RioGrandedoNorte.Net: Veja, dos dólares de Cuba aos dólares de Romário

Logo mais, 10h, será lançado o RioGrandedoNorte.Net como fórum de discussão permanente sobre, principalmente, os problemas do estado.

Faço parte do projeto.
Meu texto de estréia, publicado originalmente aqui, é reproduzido a seguir:

É praticamente ponto pacífico entre jornalistas e pesquisadores de jornalismo a ideia de que objetividade, imparcialidade ou neutralidade são apenas construções ideológicas do campo - inexistentes, portanto, no âmbito da linguagem, ainda que enfatizadas especialmente por poderosos meios de comunicação como se fossem sua prática. Qualquer imparcialidade só existe no discurso para procurar ocultar os próprios interesses e as próprias intenções comunicativas.

Por isso, não tenho problemas em ler veículos de imprensa que partam de pontos de vista diversos do meu, especialmente ideologicamente falando, desde que sejam capazes de não abandonar a prática da atividade jornalística. Clóvis de Barros Filho em seu "Ética na comunicação" apresenta essa discussão focando na objetividade. No fim, ficamos na certeza que o que importa no jornalismo é respeitar os modos de fazer já que os condicionamentos ideológicos e discursivos são inescapáveis.

Lembro bem qual foi o dia em que eu desisti de ler a Veja. Em 2005, a Veja publicou uma séria denúncia: assessores de Palocci haviam transportado dólares cubanos na campanha de 2002 em caixas de bebida. Na madrugada em que a matéria foi publicada, a oposição se assanhou nos comentários. Em poucos dias, a matéria saiu da mídia. E eu desisti da Veja. Por quê?

A matéria tinha três "fontes": um vira as caixas, mas não o que havia dentro; outro vira as caixas, mas ouviu de um terceiro que dentro havia dinheiro; o terceiro, que teria visto o dinheiro, estava morto. Isso não é jornalismo. Lembro que minha reflexão foi: a Veja conseguiu estragar uma denúncia que pode até ser verdadeira. Sem a devida apuração, a denúncia caiu no vazio e se transformou em uma das histórias que para sempre serão lembradas contra o semanário da editora Abril.

O fazer jornalístico exige que você só possa publicar algo que possa provar. Há ainda a chamada regra das três fontes, que libera uma publicação desde que três diferentes fontes, pelo menos, que não o repórter saiba que não articularam uma versão, confirmam a mesma história. No caso dos dólares cubanos, a Veja falhou no uso dessa regra.

As fontes precisam ser ouvidas com critério e utilizadas com parcimônia. O risco é de um jornalismo declaratório que não acrescenta evidência nenhuma.

A Veja voltou à baila nos últimos dias devido à denúncia de uma conta do senador Romário de Sousa na Suíça. O ex-jogador teria US$ 7,5 milhões em uma conta no BSI. O banco afirmou que os documentos eram falsos e acionou o Ministério Público suíço para investigar a questão. Romário promete um processo de R$ 75 milhões contra a editora Abril.

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O problema desta vez foi a falta de checagem.

Tem um check-list que costumo apresentar a meus alunos:
Informação precisa, mas insuficiente? Apurar mais.
Muita informação, mas imprecisa? Fazer checagem.
Pouca informação, ainda por cima imprecisa? Refazer tudo.

Informação precisa e abundante? Publicar matéria.
Por que uma revista como a Veja, que se resume a um panfleto denunciatório, incorre em um erro milionário como esse? Porque a denúncia hoje é mais importante que o correto fazer jornalístico. O veículo pode ter o lado que quiser ter, pode ter a posição político-ideológica que desejar, desde que não fuja da responsabilidade técnica com o jornalismo.

A revista inventou ou deu guarida a um documento falso para incriminar um senador da República que, coincidentemente, se opõe a antigos parceiros da editora na CBF. Para piorar, ainda que tenha pedido desculpas, ainda não informou a origem do erro. Se uma fonte inescrupulosa passa uma informação falsa a um veículo de imprensa e este não deixa isso claro, preservando a fonte, é o veículo que tem sua reputação arranhada. Ao passar um documento forjado ou uma informação falsa a fonte já quebrou o acordo informal de confidencialidade e sigilo. Não cabe mais ao jornalista ou revista manter tal sigilo sob pena de sua credibilidade se esvair por completo.

Junto a certo público, a Veja ainda tem sua credibilidade. Seu problema não é ideológico, mas ético e profissional. E, em dez anos, as coisas não parecem ter melhorado.



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