Sobre o governo Fátima Bezerra (I)



Em outubro passado, numa eleição disputada em segundo turno, a professora Fátima Bezerra foi eleita governadora do estado do Rio Grande do Norte.
Uma vitória muito significativa.
Fátima foi a única mulher eleita para o governo entre as 27 unidades da federação. A primeira de origem popular, a primeira do PT no estado do RN.
Para mim, isso representava bem mais, uma vez que meu pai, Rubens Lemos, foi o primeiro candidato ao governo pelo partido em 1982.
Ainda que sua vitória fosse cercada de emoção e expectativa, inclusive por causa da terrível crise que o Rio Grande do Norte enfrenta, lembro que na comemoração havia um sentimento dúbio: como comemorar a vitória de Fátima diante do fato de que havia também sido eleito um cara com discurso fascista como presidente da república?
Somou-se a isso, algum tempo depois, o fato de que o mandato de Fernando Mineiro como deputado federal foi usurpado no tapetão, apesar dos seus quase cem mil votos - o terceiro mais votado para a Câmara dos Deputados.
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Talvez não fosse necessário fazer esse preâmbulo, mas o fiz porque faz anos que não escrevo aqui.
Ainda que o governo Fátima Bezerra esteja dando excelentes sinais de sucesso nesse pouco mais de um mês desde que tomou posse - a redução dos homicídios  e o pagamento da folha de janeiro em dia, por exemplo -, há coisas que incomodam. E eu destacarei três delas.
Em novembro de 2018, ainda sob governo de Robinson Faria (PSD), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) divulgaram um documento "Relatório de Monitoramento de Recomendações: Massacres Prisionais dos Estados do Amazonas, do Rio Grande do Norte e de Roraima".  Esse documento afirma a prática de tortura no presídio de Alcaçuz.  Segundo o G1, o
texto traz relatos de casos de humilhação coletiva, desnudamentos, maus-tratos e constrangimentos de mulheres grávidas e crianças parentes de presos. Também há denúncias de de agressões extremas, como espancamentos, dedos fraturados e até desmaios causados por enforcamento com cassetete.
Alcaçuz foi comparada a Abu Ghraib, presídioque foi centro de tortura durante o regime de Saddam Hussein no Iraque e, depois, escândalo mundial após a divulgação de imagens de presos sendo humilhados e torturados por soldados americanos em 2004.
A reportagem do G1 traz fotos dos maus tratos sofridos pelos apenados e seus familiares.
O que isso tem a ver com o governo Fátima?
O governo Fátima manteve a mesma equipe de gestão penitenciária do governo anterior sob o argumento de que manteve os presídios sob controle depois da crise de janeiro de 2017.  Luís Mauro Albuquerque Araújo, que comandou a SEJUC no governo Robinson, chegou a ser anunciado como futuro secretário da pasta que administrará os presídios após a Reforma Administrativa, mas atendeu a um convite de Camilo Santana (PT) e se tornou secretário de administração penitenciária no Ceará. Mesmo assim, seu adjunto, Maiquel Mendes, segue no governo Fátima, auxiliando a pasta atualmente comandada por Armeli Brennand.  Após a Reforma, Armeli deve assumir a secretaria que cuidará de Direitos Humanos e Maiquel a que cuidará dos presídios.
A questão que me ponho aqui é: vale a pena manter uma estrutura de comando nos presídios que fez Alcaçuz ser comparada com Abu Ghraib?  Em um governo do Partido dos Trabalhadores, conhecido por sua militância em defesa de direitos humanos?
Vinculada diretamente a essa questão está a exoneração de um dos líderes do movimento Policiais Antifascistas, Pedro Paulo Chaves Mattos, o Pedro Chê, do cargo de Subcoordenador da Assessoria Especial, da Secretaria de Estado de Segurança do RN.  Pedro foi exonerado porque deu uma entrevista a um canal de Mossoró usando uma camisa do movimento.
Essa exoneração me indignou, particularmente. Primeiro, porque representa o cerceamento da liberdade de expressão de um servidor em um governo petista, sob o argumento que poderia prejudicar as relações do governo, na área de segurança, com o governo de Brasília (o que implicitamente reconhece o caráter fascista do governo federal). Segundo, porque os companheiros e as companheiras do movimento de Policiais Antifascistas foram fundamentais nos últimos anos em nossa militância política, inclusive nas últimas eleições e na vitória de Fátima Bezerra. Em terceiro, e pior, senti essa exoneração como uma afronta à memória do cabo João Maria Figueiredo, um dos líderes do movimento de Policiais Antifascismo e segurança de Fátima durante anos, executado na zona norte de Natal a uma semana da posse da governadora.

P.S.: Dias depois da morte de Figueiredo, encontrei uma companheira vestindo a camisa dos Policiais Antifascistas. Falei do cuidado que ela precisava ter por usar aquela camiseta. "Agora é que temos que usar e não nos intimidarmos", me disse. Pedro Che ser exonerado porque usou a camiseta é um contrassenso.

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