Jornalistas contam porque viraram professores e quais os desafios e prazeres da mudança

Fui honrosamente entrevistado para esta matéria do Portal Imprensa.

Por Jéssica Oliveira

Sonho, desdobramento natural da continuação dos estudos, consequência do interesse pela pesquisa e área acadêmica, desilusão com algumas práticas do dia a dia profissão. As razões que fazem um jornalista trocar a redação pela sala de aula variam, mas todas parecem levar ao mesmo lugar: a paixão pela arte de ensinar.
“Eu me divirto e aprendo o tempo todo. Ensinar é um trabalho artesanal, cada aula é única, cada turma é única”, afirma Kátia Zanvettor, professora de disciplinas básicas e práticas do curso de Jornalismo, Rádio e TV e Publicidade e Propaganda na Universidade Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos (SP).
Mestre e doutora em educação, ela não planejava dar aula quando entrou na faculdade. O interesse surgiu em função do gosto pela reflexão teórica e crítica ao jornalismo e, por isso, continuou estudando. “Mas sabia que essa decisão me levava para carreira acadêmica. No Brasil, dificilmente existe espaço só para pesquisador em comunicação. Uma das atribuições é lecionar”, explica.

Apesar de investir em experiências na área acadêmica, como cursos, palestras e fóruns, Kátia manteve diferentes frentes na carreira. Paralelamente aos estudos, a especialização, ao mestrado e ao doutorado ela trabalhou em redações, projetos e assessoria de imprensa. “Eu sempre tive a ideia de que o jornalista é um profissional plural, dinâmico e pode fazer várias coisas”, conta. 

Comprometida com essa visão do jornalista multitarefa, atualmente ela leciona no período da noite, prepara o conteúdo e pesquisa para o pós-doutorado vinculado ao Labjor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), presta consultoria na área de comunicação, escreve artigos e, “vira e mexe”, atende o chamado do jornalismo. “Faço um trabalho aqui e outro ali. Gosto disso, porque no fundo sou jornalista e todo jornalista é meio generalista, gosta de se meter em um monte de coisas”.
Crédito:Arquivo pessoal
Para Lemos, ser professor é uma realização pessoal

Uma paixão repentina
Dar aula também não era o sonho de Daniel Dantas Lemos. “Quando entrei em contato com a pesquisa científica [no mestrado], me apaixonei. Ser professor é uma realização pessoal”, afirma ele que é professor de Jornalismo Impresso, Ética e legislação em jornalismo, na Universidade Federal do Ceará (UFC).
Formado em jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com mestrado e doutorado em Estudos da Linguagem pela mesma instituição, o profissional conta que mesmo decidido a dar aulas e pesquisar, o novo objetivo demorou para ser concretizado.
Em 2006, após terminar o mestrado, Lemos foi aprovado em um concurso público na Petrobras, onde ficou por seis anos. “O sonho da sala de aula foi adiado - pensei, inclusive, que tinha sido cancelado”, lembra. Mas o início no doutorado o reaproximou do ambiente acadêmico. “Decidi que era a hora de correr atrás do sonho. Fiz concurso na UFC e passei”, conta.
Atualmente, professor com dedicação exclusiva, Lemos mantém um blog e pesquisa questões relacionadas ao jornalismo sem fins lucrativos, novas sociabilidades promovidas pelas redes sociais e aspectos das teorias do jornalismo. “A gente tem que se dividir em pesquisa, ensino e extensão. Não dá tempo, mesmo que a gente quisesse ou pudesse, para atuar fora da universidade”, diz.

Mesmo com a rotina puxada e tomada pelas demandas da vida de professor, Lemos garante que sua paixão pela profissão está sempre renovada. "Nada, para mim, é mais revigorante que a experiência em sala de aula", afirma.

Crédito:Arquivo pessoal
Brogna disse que pedir demissão foi sua melhor decisão

Um amor para curar o outro
Marcos Brogna literalmente trocou a redação pela sala de aula. Formado em jornalismo e especialista em Comunicação pela Cásper Líbero, ele sonhava trabalhar em jornal impresso e fez isso por cerca de 15 anos. Brogna foi repórter de cidades e política, editor de cadernos diversos, editor-chefe de jornal diário, editorialista e comentarista da rádio do grupo. “Aprendi muito em trabalhos investigativos, mas também me frustrei com muitas outras posturas”.
As coisas começaram a mudar quando, como editor-chefe, ele foi convidado a participar de seminários e a fazer palestras para estudantes de comunicação. “Foi aí que me apaixonei pela docência, pois sentia naquele contato direto algo muito mais intenso e transformador do que manchetes de capa”, lembra.

Não demorou muito e ele direcionou sua carreira para a sala de aula: voltou a estudar e iniciou a pós-graduação em "Prática do Ensino Superior" e "Didática do Ensino Superior". “Minha monografia mesclou a comunicação com a educação. Pesquisei em escolas de todo o Brasil a relação dos jovens com as velhas e as novas mídias, assim como o papel da família e da escola na decisão do "ser quando crescer"”, explica.
Na pós ele fez contatos profissionais e descobriu uma editora que precisava de um jornalista para atuar na área educacional. Ao mesmo tempo, passou no processo seletivo para dar suas primeiras aulas na Metodista. “Abracei as duas oportunidades e me demiti do jornal”, recorda.
Atualmente professor do Senac São Paulo, na área de Eventos e Hotelaria, em disciplinas ligadas à Comunicação, Brogna lembra que foi chamado de “louco” por deixar a redação, mas considera até hoje essa a sua melhor decisão. "Me libertou para meu sonho profissional. “Quando um aluno chega dizendo que você mudou a vida dele com suas aulas, faz-se um milagre, o milagre do conhecimento. Eu amo ser professor e o lugar onde mais me sinto jornalista é dentro de uma sala de aula”, ressalta.

Bagagem de redação: ter ou não ter?
Uma das questões que costuma interessar aos estudantes que prestam jornalismo no vestibular é saber quem serão seus professores na universidade. Para alguns, a falta de experiência em redação não faz diferença, para outros é importante, alguns consideram fundamental. 

“Essa é uma velha e boa polêmica. Apesar de eu ter passado e achar que isso me ajuda em alguns aspectos não acho que um bom professor tem que ter passado pela redação”, diz Kátia. Para ela, o compromisso do professor é juntar teoria e prática, e isso é possível “apenas estudando, observando e tendo bons contatos”. 

“Você só pode escrever uma reportagem sobre editar um livro de poesias se for poeta? Claro que não! O bom repórter vai buscar boas fontes, exemplos e experiências para reportar que o ajudam a contextualizar essa experiência. Com o professor é o mesmo. A gente está em sala de aula, mas o tempo todo com o olhar no mercado, refletindo sobre ele. Isso sim é imperativo e não a trajetória em si”, destaca.
Brogna e Lemos concordam. Segundo eles, a vivência na redação pode ser interessante, mas não é fundamental. “Redações ensinam muito, mas também deturpam demais”, pontua Brogna. “Um pesquisador, um professor com boa formação acadêmica pode ser extremamente importante na formação mais ampla dos jornalistas - principalmente no que diz respeito à parte teórico-prática da comunicação”, conclui Lemos.

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