Bacurau: Eu vi um drone ontem

Sai do cinema impactado. Aquilo era só o começo.
O começo de um soco no estômago. Mas um soco no estômago que entra em nós por meio de um cupinzeiro na paisagem urbana de uma metrópole nordestina e segue na direção do sertão, que é quente como a Flórida e mais verde que eles esperavam.
É difícil para mim comentar um filme como Bacurau - especialmente, poupando quem lê o comentário de spoillers. Mas é difícil também porque eu sai do cinema com o soco no estômago me dizendo que eu precisava cavar um buraco. Que à meia noite eu vou precisar tacar fogo nos fascistas.
Estamos em um futuro e é uma distopia. Mas nesse futuro só aparece uma tela de tevê e nela podemos ver o que acontece a um país que foi capaz de eleger Bolsonaro em 2018. Nesse futuro, familiares de Carmelita, espalhados pelo mundo inteiro, não puderam vir ao seu enterro por causa da situação que envolve nossa região.
Mergulhamos no cinema novo, reconhecemos Tarantino e Glauber Rocha, vemos a história. Mas ninguém quer visitar um museu sequer. Acho que se as pessoas decidissem visitar o museu, todo o desenrolar seria muito diferente. O museu, falando a nossa história, nos diz de onde viemos e o que podemos fazer no futuro. Mas as pessoas decidem não entrar no museu e não conhecer a história - e isso tudo termina numa mesa de jantar, que é a melhor cena do filme. Acho que os sudestinos e os bolsonaristas entenderam qual era a de Kleber Mendonça e Juliano Dorneles nesse momento. E não gostaram do que viram.
Falamos de um filme que é resistência - e a violência tosca, barata, risível, é uma metáfora para aquilo que o excluído, riscado do mapa, nordestino, pobre, trans, lésbica, não-binário, transitando entre identidades pode fazer para enterrar o mal. E tudo isso na região que elegeu nove governadores de oposição ao Fascista de Brasília.
O homem nu e isolado no meio da caatinga olha para o alto e vê um drone, não um disco voador. O que me faz lembrar o homem da elite de Natal que procurava um livro com o conto de Capitu para o filho enquanto segurava Dom Casmurro nas mãos.
A metáfora não fala de xenofobia. O filme não é uma referência ao externo e ao interno. É uma referência ao opressor e ao oprimido - e em uma sociedade fascista. No fascismo, o oprimido não é só um oprimido. Ele é menos que um ser humano. Ele é objeto de um jogo em que o opressor o mata. E se os opressores não tivessem aliados e gente que eles contratam para ajudar, não oprimiam.
A violência tosca - gente, o boneco é tão boneco que eu ri - denuncia a necropolítica que faz alguém se excitar sexualmente por matar alguém e por ser visto por outro voyeur.
O mundo em que vivemos (ou poderemos viver) é um mundo em que um homem morre em um acidente que deixa espalhados caixões pelo chão. Enquanto as pessoas roubam os caixões, ele segue morto, sozinho, no chão. Um mundo em que as pessoas estão enterradas vivas.
E isso é só o começo.


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