Distingue semper

Por Wilson Gomes

Feliciano e felicianistas, Malafaia e malafaistas não são "os evangélicos". Fundamentalistas religiosos não são "os religiosos", muito menos são "os cristãos" ou "o cristianismo". Homofóbicos que usam a expressão "a Bíblia condena" não são "a Bíblia". Bem que eles queriam. Não alimente os seus delírios de grandiosidade, coisa que você o faz quando resolve, reagindo aos abusos de homofóbicos religiosos, que os evangélicos, os cristãos, o cristianismo ou a Bíblia são uma forma maligna, conservadora, violadora da dignidade humana e dos direitos de minorias. Eles são uma facção do cristianismo, uma seita (um recorte, uma seção) do mundo evangélico, a mais feia e a mais triste, não lhes dê o poder de, sendo uma parte, poder falar em nome do todo. Felicianistas e malafaistas estão para o mundo evangélico como os hooligans estão para torcedores de futebol e os black-blocs para manifestações democráticas.

Não, não vou tentar lhes enganar que o cristianismo é amor, compreensão e bondade. É isso e também o seu contrário. O cristianismo é, foi e será o que os cristãos de uma determinada época e cultura conseguirem ser. Há cristãos dignos e santos e cristãos imprestáveis, há cristãos que vivem para a misericórdia, a compaixão e cristãos que encarnam a fúria moralista e não consideram a vida, o respeito ao outro e o amor ao próximo mais importantes do o que eles acham ser "a vida reta". Cristãos podem ser bons ou maus e encontrar no cristianismo a razão para uma e outra coisa. Faça distinções, preste atenção, não simplifique. Não perca a solidariedade dos bons, assimilando-os, ainda que apenas verbalmente, aos maus.

Tampouco vou tentar iludir ninguém dizendo que da Bíblia só se pode destilar o amor. Nós todos estudamos história na escola e aprendemos que das milhares de leituras possíveis da Bíblia - baseadas em Teologia ou no amadorismo da fé, "corrigidas" pelo Magistério ou orientadas por profetas e sacerdotes reais ou autodenominados, para o uso pessoal e íntimo do encontro da alma com Deus ou para tomar providências e interferir no mundo - foram derivadas as justificativas para as mais horrendas e sublimes das coisas. Mas dizer que a Bíblia causa homofobia é infinitamente menos verdadeiro do que dizer que a Bíblia causa a bondade de coração. É entregar aos homofóbicos a guardiania do texto sagrado de boa parte da humanidade e o direito de falar em nome da Fé. Eles adorariam ser postos nesta condição de intérpretes autorizados e ungidos da Sagrada Escritura, que é muito mais confortável do que a sua real condição de leitores teologicamente ignorantes, fundamentalistas rasteiros e fanatizados da Bíblia. Não os promova, não alimente as bestas.

Ninguém ganha disputas sem fazer distinções, ensinam os dominicanos. "Distingue semper", dizem. Ninguém vence a batalha pelos corações e mentes na esfera pública simplificando os seus adversários e fazendo-os maiores do que realmente são, ouso completar. Um bom dia, amigos.

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