A força de uma não-notícia




Sábado acompanhava a eleição para a presidência do Senado Federal pela televisão. De repente, a urna é aberta e contam-se 82 votos para 81 senadores. Todos começam a discutir o que pode ser feito a partir daquilo.
Os três senadores do Rio Grande do Norte, Jean-Paul, Zenaide e Styvenson, eram parte do grupo de escrutinadores e, por isso, estavam o tempo todo por trás do presidente em exercício, José Maranhão. Até ali, pelo menos três propostas estavam sendo feitas. A primeira era anular os dois votos que foram depositados fora de um envelope e contar o resto. Outra era ler os votos a mais e, caso eles não alterassem o resultado da eleição, dar andamento. A terceira, anular tudo.
Foi quando Maranhão abriu os dois votos, mostrando-os também ao secretário da mesa.
Senadores falaram que também queriam ver.  Outros lembraram o sigilo do voto.
Jean-Paul sugeriu ao presidente que destruísse os votos para preservar o sigilo.  A frase foi captada no microfone da mesa.  Confesso que quando ouvi pensei que, caso recortassem somente a frase, parte da imprensa faria um escarcéu. No contexto era claro o que Jean Paulo propunha mas mudando o contexto poderia ser levado a entender que ele pedia a destruição de evidência.
Por fim, todos os votos foram picotados antes que uma nova votação tivesse lugar.
Essa é uma história e, talvez, justificasse se tornar uma notícia.
Mas o que entrou em questão foi a força de uma não-notícia.
O jornalista Gustavo Negreiros acusou, em post de seu blog, Jean-Paul de atuar como pombo-correio de Renan Calheiros no episódio.
Em seguida, a assessoria do senador petista enviou ao blog nota em que explica o que aconteceu e afirma, expressamente, que sugeriu ao senador José Maranhão que as cédulas fossem rasgadas, como todos ouviram.
Por fim, o jornalista publicou um trecho do ocorrido no sábado no Senado Federal.  O título do post é: A prova! Jean-Paul orienta senador a destruir a prova.  Aqui nasceu bem mais que uma fake news. Nasceu uma não-notícia. Jean-Paul em nenhum momento afirmou que não havia feito a sugestão de destruição das cédulas. Inclusive afirmou isso explicitamente em nota que escreveu e enviou ao jornalista - que a publicou.
O jornalista, por sua vez, publicou o vídeo do fato como prova de que o senador mentiu - ainda que o senador tenha dito e reiterado que fez feito aquilo que o vídeo confirma que ele fez. Eu sei, ficou confuso. Mas é que o próprio episódio é confuso de tão surreal.  Jean-Paul foi acusado de mentir por Gustavo Negreiros por dizer algo que o próprio Gustavo Negreiros disse ser verdade.
Gustavo ainda dispara, no texto, um recado a Jean-Paul: "Antes de chamar o Blog de mentiroso em nota, tenha ética e saiba se comportar!"
De um ponto de vista de uma análise do discurso há algumas coisas interessantes no episódio a serem vistas. Jean-Paul não mentiu e os dados concretos que Gustavo Negreiros publicou confirmam que ele não mentiu. Mas Gustavo enquadrou o episódio como mentira do senador. Muita gente só vai conseguir ler esse elemento no caso.
No post em que Negreiros publicou o vídeo com a fala de Jean-Paul, Ignácio Soares comenta:
Esse bandido Senador Jean provou que é xiita do PT. Vergonha para um estado além de pobre, sem dignidade política de um seu representante. Vergonha nacional.  
Quer dizer: o leitor não foi capaz de perceber que o vídeo confirmava que Jean-Paul não mentira porque sua leitura foi condicionada pela afirmação de Gustavo Negreiros de que o senador mentira.
Isso acontece porque o jornalista tem um compromisso político, discursivo e ideológico em seu blog - no campo oposto ao Partido dos Trabalhadores de Jean-Paul Prates. E vai reforçar discursos e enquadramentos que atraiam leitores ávidos por odiar o PT, ainda que fujam à verdade para isso.
Não é à toa que no post em que comenta o discurso da governadora Fátima Bezerra à Assembleia Legislativa ele tenha posto o título de A arte de não dizer nada.  Antes de publicar a íntegra do que falou a governadora, Negreiros comenta que ela "usou 5.203 palavras para não dizer nada".  Para a posição política e discursiva a que serve, qualquer coisa que Fátima tenha dito será desconsiderado como nada.  Pouco importa que Fátima tenha falado sobre a relação entre os três poderes, o rombo nas contas públicas do estado, a crítica a ausência da população na elaboração do orçamento público (por meio de ferramentas de orçamento participativo), entre muitos outros temas. É uma estratégica discursiva intencional.
Parafraseando Voloshínov, é o signo (a palavra) essa arena de luta política discursiva. Gustavo tem seu lado.

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