheques, um deles mais escabroso no que diz respeito à forma de operação da organização criminosa.
Jackson Pereira dos Santos Júnior é mecânico. Para Jackson, foram emitidos dois cheques: um no valor de R$ 1350,00 e outro no valor de R$ 2600,00. O mecânico jamais recebeu os cheques e pior: as assinaturas que os endossaram para depósito nas contas do esquema criminoso foram reconhecidas também como falsificadas. Jackson sequer tem conta em banco.

Como a quadrilha conseguiu os dados pessoais de uma pessoa que nunca prestou serviço a órgão público algum? O Ministério Público perguntou-lhe se ele se recordava de ter preenchido cadastro em algum órgão público para conseguir emprego ou se algum tenha pegado seus dados. Em órgão público não teve, mas cadastro para emprego teve sim: “A gente trabalhou, a gente ajudou nessa campanha de Gilson Moura. Aí realmente ele prometeu emprego a gente”.

Ou seja, os dados de Jackson foram fraudados no âmbito da campanha de Gilson Moura. Depois disso, a Ativa emitiu dois cheques para supostamente pagar serviços que nunca foram realizados pelo mecânico. Sua assinatura foi falsificada, endossado os cheques, que foram depositados em uma conta do esquema fraudulento de Rychardson Macedo.

A dúvida que resta é se o MP conseguirá avançar as investigações dentro da Assembleia Legislativa.  Afinal, no IPEM, por exemplo, havia indicados não só de Gilson Moura atuando no esquema.  A irmão do deputado comunista Fábio Dantas, por exemplo, é citada em uma das interceptações telefônicas.

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