É moralmente aceitável um governador colocar dinheiro público em rádios da família?

Por Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo

A peculiar ética do candidato


Gostei muito de Luciana Genro, no primeiro turno, pela sinceridade em suas colocações.

Sinceridade é uma das virtudes que mais me tocam.

Pelo lado inverso, hipocrisia me incomoda terrivelmente. Não conhecia a fundo, antes da campanha, Aécio Neves.

O que mais me aborrece nele é exatamente sua desfaçatez, aliás esplendidamente exposta por Luciana Genro num debate presidencial.

Hoje, por exemplo.

Vejo no site da Folha que o governo de Minas não informa quanto dinheiro colocou em publicidade nas rádios de Aécio.

Alguém aí falou em transparência?

O que se sabe é que, sob Aécio, os gastos com publicidade do governo de Minas cresceram três vezes.

Um momento: Aécio tem uma rádio? Mais precisamente: três? E um jornal?

Tudo bem um político ter veículos de mídia? A Constituição veda, como lembrou em sua campanha Luciana Genro. Ela prometia acabar com a farra.

Mas de novo: é decente isso, ainda que dando o controle a laranjas possa ser legal?

É decente você, como governador, colocar dinheiro público em rádios e num jornal de sua família?

Se Aécio fosse um prodígio como empreendedor, poderíamos discutir com um pouco mais de complexidade este assunto. Mas ele ganhou sua primeira rádio aos 25 anos, uma cortesia de Sarney. Caiu em seu colo de neto de Tancredo.

Em que mundo vivemos? Sei que não estamos na Suécia, onde muito menos que isso é socialmente inaceitável, mas também não temos que exagerar no lado contrário.

A mídia – sempre tão pronta a se indignar com qualquer coisa – acha normal isso? É uma pergunta que eu gostaria de fazer aos donos das empresas jornalísticas.

E os colunistas campeões da moralidade: o que pensam disso? Gostaria também de saber a opinião de sumidades jurídicas como Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes.

A Folha diz que o governo mineiro não diz quanto colocou nas empresas de mídia da família Neves.

Mas é claro que com algum esforço de reportagem essa informação seria obtida. Alguém, cansado de tanto despudor, vazaria a cifra.

Mas a Folha sabe até onde ir. O que mais interessa a ela é manter a imagem de pluralismo, e não propriamente elucidar escândalos de gente como Aécio.

Quanto a mim, gostaria de saber quanto dinheiro foi posto também na Globo nestes anos de Minas sob Aécio.

Quantos milhões?

Isso ajuda a entender por que a Globo jamais cobriu, com honestidade jornalística, Aécio.

As grandes empresas jornalísticas não mamam apenas do governo federal. Mamam também de governos estaduais e de prefeituras.

Se Alckmin perdesse, o lote de assinaturas da Veja para escolas – os alunos desprezam, naturalmente, e nem tiram da embalagem – não seria renovado. Livros didáticos da Abril não seriam comprados.

Aí está um paradoxo: se você desplugar as empresas de comunicação do Estado, elas desabam. Elas são Estadodependentes. Não caminham pelas próprias pernas.

Nem competir elas competem: há uma reserva de mercado que veda a entrada de empresas estrangeiras.

Um choque de capitalismo: é isto que as empresas deveriam receber, e não verbas de todos os lados que as fazem depender do “Estado Babá”.

Claro que, num choque capitalista, políticos não poderiam ser donos de veículos de mídia pelo óbvio, brutal, intolerável conflito de interesses.

Pela indecência, em suma — um atributo que se torna ainda mais sinistro quando associado a alguém que diz defender a decência.