Por Diogenes Brandão
Depois de 88 dias do assassinato do cabo da Polícia Militar Antônio Marcos da Silva Figueiredo, o "Pet", seguido com a retaliação por parte de uma milícia que executou 10 jovens em bairros periféricos, na virada do dia 04 para o dia 05 de novembro de 2014, naquilo que ficou conhecido como a Chacina de Belém, foi entregue na manhã desta sexta-feira (30), o relatório final da CPI das Milícias, com 226 páginas, o trabalho é fruto de 44 dias de investigações sobre o caso que abalou o Estado e o Brasil, tamanha a covardia e a frieza com que as vítimas foram executadas.
Além de pedir o indiciamento do miliciano "Pet" e de seus comparsas, entre eles o Sargento Rossicley Silva, que convocou a chacina via facebook, o documento faz uma série de recomendações revela como agem os grupos de milicianos no Pará, além de descrever como funciona o esquema criminoso, que segundo o relatório, é financiado pelo controle do tráfico de drogas, em áreas comandas pelas milícias; assassinatos por encomenda; "contratos" de segurança privada, feita por policiais e ex-policiais de forma clandestina; venda de "proteção" para traficantes venderem suas drogas tranquilamente; apropriação e revenda de drogas roubadas de outros traficantes e usuários de drogas; roubos; assaltos e até desvio de recursos públicos, seja através do financiamento de candidaturas e depois fraudes em licitações, além de outras ações ilegais e corruptas, junto à prefeituras e mandados parlamentares. Um poder pararelo que subjulga e desafia o Estado de Direito no Pará e coloca-nos diante de uma realidade muito parecida com o roteiro do filme Tropa de Elite II.
O relator da CPI, Deputado Carlos Bordalo (PT) revelou que ficou perplexo ao ter acesso às informações de um grampo telefônico da polícia, onde os criminosos revelaram o preço de um assassinato por encomenda, o qual varia entre R$ 200 e R$ 15 mil. "Um delegado confessou para mim que investigar o trabalho das milícias fez com que ele se mudasse de endereço várias vezes, saísse do estado. Se ele me disse isso, o que não pode acontecer com a gente?", disse o relator da CPI, Carlos Bordalo.
Não foi à toa que logo depois da Chacina em Belém, mais de 100 entidades da sociedade civil organizada manifestaram a necessidade da instalação da CPI na Assembleia Legislativa do Estado, afinal não havia a confiança de que haveria a vontade política por parte do governador do Estado em dar encaminhamentos práticos e ágeis às investigações de forma transparente, pois muitos outros casos de chacinas e execussões já aconteceram e quase todos ficaram impunes.
E foi na base de muita pressão política, que mesmo com a base governista na ALEPA sendo maioria e se posicionado contra o requerimento feito pelo Deputado Edmilson Rodrigues (PSOL), a oposição conseguiu coletar o número mínimo de assinaturas entre seus pares e deu entrada no requerimento de instalação da CPI, que foi instalada e cumpriu seus objetivos específicos, os quais estavam definidos em:
I – Determinar a existência de Milícias e Grupos de Extermínio, identificando seu "modus operandi", seu estágio de desenvolvimento e o grau de infiltração de seus membros em instituições públicas, especialmente da área de Segurança Pública.
II) Determinar a participação de Milícias ou Grupos de Extermínio nas seguintes Operações:
1. Operação "Navalha na Carne", deflagrada em agosto de 2008;
2. Operação "Katrina", deflagrada em agosto de 2014;
3. Operação "Falso Patuá", deflagrada em setembro de 2014.
III – Determinar a participação de Milícias ou Grupos de Extermínio nos seguintes eventos:
1, Chacina de Rondon do Pará, ocorrida em 12 de fevereiro de 2010;
2, Chacina de Abaetetuba, ocorrida em 04 de junho de 2011;
3. Chacina de Santa Izabel, ocorrida em 27 de agosto de 2011;
4. Chacina de Icoaraci, ocorrida em 19 de novembro de 2011;
5. Chacina da Terra Firme e Guamá, ocorrida nos dias 04 e 05 de novembro de 2014.
IV – Determinar a existência de correlação entre a atuação de Grupos de Extermínio abaixo relacionados e Mílicias:
1. Grupo de Extermínio de Igarapé Açu;
2. Grupo de Extermínio de Tomé Açu;
3. Grupo de Extermínio de Paragominas;
4. Grupo de Extermínio em atuação em Ananindeua e Marituba, com foco no bairro do Aurá.
Como se pode perceber, a CPI não apurou apenas um evento e uma ação de extermínio, como muitos imaginam, e sim um poder paralelo que se alimenta das mais variadas práticas criminosas e que age com braços de agentes públicos, com poder econômico e político no Estado do Pará. Cabe agora que o Executivo Estadual e o Ministério Público do Estado deem continuidade às investigações e assim como as prefeituras das cidades, os órgãos responsáveis pelas políticas públicas desenvolvam ações que oportunizem a juventude a ter mais acesso ao seus direitos com oportunidades e proteção social.
Leia e baixe o relatório completo aqui.
Protesto pacífico
Vídeo gravado por jovens e postados nas redes sociais, mostra o protesto pacífico da juventude paraense que agonizada com a insegurança e a pouca oferta de oportunidades oferecidades
Durante a apresentação do relatório um grupo de mais de 200 jovens oriundos de movimentos sociais da cidade e do campo, conseguiram se desvencilhar dos seguranças da ALEPA e ocuparam o auditório João Batista com palavras de ordem contra a impunidade e cantando letras de canções como "Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia", fizeram uma performance como protesto pacífico e depois participaram do ato que entrou para a história política do Estado do Pará.
A juventude sendo dizimada
Segundo o 5º Índice de homicídios de adolescentes divulgado pelo governo federal, sociedade civil e UNICEF, nesta quarta-feira (28), até 2019 mais de 40 mil jovens, entre 12 e 18 anos serão assassinados. No rancking nacional, o Pará o 8º Estado mais violento e Belém é a 5ª cidade mais violenta do Brasil para a juventude.
Mesmo assim, os problemas do Estado e da região Norte não são citados em vários instumentos de monitoramento dos Direitos Humanos, tal como o Relatório sobre os Direitos Humanos no Brasil e no mundo, recentemente publicado pela Human Rights Watch e pouco se fala dos problemas da região Amazônica. É uma guerra invisível, onde as vítimas são negros, pobres e sem acesso à educação, saneamento, bens culturais e proteção do Estado.
Pra piorar, programas policialescos exibidos por diversas emissoras de ´radio e TV, incitam a violência policial, com o preconceito e a discriminação, formando uma opinião pública favorável à ação de grupos de extermínio de quem se enquadra no perfil de suspeitos. Com isso, por mais não que não sejam criminoso, muitos jovens e adolencentes em situação de vulnerabilidade social e pessoal, acabam sendo mortos ou presos injustamente.
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